MEDIÇÃO DE TERRA

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domingo, 27 de dezembro de 2020

Centenário destaca visão social de Florestan Fernandes, patrono da Sociologia no Brasil

 


Florestan Fernandes na Constituinte – Livraria Expressão PopularJussara Martins

Florestan Fernandes teve trajetória brilhante e realizou uma carreira consagradora pelas diversas funções profissionais que exerceu. Foi sociólogo, antropólogo, escritor, político e professor brasileiro. Nascido em São Paulo, em 26 de julho, completaria cem anos agora, em 2020.

De origem humilde, sua biografia foi marcada por ser um dos destaques formados pelo primeiro curso superior de Sociologia no Brasil, criado em 1933, na Fundação Escola Superior de Sociologia e Política de São Paulo (FESSP), órgão que pertence, desde 1934, à Universidade de São Paulo (USP). Alguns anos depois, foi agraciado com o título de Patrono da Sociologia Brasileira, sob a lei nº 11.325.

ESCRAVIDÃO E RACISMO – Também na USP, continuando a carreira acadêmica, o sociólogo cursou seu mestrado em Antropologia. Então, iniciou uma intensa pesquisa etnográfica que resultou na dissertação “A Organização Social dos Tupinambás”, apresentada em 1947.

Na década de 1950, o sociólogo se dedicou a uma nova abordagem temática e passou a estudar os resquícios da escravidão, o racismo e a difícil inserção da população negra na sociedade altamente dominada por pessoas brancas.

A vivência na USP proporcionou a Florestan grandes oportunidades, desde quando era estudante. Antes da conclusão de seu mestrado, o sociólogo tornou-se assistente de ensino de seu orientador na universidade, o professor Fernando Azevedo. Também nessa época iniciou sua atuação na política, quando se filiou ao Partido Socialista Revolucionário (PSR), um extinto partido brasileiro de esquerda.

ACADÊMICO BRILHANTE – Em 1951, Florestan Fernandes defendeu sua tese de doutorado, “A função social da guerra na sociedade Tupinambá”.  Em 1953, com a saída do sociólogo francês Roger Bastide da USP, Florestan Fernandes ocupou seu lugar, como professor titular.

Destacando-se como um brilhante acadêmico, em 1964, Fernandes defendeu sua tese de livre docência, que mais tarde se tornaria o célebre livro “A inserção do negro na sociedade de classes”. Percebe-se aqui uma mudança de visão sociológica e de objeto de estudo, que mudou da questão indígena para o tema étnico e racial no capitalismo.

Em grande parte, a matéria fundamental dos estudos e pesquisas do sociólogo foi extraída de sua própria existência, pois viveu na periferia de São Paulo, morando em guetos quando criança. Foi também na infância, quando trabalhava para ajudar sua mãe, que Florestan percebeu que os empregos e a renda das pessoas das periferias eram drasticamente inferiores e que havia um tratamento diferente dado ao povo desses lugares.

DESIGUALDADE SOCIAL – Dessa forma, sua origem pobre o levou a considerar a importância de se analisar a disparidade de classes sociais presentes no Brasil. A luta pela sobrevivência desenvolveu nele uma visão aguda e madura sobre a sociedade brasileira e o levou a ultrapassar barreiras, uma história incrível de superação das adversidades, que o transformou em um dos brasileiros mais respeitados do século XX.

Florestan contava com muito orgulho os fatos marcantes de sua existência. Ele não conheceu o pai, era filho único de mãe solteira. O avô materno trabalhou como colono numa fazenda no interior de São Paulo, tendo morrido por tuberculose, e a mãe, após se mudar para a capital paulista, trabalhou como empregada doméstica. Era afilhado de Herminia Bresser Lima, que despertou nele o gosto pelo conhecimento, como ele sempre contava: “Embora eu não estudasse organizadamente, o fato de ter nascido na casa de dona Herminia Bresser de Lima me levou a entender o que era o livro e a importância de estudar. Com pouco mais de seis anos, adquiri uma disciplina”, contou.

TRABALHANDO SEM PARAR – Começou a trabalhar como auxiliar numa barbearia, aos seis anos de idade. Também foi engraxate, trabalhou em padaria e restaurante.  Estudou até o terceiro ano do primeiro grau e teve que largar os estudos para trabalhar e completar a renda familiar. No entanto, o jovem pensador jamais abandonou o gosto pelo estudo e pelos livros. Seu retorno aos estudos formais deu-se em 1937, quando tinha 17 anos. Ele fez um curso de educação básica acelerada, parecido com o que chamamos hoje de supletivo, ficando apto a concorrer a uma vaga no Ensino Superior.

Florestan conciliava a atividade acadêmica com a militância política desde sempre. Por conta da atuação em um partido de esquerda em defesa dos desfavorecidos e da atuação docente, foi preso em 1964, quando estourou o golpe militar. ===Em 1969, poucos meses após a promulgação do Ato Institucional número 5 (o AI-5), foi preso novamente, destituído de seu cargo na USP e deportado para o exílio. Retornou ao Brasil somente em 1972.

TEMPOS DE EXÍLIO – No período de exílio, o sociólogo viveu e lecionou nos Estados Unidos e no Canadá, o que alavancou a sua carreira internacional. Em 1977, ele lecionou como professor convidado na tradicional Universidade de Yale. Também nesse ano, regressando novamente ao Brasil, tornou-se professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1979, ministrou um curso de férias na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, seu antigo ambiente de trabalho.

O que era para ser um simples curso sobre a experiência do sociólogo em Cuba, tornou-se uma oportunidade para se conhecer sua visão bastante singular sobre o socialismo, que mesclava as interpretações clássica e moderna do marxismo.

Na década de 1980, o sociólogo filiou-se ao recém-nascido Partido dos Trabalhadores (PT), sendo eleito constituinte em 1986 e reeleito deputado federal em 1990, permanecendo na Câmara dos Deputados até o fim de seu segundo mandato, em 1994.

DEPUTADO CONSTITUINTE – A importância de Florestan Fernandes na defesa da educação pública e nos direitos pode ser medida por sua atuação no debate da Constituição Federal de 1988 como deputado constituinte e depois por sua participação decisiva na elaboração da Lei 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB).

 Em 1994, Fernandes enfrentava problemas de saúde relacionados ao seu fígado. Em 1995, o sociólogo precisou ser internado por complicações do seu quadro de saúde e passou por um transplante de fígado, aos 75 anos de idade, que, infelizmente, terminou com o seu falecimento, no dia 10 de agosto de 1995.

 O sociólogo deixou um vasto e profundo legado. O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica no Brasil e na América Latina.

MUITAS OBRAS –  Com mais de cinquenta obras publicadas, ele transformou o pensamento social no país e estabeleceu um novo estilo de investigação sociológica, marcado pelo rigor analítico e crítico, e um novo padrão de atuação intelectual. Também derrubou o chamado mito da democracia racial, levando ao questionamento a tese central da obra de outro sociólogo, Gilberto Freire, que via uma relação cordial entre senhores e escravos no Brasil Colonial e considerava bem diferente a relação entre negros e brancos brasileiros no século XX, em comparação a outros países, como os Estados Unidos. Florestan colocou uma lente de aumento sobre a questão racial, ao afirmar que a população negra era a mais atingida pela desigualdade social e que a raiz disso se encontrava no capitalismo.

 O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que foi orientado em seus trabalhos acadêmicos por Florestan, estabeleceu com ele forte relação afetiva, mantida até a morte do sociólogo.

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