Fernando Gabeira entra na Disney russa à procura da única diversão possível: uma boa água gelada:
No restaurante do
hotel, tocava “Mas que nada”, no café da manhã. Mas estava cheio de
uruguaios. Eles se enfrentam no sábado com os portugueses. Entre
vizinhos e ancestrais, meu coração balança.
Meu programa de ontem
foi conhecer o Sochi Park, chamado de Disneylândia da Rússia. Não sei
se é correto denominar tudo aqui com referências ocidentais. Com medo de
me entediar num parque infantil, procurei uma aventura matinal: ir de
ônibus, numa viagem que demora um pouco mais de uma hora. Custei a achar
o ponto e o número do ônibus que me levaria lá. É o 124. Precisava
saber o preço — 120 rublos, cerca de R$ 8 — para não criar confusão na
entrada.
Os ônibus que fazem a
linha são pequenos, levam umas 30 pessoas sentadas. E muitas de pé. No
intenso calor, consegui um lugar perto do motorista, naquela parte que
separa sua cadeira do corredor. Havia uma senhora sentada ali, e ela me
convidou para partilhar o espaço, meio incômodo, sem encosto, mas ao
menos sentado.
O problema é que não
há trocadores nem cartões. As pessoas pagam direto ao motorista. Elas me
passavam o dinheiro, e eu o repassava a ele. Virei uma espécie de
trocador. O motorista era experiente: as notas deslizavam facilmente dos
meus dedos para os dele. O difícil era repassar as moedas do troco para
pessoas de pé, equilíbrio precário, as mãos trêmulas.
Creio que cumpri
minha função, às vezes apertando a pequena câmera entre as pernas. Era
um trocador de bermudas e sandália havaiana. Lembrei-me do PSOL e sorri.
O partido apresentou um projeto revivendo a profissão de trocador nos
ônibus do Rio. É isso aí, companheiro. Pelo menos alguém se lembrou de
nós.
De vez em quando,
perguntava à vizinha se não estava longe. Depois de algum tempo, as
costas doem e é preciso manter a postura. Não estávamos longe. Vi a
estação de Adler, reconheci parte do roteiro que estudei na internet.
Ao chegarmos ao Sochi
Park, próximo ao estádio de futebol onde uruguaios e portugueses vão
torcer amanhã, espantei-me com o preço do ingresso. Eram mais ou menos
30 dólares. Busquei o dinheiro na carteira. O sol era violento. A moça
do caixa perguntou minha idade: 77. Ela balançou a cabeça maternalmente e
disse: “o senhor não paga. Passe-me o passaporte”.
Ato contínuo, me deu
um formulário, enquanto levava o documento para o interior de sua
barraca. Lá estava eu, sol na cabeça, formulário em russo, sem caneta no
bolso. Quase implorei para pagar. Afinal, já tinha economizado o táxi,
trabalhara a manhã inteira como trocador do 124.
Finalmente, ela saiu
triunfante com uma cópia do documento, um sorriso e o ingresso: “tenha
um bom dia”. “E o documento?”, perguntei. Ela bateu com a mão na cabeça e
voltou rápido para a máquina, onde ficara o passaporte. “Aqui está.”
Entrei no parque
procurando a única diversão que poderia me ajudar: uma boa água gelada. O
Sochi Park é uma construção imponente. Todos os canteiros são floridos.
Vê-se que não havia vegetação por ali, tudo foi plantado com carinho.
Deparei-me com dois grandes ursos feitos de grama e percebi que boa
parte das diversões envolvia água. Felizmente.
Havia também
brinquedos que excitam: uma espécie de foguete que sobe vários metros
com as pessoas amarradas, carrinhos que deslizam numa alta estrutura em
espiral. Toda a superfície é de cimento, e realmente o calor que vinha
de baixo não era de brinquedo. Resolvi fotografar os garotos que navegam
num pequeno barco cheio de canhões de água. Eles me viram, não deu
outra: apontaram os canhões em minha direção. Protegi a câmera e saí
agradecido.
Só visualmente seria
possível mostrar o volume de investimento e a sofisticação das
construções do Sochi Park. Talvez não seja justo chamá-lo de
Disneylândia. É outra coisa, algo singular deles.
Essa história da
oposição Ocidente-Oriente é um pouco cansativa. Fala-se muito aqui em
decadência ocidental, mas as pessoas fazem seu discurso na tevê com
roupas de grife. Em quase todos os restaurantes e hotéis, rola música
americana, um pouco raramente a brasileira. As camisetas têm inscrição
em inglês. Todos os toldos dos bares na Sochi Park são anúncios da
Coca-Cola.
Mas agora é hora de
voltar ao hotel, antes que os uruguaios devorem todo o bufê. Lembro-me
da tristeza de termos perdido para eles em 1950. Era menino e sofri
muito. Ao contrário da morte de Getúlio, em 1954. Suspenderam as aulas, e
gritamos “oba”. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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