Mesmo após o fim da guerra e a revelação dos horrores do Holocausto, Perón, um adepto do Estado forte, não se constrangeu em continuar manifestando apoio ao Terceiro Reich. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Na
semana que passou, como foi amplamente divulgado, o presidente
argentino Alberto Fernandez declarou que os brasileiros “vieram da
selva”, enquanto os argentinos teriam vindo “dos barcos da Europa”. Vale
a pena, então, lembrar alguns europeus que chegaram de barco na
Argentina – onde, por sinal, foram muito bem acolhidos.
Adolf Eichmann:
Um
dos oficiais nazistas responsáveis pela logística de deportações em
massa de judeus para campos de extermínio. Em 1948, após se esconder em
diferentes países, Eichmann ganhou um visto de entrada na Argentina e
uma identidade falsa, com o nome "Ricardo Klement". Dois anos depois,
ele pegou um barco e emigrou definitivamente para o país. Viveu
tranquilamente com sua mulher e quatro filhos em um subúrbio de Buenos
Aires e trabalhou em uma fábrica da Mercedes Benz até 1959, quando foi
capturado e levado para Israel por agentes do Mossad.
Josef Mengele:
Oficial
e médico famoso por realizar experiências cruéis de engenharia
genética, foi um dos responsáveis por selecionar pessoalmente quais
prisioneiros nos campos eram considerados aptos a trabalhar e quais
seriam enviados para a morte nas câmaras de gás. Conhecido como “Doutor
Morte”, Mengele pegou um navio para Buenos Aires em 1949, onde viveu
tranquilamente por 10 anos. Com medo de ter um destino semelhante ao de
Eichmann, fugiu para o Paraguai – e, mais tarde para o Brasil, onde
morreu incógnito em 1979.
Erich Priebke:
Membro
da Gestapo, comandou pessoalmente massacres de prisioneiros durante a
guerra e determinou o envio de milhares de judeus para campos de
extermínio. Depois de fugir de uma prisão de criminosos de guerra, foi
morar na Argentina em 1948, com seu nome verdadeiro. Comprou uma casa em
Bariloche e abriu uma delicatessen, sem ser importunado. Também
trabalhou em uma escola alemã.
Estes
são apenas os casos mais famosos de uma lista bem maior de fugitivos
nazistas que encontraram abrigo na Argentina, como Josef Schwammberger,
Martin Bormann e Gerhard Bohne. Este último foi responsável pelo
programa de eutanásia Aktion T-4, que condenou à morte centenas de
milhares de deficientes físicos e portadores de doenças incuráveis,
contribuindo para a purificação da raça ariana e para a economia de
recursos pelo Estado. Bohne também pegou um barco para a Argentina; como
admitiria mais tarde, ele recebeu documentos e dinheiro de peronistas
para se estabelecer no país.
A
história desses europeus que chegaram de barco na Argentina é contada
em detalhes no livro “A Verdadeira Odessa – O contrabando de nazistas
para a Argentina de Perón”, de Uki Goni, lançado em 2002. Basicamente, o
autor demonstra que a imigração de criminosos de guerra alemães contou
com o apoio entusiasmado do presidente Juan Domingo Perón – de quem,
aliás, Alberto Fernández se declara um herdeiro político. O livro também
traz revelações chocantes sobre a cumplicidade da Igreja católica
argentina nesse movimento de resgate de criminosos nazistas. Goni revela
ainda a existência de uma estrutura sofisticada, formada não apenas por
antigos homens da SS, mas também colaboradores franceses e fascistas
croatas.
A
escolha da Argentina como destino não foi casual. Com base em farta
documentação, Uki Goni demonstra que a hospitalidade aos criminosos
nazistas foi uma política deliberada do governo de Juan Domingo Perón,
que não apenas facilitou a entrada de milhares de fugitivos alemães e
colaboradores de outros países europeus, entre 1946 e 1955, como enviou
agentes à Europa com a missão de ajudá-los com dinheiro, documentos
falsos e passagens (de barco). Entre esses imigrantes, segundo o autor
de “A verdadeira Odessa”, havia pelo menos 300 criminosos de guerra.
O
título faz menção ao livro de ficção de Frederick Forsyth, “O Dossiê
Odessa”, em que Odessa aparece como uma organização internacional
nazista criada com o objetivo de proteger antigos membros da SS após a
guerra: alcançado esse propósito, os nazistas planejam eliminar o Estado
de Israel. “A verdadeira Odessa era muito mais que uma organização
fechada, formada apenas por nazistas nostálgicos”, escreve o autor. “O
objetivo era, usando as palavras de um diplomata alemão, transplantar a
ideologia nazista para o solo sul-americano”.
A hospitalidade da Argentina a criminosos nazistas foi uma política deliberada do governo de Perón
Outro
detalhe interessante do livro: Goni demonstra que, nos últimos anos da
guerra, 98 empresas alemãs de grande porte se instalaram na Argentina,
que movimentavam fortunas levadas em submarinos para a Patagônia. O
governo argentino, como se sabe, só se manifestou oficialmente contra a
Alemanha nazista quando faltavam duas semanas para o final da Segunda
Guerra.
Mas,
mesmo após o fim da guerra e a revelação dos horrores do Holocausto,
Perón, um adepto do Estado forte, não se constrangeu em continuar
manifestando apoio ao Terceiro Reich. Ao comentar os Julgamentos de
Nuremberg, o presidente argentino declarou: “Pessoalmente, considerei
[os Julgamentos de Nuremberg] uma desgraça e uma infeliz lição para o
futuro da humanidade. Tornei-me certo que o povo argentino também
considera Nuremberg um processo vergonhoso, indigno, em que os
vencedores se comportam como se não tivessem sido vitoriosos. Agora
percebemos que eles [os Aliados] mereciam perder a guerra.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário