Gustavo Schmitt
Gustavo Alves
O Globo
O plano da Embratur para divulgar o Brasil no exterior foi criticado por pesquisadores da área de patrimônio cultural e turismo. Eles chamam atenção para o viés ideológico da proposta, que, segundo eles, aborda temáticas alinhadas a bandeiras do governo — ao focar em atrações judaicas e militares, por exemplo — sem que sejam feitas referências ao turismo de outras religiões, assim como ao público LGBTI.
O plano, ao qual O Globo teve acesso com exclusividade, inclui ações que vão desde um desenho sobre a Amazônia para combater “falsas histórias que são compartilhadas na imprensa mundial” a um filme estrelado por Sharon Stone explorando praias nordestinas em busca do tesouro do Imperador Constantino.
PROPOSTAS – O plano inclui também a montagem de uma arena que terá como entrada uma réplica do Palácio do Planalto, com direito a um modelo fantasiado de dragão da independência, aventuras de Mickey e Minnie pelo Brasil, além reality show com artistas internacionais que ficarão confinados em diferentes casas pelo Brasil.
Para a professora de patrimônio cultural e políticas públicas do curso de Turismo e da pós-graduação em museologia da USP Clarissa Gagliardi, o governo faz uso do plano para fazer propaganda política: “Esse plano restringe a interpretação da diversidade do Brasil. O turismo não precisa reproduzir a versão oficial e vender o viés de que é o Brasil judaico e militar. E os outros grupos que fazem parte da nossa formação? Não tem como justificar essa seletividade”.
DISTORÇÕES – Professor do curso de turismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Francisco Barbosa do Nascimento Filho discorda da proposta da Embratur de patrocinar filmes de artistas como Sharon Stone e afirma não entender a iniciativa do plano de usar personagens infantis estrangeiros e não brasileiros, como o Mickey, para atrair a atenção de crianças, que poderiam convencer seus pais a visitar o Brasil.
“Atrelar (o país) à imagem de artistas e produções de cinema estrangeiros não agrega nada. Só faria sentido usarmos o Mickey, se tivéssemos a Disney”, avalia o professor da Unesp.
BRASIL DO ZÉ CARIOCA – A Disney com que o presidente Jair Bolsonaro conta para divulgar o turismo no Brasil foi responsável por criar um símbolo do país há 78 anos: o Zé Carioca, personagem do desenho animado “Alô Amigos”.
A produção, no entanto, não tinha objetivo turístico, mas de estreitamento das relações entre os Estados Unidos e os países da América do Sul durante a Segunda Guerra Mundial, para conseguir apoio no esforço de guerra contra o Eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão.
Em um Brasil que desde 1937 estava sob uma ditadura que praticava o culto à personalidade de Getúlio Vargas, contava com simpatizantes do totalitarismo nazista e fascista entre seus principais apoiadores, e se inspirava em legislações de regimes autocráticos para criar sua Constituição ou a legislação trabalhista, o esforço era mais do que necessário.
PAPAGAIO ANIMADO – Foi nesse contexto que o carioca foi encarnado em um papagaio animado, cheio de simpatia, folgazão, fumante de charutos e com a voz de um paulista de Jundiaí, José de Oliveira, músico que já tinha atuado em filmes de Carmen Miranda, outro símbolo esfuziante e colorido do Brasil difundido por Hollywood.
Oliveira e o Zé Carioca voltaram às telas dois anos depois em “Você já foi à Bahia?”. Não se engane com o título em português: o original, em inglês, era “Os três cavaleiros”, grupo formado pelo Pato Donald, pelo galo mexicano Panchito e pelo papagaio Zé Carioca.
IDEIA ANTIGA – Se os objetivos foram outros que não desenvolver o turismo, “Alô Amigos” e “Você já foi à Bahia”, assim como os musicais com Carmen Miranda, mostram que filmes sobre um Brasil animado, gentil, musical e multicolorido não são exatamente uma ideia nova para retratar o país lá fora.
Nem mesmo localizar no país um inusitado tesouro escondido de Constantino, o imperador romano que autorizou a prática do cristianismo: afinal de contas, o Brasil já foi o lugar onde se pensava haver o Eldorado, a cidade de ouro e esmeraldas que povoou os sonhos de muitos ambiciosos até o século XX. O território brasileiro é visto como um paraíso desde que o Rio de Janeiro era disputado por franceses e portugueses no século XVI.
Gustavo Alves
O Globo
O plano da Embratur para divulgar o Brasil no exterior foi criticado por pesquisadores da área de patrimônio cultural e turismo. Eles chamam atenção para o viés ideológico da proposta, que, segundo eles, aborda temáticas alinhadas a bandeiras do governo — ao focar em atrações judaicas e militares, por exemplo — sem que sejam feitas referências ao turismo de outras religiões, assim como ao público LGBTI.
O plano, ao qual O Globo teve acesso com exclusividade, inclui ações que vão desde um desenho sobre a Amazônia para combater “falsas histórias que são compartilhadas na imprensa mundial” a um filme estrelado por Sharon Stone explorando praias nordestinas em busca do tesouro do Imperador Constantino.
PROPOSTAS – O plano inclui também a montagem de uma arena que terá como entrada uma réplica do Palácio do Planalto, com direito a um modelo fantasiado de dragão da independência, aventuras de Mickey e Minnie pelo Brasil, além reality show com artistas internacionais que ficarão confinados em diferentes casas pelo Brasil.
Para a professora de patrimônio cultural e políticas públicas do curso de Turismo e da pós-graduação em museologia da USP Clarissa Gagliardi, o governo faz uso do plano para fazer propaganda política: “Esse plano restringe a interpretação da diversidade do Brasil. O turismo não precisa reproduzir a versão oficial e vender o viés de que é o Brasil judaico e militar. E os outros grupos que fazem parte da nossa formação? Não tem como justificar essa seletividade”.
DISTORÇÕES – Professor do curso de turismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Francisco Barbosa do Nascimento Filho discorda da proposta da Embratur de patrocinar filmes de artistas como Sharon Stone e afirma não entender a iniciativa do plano de usar personagens infantis estrangeiros e não brasileiros, como o Mickey, para atrair a atenção de crianças, que poderiam convencer seus pais a visitar o Brasil.
“Atrelar (o país) à imagem de artistas e produções de cinema estrangeiros não agrega nada. Só faria sentido usarmos o Mickey, se tivéssemos a Disney”, avalia o professor da Unesp.
BRASIL DO ZÉ CARIOCA – A Disney com que o presidente Jair Bolsonaro conta para divulgar o turismo no Brasil foi responsável por criar um símbolo do país há 78 anos: o Zé Carioca, personagem do desenho animado “Alô Amigos”.
A produção, no entanto, não tinha objetivo turístico, mas de estreitamento das relações entre os Estados Unidos e os países da América do Sul durante a Segunda Guerra Mundial, para conseguir apoio no esforço de guerra contra o Eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão.
Em um Brasil que desde 1937 estava sob uma ditadura que praticava o culto à personalidade de Getúlio Vargas, contava com simpatizantes do totalitarismo nazista e fascista entre seus principais apoiadores, e se inspirava em legislações de regimes autocráticos para criar sua Constituição ou a legislação trabalhista, o esforço era mais do que necessário.
PAPAGAIO ANIMADO – Foi nesse contexto que o carioca foi encarnado em um papagaio animado, cheio de simpatia, folgazão, fumante de charutos e com a voz de um paulista de Jundiaí, José de Oliveira, músico que já tinha atuado em filmes de Carmen Miranda, outro símbolo esfuziante e colorido do Brasil difundido por Hollywood.
Oliveira e o Zé Carioca voltaram às telas dois anos depois em “Você já foi à Bahia?”. Não se engane com o título em português: o original, em inglês, era “Os três cavaleiros”, grupo formado pelo Pato Donald, pelo galo mexicano Panchito e pelo papagaio Zé Carioca.
IDEIA ANTIGA – Se os objetivos foram outros que não desenvolver o turismo, “Alô Amigos” e “Você já foi à Bahia”, assim como os musicais com Carmen Miranda, mostram que filmes sobre um Brasil animado, gentil, musical e multicolorido não são exatamente uma ideia nova para retratar o país lá fora.
Nem mesmo localizar no país um inusitado tesouro escondido de Constantino, o imperador romano que autorizou a prática do cristianismo: afinal de contas, o Brasil já foi o lugar onde se pensava haver o Eldorado, a cidade de ouro e esmeraldas que povoou os sonhos de muitos ambiciosos até o século XX. O território brasileiro é visto como um paraíso desde que o Rio de Janeiro era disputado por franceses e portugueses no século XVI.
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