O sistema de governo, possivelmente o pior do mundo, mantém Executivo e Legislativo em choque constante, agravado pela insegurança jurídica emanada de um Judiciário que não foi eleito para governar, mas está governando. Artigo de William Waack, publicado pelo Estadão:
A década que começou com Dilma e vai terminando com Bolsonaro
tem uma extraordinária constância. Nossas mazelas continuam
praticamente as mesmas. Apenas mais escancaradas por uma pandemia que
expôs (e também agravou) problemas que já existiam. Nesse sentido, não
se pode falar de uma década que começa e termina com sinais trocados. A
incompetência governamental e nossa complacência em sua essência seguem
as mesmas.
Sim, Dilma foi a vítima da tortura praticada por um regime de exceção, que Bolsonaro teima em exaltar.
Por mais abjetas e fracassadas as ideias que ela defendia, não há nada
que justifique tortura especialmente por órgãos de Estado, como
aconteceu na ditadura militar brasileira. É um aspecto que o capitão
Bolsonaro ignora e que exércitos profissionais de democracias abertas,
como na França (na Argélia), Estados Unidos (por último, no Iraque) e
Israel (na Intifada de 1987) reconhecem como destruidor da moral da
força armada e se empenham em condenar.
A
sociedade brasileira segue exibindo a mesma tolerância em relação a
pragas nacionais há tempos estabelecidas: injustiça social, miséria
disseminada, violência endêmica, corrupção e incompetência
governamental. São características com as quais se podia descrever o
Brasil de 10 ou 20 anos atrás, e a onda disruptiva de 2018 não ofereceu
resultados até aqui convincentes para alterar fundamentalmente esse
quadro. As comparações internacionais nada proporcionam para nos
orgulharmos em termos de nível de desenvolvimento humano e,
especialmente, educação, que continua sendo entendida no Brasil como
ferramenta e não como valor em si.
Nas
comparações mais recentes estamos capengando para proteger nossa
população da covid-19. Os que primeiro começaram a vacinar estão em
todas as regiões do mundo. Nessa lista figuram ricos e emergentes,
países gigantes e pequenos, regimes abertos, democracias liberais,
monarquias absolutistas, a ditadura comunista da China, variadas etnias,
as principais denominações religiosas (entre os latino-americanos, governos de esquerda e de direita).
O
atraso brasileiro na questão da vacinação é uma vitrine expondo nossos
limites estruturais. O sistema de governo, possivelmente o pior do
mundo, mantém Executivo e Legislativo em choque constante, agravado pela
insegurança jurídica emanada de um Judiciário que não foi eleito para
governar, mas está governando. O podre sistema de representação política
é fator preponderante para entender a falta de lideranças abrangentes e
enraizadas – um grande deficit em situações de crise econômica e
sanitária que se reforçam mutuamente. A força dos regionalismos e o
egoísmo de suas respectivas elites – não só as geográficas, mas as de
diversos segmentos sociais e econômicos nos fazem assistir à
concorrência dos entes da federação.
Há
aspectos peculiares na incompetência demonstrada pelo atual governo no
trato da pandemia, mas incompetência em várias questões, agudas ou não,
causadas pela “sabedoria” de chefes de Executivo (só lembrar o que Dilma
fez com o setor elétrico, por exemplo) tem sido recorrentes. No plano
mais abrangente, para um País que cultiva a imagem de ser dono de um
futuro brilhante, estamos sendo extraordinariamente incompetentes em
chegar lá. Nossa distância nesses dez anos em relação às economias mais
avançadas aumentou – e estamos há mais tempo do que isso estagnados em
matéria de produtividade e competitividade internacionais.
É
confortável apontar o dedo acusador para este ou aquele governo do
começo ou do fim da década. O fato é que nós os colocamos lá.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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