Numa passeata do Bloco de Esquerdqa, as filhas do empresário Camilo
Mortágua cantarolaram umas rimas ao gosto popular que apelavam à morte
do sr. Bolsonaro. Se as meninas Mortágua abominam o presidente do
Brasil, é da mais elementar sinceridade desejar a respectiva morte em
ritmo de desgarrada. E se um autocarro as estrafegasse durante a
cantoria eu não perderia dois segundos a lamentar a tragédia. A mordaz
coluna de Alberto Gonçalves, publicada aos sábados pelo Observador:
Um “grupo de cidadãos” criou um “movimento apartidário” para exigir
“uma campanha limpa”, leia-se “sem mentira e desinformação”. Os
subscritores, assaz preocupados com o que acontece na América e no
Brasil, pretendem “bloquear e denunciar” as “notícias falsas nas redes
sociais portuguesas”, de modo a votarem “sem a intoxicação de quem
despreza a democracia”. Isto é o que vem no “Público”.
O que não vem no “Público” é que o “grupo de cidadãos” é uma dúzia de
“personalidades” habituais em programas televisivos de variedades, que o
“movimento apartidário” corresponde ao arco do poder que vai do PS
actual ao BE de sempre, que a preocupação deles com os EUA e o Brasil
não se estende à Venezuela ou à Coreia do Norte, que a denúncia e o
bloqueio são métodos de regimes totalitários e indivíduos com
patologias, que o desprezo dessa gente pela democracia já a intoxicou há
muito e que o problema não são as “notícias falsas” – invariavelmente
produzidas à “direita” –, mas as restantes.
Um primeiro problema, se a palavra não é exagerada, prende-se com as
notícias que não chegam a sê-lo. Um punhado de criaturas que tem sonhos
eróticos com a bóina do “Che” e os fatos de treino dos sobas de Caracas
não constitui exactamente um “movimento”, digno de alerta na imprensa e
tumultos na rua. No máximo, formam um caso de estudo psiquiátrico. No
mínimo, um rancho de mimados convencidos de que o mundo lhes deve
atenção e obediência a um “pensamento” (força de expressão) que
ambicionam único. Se a imprensa teima em promover irrelevâncias, a
imprensa que se divirta enquanto pode.
Porém, um problema imensamente maior que as notícias falsas são as
notícias verdadeiras. É, por exemplo, verdadeira a notícia de que existe
uma Associação dos Amigos dos Cemitérios, e que a dita se preparava
para celebrar (hurra!) um protocolo com a câmara de Lisboa para, cito,
“dinamizar iniciativas nos cemitérios da cidade”. Graças a um vereador
do PSD, João Pedro Costa, soube-se igualmente que os Amigos dos
Cemitérios são de facto amicíssimos do PS e, fatalmente, familiares do
sr. César dos Açores, que só à sua conta enfiara três ou quatro nos
corpos sociais daquela prestimosa associação. Com franqueza, perdi-me
algures: não faço ideia se os parentes do sr. César, indivíduo abaixo de
qualquer suspeita, se reproduzem como cavalos-marinhos ou se cada
parente acumula 15 ou 16 cargos públicos. Certo é que, após viver à
custa dos vivos, o clã decidiu alargar o expediente aos mortos. Expandir
o “core business”, julgo que se diz.
E, novo exemplo, é verdadeira a notícia de que o “eng.” Sócrates
desatou a insultar o ministro brasileiro da Justiça, depois de este ter
referido vagamente o processo judicial da ex-criança que sonhava com
ventoinhas. De caminho, ouviu escusadamente de Sérgio Moro um “não
debato com criminosos pela televisão”. O “eng.” Sócrates, que fingiu
tomar as dores do falecido estadista Lula, ainda não percebeu, e se
calhar nunca perceberá, que, dadas as circunstâncias, o único
comportamento que o beneficia é a ausência, na Ericeira ou em
Vladivostok. Quanto à TVI, que lhe dá enorme palco para os trambolhões,
sou eu que não percebo se é cúmplice ou coveira do homem.
E, também integrada no promissor estreitamento de laços com o “país
irmão”, é verdadeira a notícia de que, numa passeata do Bloco de
Esquerda, as filhas do empresário Camilo Mortágua cantarolaram umas
rimas ao gosto popular que apelavam à morte do sr. Bolsonaro, e que a
rábula revisteira causou relativo escândalo nos Facebooks do costume.
Não vejo porquê. Se as meninas Mortágua abominam o presidente do Brasil,
é da mais elementar sinceridade desejar a respectiva morte em ritmo de
desgarrada. E se um autocarro as estrafegasse durante a cantoria eu não
perderia dois segundos a lamentar a tragédia.
E, sem sairmos da semana vigente, é verdadeira a notícia de que 60
mil pessoas, mobilizadas pelas igrejas católica e comunista, assinaram
uma petição contra a abertura dos centros comerciais ao Domingo. Nuns
casos, será por causa das famílias. Noutros, por causa dos
trabalhadores. Era interessante descobrir o momento em que umas e outros
concederam a uma pequenina amostra da população o direito de opinar em
seu nome. Assim de repente, lembro-me de algumas famílias que preferem
ocupar o ócio nos shoppings do que na missa, e de alguns trabalhadores
que preferem ocupar o Domingo a trabalhar, possivelmente para evitar a
família, os shoppings ou a missa. De resto, além do infantil
ressentimento face aos símbolos do capitalismo, não há razão para fechar
os centros comerciais e os hipermercados e manter abertos museus,
campos da bola, restaurantes, hotéis, bares, pavilhões “multiusos”,
portagens e, claro, igrejas, católicas e comunistas. Em prol da
coerência, 60 mil pessoas, com família e trabalho, agradeceriam. Os nove
milhões restantes calam e, pelos vistos, consentem.
E por fim é verdadeira a notícia de que, no 45º aniversário de
“Abril”, voltaram as comemorações, as cerimónias, os discursos, as
“lutas”, as “conquistas”, os cravos, os Zecas, as “Grândolas” e toda a
tralha arrastada desde 1974. O folclore do 25 de Abril assemelha-se a um
teste de decomposição de que os cientistas se esqueceram e deixaram o
objecto de estudo apodrecer há décadas: os fungos são tantos que
fundaram uma sociedade complexa no conteúdo e desagradável na aparência.
O problema, insisto, não são as notícias falsas. O problema é Portugal parecer mentira.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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