Será preciso um milagre para que um governo com oito partidos divergentes tenha estabilidade, mas Naftali Bennett tem perfil de milagreiro. Vilma Gryzinski:
Ocupar
o lugar que foi durante os últimos doze anos de Benjamin Netanyahu, um
gigante político em suas qualidades e defeitos, não é para qualquer um.
Naftali
Bennett, definitivamente, não é qualquer um. Como ex-comandante de
operações especiais e criador de duas empresas de tecnologia que vendeu
por mais de cem milhões de dólares, o novo primeiro-ministro tem couro
duro, talvez impermeável às vaias e gritos que ouviu ao estrear ontem no
Knesset, o parlamento israelense.
Chamado
de mentiroso e criminoso, entre outros epítetos, por deputados do
Likud, o partido de Netanyahu, e seus aliados ultraortodoxos, ele teve a
elegância de agradecer a Bibi e talvez o senso de ironia de incluir na
gentileza Sara Netanyahu – a quem se atribui a ruptura entre os dois
líderes.
“Vocês
dois sacrificaram muito pelo Estado de Israel”, disse, antes de ter de
levantar a voz para ser ouvido entre o barulho dos adversários.
Por
mais agressivos que sejam, Bibi e sua turma têm um bom argumento:
Bennett realmente é um direitista puro e duro que teve jogo de cintura –
ou falta de caráter, segundo a ótica – suficiente para entrar numa
coalizão com partidos de centro, esquerda, extrema esquerda e, mais
inacreditavelmente ainda, um da ala islamista que representa uma parcela
da população árabe-israelense.
No Brasil, seria como se não apenas Lula e Bolsonaro estivessem no mesmo governo, como também João Doria e o PSOL.
Escreveu
Ben Caspir no Al Monitor: “Capitalistas vão se sentar ao lado de
socialistas, conservadores com liberais, laicos com religiosos,
muçulmanos com judeus. No papel, as chances de sobrevivência de uma
mistura dessas no campo minado da política israelense são virtualmente
nulas”.
Para
permitir que essa frente totalmente heterodoxa reunisse, com muito
esforço, a estreitíssima maioria de 61 deputados, o líder do principal
partido oposicionista agora no governo, Yair Lapid, atraiu Bennett com a
proposta de ser primeiro-ministro logo de início, num sistema rotativo.
Segundo
o acordo, Lapid se torna o ministro das Relações Exteriores e, dentro
de dois anos, assume o comando do governo. Nem os muito otimistas
acreditam que a coalizão dure tanto. Os próprios israelenses, mesmo
cansados das eleições que não dão maioria a ninguém, desconfiam: apenas
30% acham que o governo tem sobrevivência a médio prazo; 42% não esperam
que dure muito.
Sobre Bennett, 61% acreditam que entrou na insólita coalizão por ambição pessoal.
Ambição
pode ser uma virtude ou um defeito, quando não as duas coisas juntas e
talvez existam poucos líderes políticos no mundo que encarnem melhor
essa ambígua dicotomia do que Benjamin Netanyahu, o “rei de Israel”,
como bradam seus admiradores mais fervorosos, com dois processos por
corrupção nas costas e um legado em que o país ficou mais forte, mas
também mais dividido, como é comum com figuras muito carismáticas.
Num
país normal, só a forma como Netanyahu conseguiu implantar um esquema
de vacinação, entre outras medidas, que venceu pioneiramente o
coronavírus, já deveria valer sua permanência no poder.
Outro
legado que, por causa da polarização política, fica num distante
segundo plano, são as reformas liberalizantes que transformaram Israel
numa potência em matéria de economia high tech. Em doze anos, o PIB per
capita cresceu nada menos do que 60%, chegando a 43 mil dólares, isso
num país com recursos naturais limitadíssimos.
Figuras
políticas muito fortes costumam não deixar que outros líderes cresçam à
sua sombra. Foi isso que aconteceu com Bennett, um pupilo do
ex-primeiro-ministro grande demais para esperar na fila uma vez que
talvez nunca chegaria.
Primeiro
judeu praticante, do tipo que se recolhe durante o sabá e não tira o
quipá da cabeça – no seu caso, com fita adesiva para não escorregar na
calvície precoce – a chegar à chefia de governo de Israel, Bennett
também é o primeiro saído de um partido pequeno, com apenas seis
deputados.
Com uma desvantagem tão patente, sua vez chegou e é agora.
Uma
única divergência séria com os aliados desmancha o edifício que ele e
Lapid construíram. É como governar sobre um vulcão em erupção e Bennett
vai ter que mostrar que sabe fazer não só política, como milagres, da
mesma forma que se sobressaiu na guerra e ficou milionário com pouco
mais de 30 anos.
“Logo
estaremos de volta”, trovejo Netanyahu em seu primeiro discurso como
líder da oposição. “Com a ajuda de Deus, será muito mais cedo do que
vocês imaginam”.
Tendo
conseguido o impossível – uma aliança estrambólica para passar a perna
no inderrubável Netanyahu -, Bennett agora tem que continuar todos os
dias vencer as expectativas. Vai ser uma corrida e tanto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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