Cora Rónai
O Globo
O Globo
O ano de 2018
promete entrar para a história da tecnologia como aquele em que a ficha
caiu, e o mundo acordou para o monstro incontrolável que são as redes
sociais. Manipulação psicológica, fake news, venda de dados, excesso de
anúncios — há um caldeirão de maldades fervendo, mas os seus
ingredientes são apenas a ponta de um problema maior para a indústria,
mais difuso, menos fácil de apontar e quantificar, e que é uma irritação
profunda e constante com tudo isso que está aí, e que as redes,
sobretudo o Facebook, vieram a representar.
Dia sim e
outro também, mais e mais pessoas manifestam o seu desencanto com as
redes. Os mais revoltados fecham contas, ou comunicam a parentes e
amigos que estão se afastando por uns tempos; mas mesmo os que ainda não
verbalizaram o seu descontentamento ficam cada vez menos tempo online.
No Brasil, por exemplo, registra-se uma queda de 18% no tempo médio que
usuários passam conectados.
DESILUSÃO –
Parte desse desencanto é o reflexo da nossa desilusão maior com o país e
com o mundo. Redes sociais são bons espelhos da sociedade, extensões — e
às vezes ampliações — dos sentimentos que permeiam a vida cotidiana.
Cansados da violência, da corrupção e da polarização política,
preferimos nos refugiar em ambientes seguros onde não somos envolvidos
por esse clima tóxico, num clássico mecanismo de fuga. O Facebook está
tão ciente disso que, no início do ano, Mark Zuckerberg anunciou que o
novo foco da plataforma seriam amigos e família, em detrimento de
notícias e de conteúdo gerado por páginas comerciais.
Mas era pouco
e era tarde. De lá para cá, a insatisfação se agravou. Cansamos —
também — de ser cobaias de algoritmos. E muitos cansamos de trabalhar de
graça para que meia dúzia de californianos fiquem ainda mais ricos — o
que é uma discussão à parte que ainda vai dar muito pano para as mangas.
NADA DE NOVO –
O escândalo da Cambridge Analytica não trouxe nenhuma revelação
inédita, mas comprovou o que se sabia há tempos: nossos dados não estão
seguros na rede. Nunca estiveram, em lugar nenhum. Até dados do imposto
de renda já vazaram. A revelação mais grave, a meu ver, é que o Facebook
deixou de avisar aos seus usuários o que já sabia desde 2015 — que os
dados de 50 milhões de pessoas haviam escapado do seu controle.
As desculpas
de Mark Zuckerberg foram insuficientes para conter o estrago. Faltou
transparência exatamente num momento de irritação geral. Vai ser
difícil, se não impossível, consertar essa quebra de confiança.
O SUPERMONSTRO –
Tudo foi muito divertido enquanto o monstro crescia e a administração
era apenas uma questão tecnológica — e uma questão de caixa. Ninguém
anteviu que nem só de posts de bebês e de gatinhos se alimentaria a
coisa, e que alguém teria, afinal, que prestar contas do estrago. Nunca
houve nada com as dimensões do Facebook no mundo. São 2,13 bilhões de
usuários ativos mensalmente, mais uma média de cinco novos perfis
criados por segundo (pesquisas da CNN apontam para um total de 83
milhões de perfis falsos).
Governos
ao redor do mundo estão se dando conta de que é gente demais e impacto
demais para deixar nas mãos de uma única empresa que, em última
instância, está nas mãos de uma única pessoa.
Parlamentares
nos Estados Unidos e na Europa querem ouvir Mark Zuckerberg. Mas a
verdade é que ninguém, nem ele mesmo, tem ideia das dimensões desse
problema chamado Facebook.
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