Em 1956, Ruth Taber levou o rei do rock a vacinar-se contra a poliomielite em direto no The Ed Sullivan Show. Milhares de jovens, que se julgavam livres da doença, seguiram o exemplo. Maria Ramos Silva para o Observador:
Não
é inédito que o exemplo venha de cima, mas talvez esteja por apurar o
grau de influência quando comparamos líderes políticos e celebridades —
pelo menos sempre que arregaçam as mangas para sensibilizar a população
para a importância de uma vacina, submetendo-se ao conteúdo da seringa
em sinal de exemplo, confiança e encorajamento junto das populações. Um dos casos mais recentes
tem o combate à Covid-19 como pano de fundo, e a Biden se juntam nomes
como Obama ou Anthony Fauci, mas tempos houve em que o inimigo e o rosto
inspirador eram outros.
A
imagem que fica para a posteridade foi captada nos bastidores do
estúdio 50 da CBS, em 28 de outubro de 1956. Minutos antes de ir para o
ar mais um The Ed Sullivan Show, a delegada de saúde de Nova Iorque
Leona Baumgartner segura no braço de Elvis Presley, enquanto o
assistente Harold Fuerst administra a vacina contra a poliomialite ao
rei do rock. O momento teve um impacto superior à prestação em palco da
estrela que lançara o seu primeiro álbum no começo do ano, quase abafada
pela euforia dos fãs. Em 1963, as autoridades de saúde anunciavam que graças à vacinação o número de casos reportados da doença na Grande Maçã correspondia agora a zero.
O mobilizador episódio está guardado no site do Departamento de Registos e Informações de Nova Iorque e é recuperado nos dias que correm,
marcados pelo desejo do acesso à vacina contra a Covid-19 e em
simultâneo pelas dúvidas e reservas que muitos ainda demonstram na hora
de se decidirem ou não pela vacina — assim esteja ela disponível. “Pode
Beyoncé fazer pela vacina contra a Covid o mesmo que Elvis fez pelo
polio?“, interroga-se o The Washington Post.
“A
campanha deve incluir departamentos centrais e locais, idealmente a
presidência…líderes cívicos, religiosos, celebridades…todas estas
pessoas. À medida que surgem em público a dizer que tomaram a vacina e
porque o fizeram, isso ajuda”, defendera já em agosto à NPR Sandra
Quinn, responsável pelo Departamento de Ciência da Família da
Universidade de Maryland.
A
ação de Elvis surgiu dois anos depois de o Departamento de Saúde da
cidade de Nova York ter lançado uma enorme campanha publicitária para
promover a vacinação contra a poliomielite, perante o escárnio do
colunista da época Walter Winchell, que duvidava do efeito do vacina
desenvolvida a partir de um vírus inativado por Jonas Salk (as primeiras
vacinas remontam a 1952). Facto é que no ano seguinte quase 900 mil
nova-iorquinos foram vacinados, e o número de novos casos diminuiu
acentuadamente. Ainda assim, nada como a mediática participação de um
ídolo em franca ascensão no país — que não obstante teve que ser
convencido.
A
poliomielite surgiu nos EUA nos anos 40 do século XX, e na década
seguinte roubou a vida a milhares de crianças e afetou para sempre a
vida de outros tantos adolescentes e jovens. A quarentena foi imposta
pelas autoridades de saúde da época na sequência dos surtos, com os pais
a serem aconselhados a manterem a prole em casa e a evitarem
deslocações entre cidades, enquanto o presidente Truman se juntava à
campanha de sensibilização a nível nacional. Enquanto isso, uma multidão
espevitava os ouvidos para seguir o novo astro. De resto, apesar de as
crianças estarem a ser vacinadas contra a poliomielite, as idades um
pouco mais avançadas julgavam estar livres de risco, fintando assim o
conselho de se vacinarem e fazendo com que a doença perdurasse, com a
imunidade de grupo gorada.
É
aqui que entra em ação Ruth Taber, então empregada no departamento de
Saúde de Nova Iorque, chefiada por Leona Baumgarten. “Era uma doença
muito emocional”, recorda
a sua terra natal, El Paso, no Texas. “Em termos de frequência, não era
uma grande doença. Mas quando atacava, acertava em cheio“. Não era
fácil convencer o público a proteger-se, sobretudo depois de uma vacina
defeituosa ter paralisado 200 crianças e ceifado a vida de outras 10.
“Estávamos
sentados um dia a conversar e o meu chefe, que era delegado de saúde,
disse: “sabes como conseguimos pôr estes adolescentes a vacinarem-se?
Temos que apelar a algo”. Elvis veio assim à cabeça e Taber acabou a
fazer uma providencial chamada para o seu agente.
“Nunca
falei tão depressa na minha vida porque tinha medo que desligasse
logo”, contou Taber, hoje com 91 anos, que pensou que jamais lhe
devolveriam a chamada. “Não passaram 10 minutos sequer”. Presley haveria
de receber a sua vacina frente às câmaras, uma cobertura “que correu
não só o país inteiro como o mundo”. Os milhões que assistiram à
primeira aparição do músico no formato televisivo, um mês antes, falavam
por si: na altura da sua estreia no programa, cerca de 60 milhões de
pessoas seguiram o rei, mais de um terço da população global da época no
país, 168 milhões, destacou Joanne Kenen no Politico.
No dia seguinte à atuação de Elvis, o The New York Times frisava como até ali apenas 10% dos adolescentes se havia vacinado, percentagem que rapidamente escalou para 80%. Chegados à década de 60, somavam-se menos de 100 casos por ano nos EUA.
Quanto
a Ruth Taber, não apostou apenas no impacto de uma super estrela para
espalhar a mensagem: encaminhou médicos para programas infantis para
chegar às idades mais jovens.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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