MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 30 de junho de 2018

Um dinossauro no parque


Fernando Gabeira entra na Disney russa à procura da única diversão possível: uma boa água gelada:


No restaurante do hotel, tocava “Mas que nada”, no café da manhã. Mas estava cheio de uruguaios. Eles se enfrentam no sábado com os portugueses. Entre vizinhos e ancestrais, meu coração balança.

Meu programa de ontem foi conhecer o Sochi Park, chamado de Disneylândia da Rússia. Não sei se é correto denominar tudo aqui com referências ocidentais. Com medo de me entediar num parque infantil, procurei uma aventura matinal: ir de ônibus, numa viagem que demora um pouco mais de uma hora. Custei a achar o ponto e o número do ônibus que me levaria lá. É o 124. Precisava saber o preço — 120 rublos, cerca de R$ 8 — para não criar confusão na entrada.

Os ônibus que fazem a linha são pequenos, levam umas 30 pessoas sentadas. E muitas de pé. No intenso calor, consegui um lugar perto do motorista, naquela parte que separa sua cadeira do corredor. Havia uma senhora sentada ali, e ela me convidou para partilhar o espaço, meio incômodo, sem encosto, mas ao menos sentado.

O problema é que não há trocadores nem cartões. As pessoas pagam direto ao motorista. Elas me passavam o dinheiro, e eu o repassava a ele. Virei uma espécie de trocador. O motorista era experiente: as notas deslizavam facilmente dos meus dedos para os dele. O difícil era repassar as moedas do troco para pessoas de pé, equilíbrio precário, as mãos trêmulas.

Creio que cumpri minha função, às vezes apertando a pequena câmera entre as pernas. Era um trocador de bermudas e sandália havaiana. Lembrei-me do PSOL e sorri. O partido apresentou um projeto revivendo a profissão de trocador nos ônibus do Rio. É isso aí, companheiro. Pelo menos alguém se lembrou de nós.

De vez em quando, perguntava à vizinha se não estava longe. Depois de algum tempo, as costas doem e é preciso manter a postura. Não estávamos longe. Vi a estação de Adler, reconheci parte do roteiro que estudei na internet.

Ao chegarmos ao Sochi Park, próximo ao estádio de futebol onde uruguaios e portugueses vão torcer amanhã, espantei-me com o preço do ingresso. Eram mais ou menos 30 dólares. Busquei o dinheiro na carteira. O sol era violento. A moça do caixa perguntou minha idade: 77. Ela balançou a cabeça maternalmente e disse: “o senhor não paga. Passe-me o passaporte”.

Ato contínuo, me deu um formulário, enquanto levava o documento para o interior de sua barraca. Lá estava eu, sol na cabeça, formulário em russo, sem caneta no bolso. Quase implorei para pagar. Afinal, já tinha economizado o táxi, trabalhara a manhã inteira como trocador do 124.

Finalmente, ela saiu triunfante com uma cópia do documento, um sorriso e o ingresso: “tenha um bom dia”. “E o documento?”, perguntei. Ela bateu com a mão na cabeça e voltou rápido para a máquina, onde ficara o passaporte. “Aqui está.”

Entrei no parque procurando a única diversão que poderia me ajudar: uma boa água gelada. O Sochi Park é uma construção imponente. Todos os canteiros são floridos. Vê-se que não havia vegetação por ali, tudo foi plantado com carinho. Deparei-me com dois grandes ursos feitos de grama e percebi que boa parte das diversões envolvia água. Felizmente.

Havia também brinquedos que excitam: uma espécie de foguete que sobe vários metros com as pessoas amarradas, carrinhos que deslizam numa alta estrutura em espiral. Toda a superfície é de cimento, e realmente o calor que vinha de baixo não era de brinquedo. Resolvi fotografar os garotos que navegam num pequeno barco cheio de canhões de água. Eles me viram, não deu outra: apontaram os canhões em minha direção. Protegi a câmera e saí agradecido.

Só visualmente seria possível mostrar o volume de investimento e a sofisticação das construções do Sochi Park. Talvez não seja justo chamá-lo de Disneylândia. É outra coisa, algo singular deles.

Essa história da oposição Ocidente-Oriente é um pouco cansativa. Fala-se muito aqui em decadência ocidental, mas as pessoas fazem seu discurso na tevê com roupas de grife. Em quase todos os restaurantes e hotéis, rola música americana, um pouco raramente a brasileira. As camisetas têm inscrição em inglês. Todos os toldos dos bares na Sochi Park são anúncios da Coca-Cola.

Mas agora é hora de voltar ao hotel, antes que os uruguaios devorem todo o bufê. Lembro-me da tristeza de termos perdido para eles em 1950. Era menino e sofri muito. Ao contrário da morte de Getúlio, em 1954. Suspenderam as aulas, e gritamos “oba”. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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