Inventaram-se, com a cumplicidade objetiva do governo federal, novas aberrações legais para proteger o crime e deixar sem punição os criminosos. O contrário do que Bolsonaro prometeu. Coluna de J. R. Guzzo para o Estadão:
Um dos maiores projetos do governo do presidente Jair Bolsonaro,
exposto em volume máximo durante toda a sua campanha eleitoral, era o
combate ao crime – um dos piores inimigos da população brasileira nas
últimas décadas, em razão da impunidade dos criminosos, da baixa
eficiência do aparelho policial e judiciário e da aberta submissão da
lei aos interesses dos escritórios de advocacia penal mais prósperos
deste país. Passam dois anos e o que se tem hoje? Uma situação em que o
poder público incentiva ainda mais a atividade criminosa no Brasil.
Não
apenas não foi feito o prometido. Inventaram-se, com a cumplicidade
objetiva do governo federal, novas aberrações legais para proteger o
crime e deixar sem punição os criminosos. Uma das mais perversas foi a
criação do “juiz de garantias”, pela qual todo processo penal no Brasil
passa a ter dois juízes – isso mesmo, dois juízes diferentes – um para
cuidar da papelada e outro para encontrar motivos que possam ser
utilizados para soltar bandidos presos em flagrante.
Com
a desculpa de que esse tipo de juiz existe “em outros países”, e como
se o Brasil fosse um exemplo mundial em matéria de criminalidade baixa,
deputados e advogados espertos enfiaram num “pacote anti-crime”
apresentado pelo governo – justo aí – o contrabando desse segundo juiz. O
presidente da República poderia vetar o texto de lei, aprovado no final
de 2019. Não vetou. Também poderia vetar, e não vetou, outro presentaço
para os criminosos e seus advogados: a soltura de réus que estejam
presos há mais de 90 dias sem terem “condenação definitiva”. Em nenhum
governo anterior o crime conquistou duas vitórias como essas.
Sabe-se muito bem o uso que já se fez dessa história dos 90 dias: o ministro Marco Aurélio mandou soltar um traficante de drogas milionário
que teve como advogado um ex-assessor dele mesmo, Marco Aurélio. O
homem estava condenado, em duas sentenças, a 25 anos de cadeia, e
obviamente desapareceu assim que saiu do xadrez. Agora, um grupo de
advogados que costumam cobrar honorários de milhões entrou com um habeas
corpus coletivo contra a liminar do presidente do STF, Luiz Fux, que
suspendeu em janeiro último a existência do “juiz de garantias”. É o
“pacote pró-crime” do governo de novo em ação.
É
abusivo e ilegal: não cabe a apresentação de habeas corpus contra
decisão do presidente do STF. E daí? A ala do tribunal que está o tempo
todo ao lado da imunidade quer dar um troco no presidente Fux, que já há
tempo se tornou um dos seus desafetos – e vai jogar tudo para recuperar
os benefícios que o crime espera obter com o “juiz de garantias”. Fica
aberto, tecnicamente, o caminho para que sejam soltos todos os
criminosos que não passaram pelo segundo juiz 24 horas depois da sua
prisão.
O “processo civilizatório” do Brasil é isso aí.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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