A Bahia está entre os que menos fazem doações em todo o país; preconceitos e desconhecimentos impedem ato de solidariedade
Foto: Reprodução
Por Adilson Fonsêca
Das 4.879 notificações de pessoas que vieram a óbito e que potencialmente poderiam ser doadoras de córneas, 491, ou pouco mais de 10%, foram efetivadas na Bahia no ano passado. Já das mortes encefálicas, ocorridas em centros cirúrgicos ou Unidades de Terapia Intensiva (UTI), que somaram 494 notificações no ano passado, 120 se transformaram em doações de múltiplos órgãos, o equivalente a pouco mais de 30% dos casos notificados.
Tido como um povo solidário, o baiano, quando confrontado com a necessidade de doar órgãos de parentes mortos, se mostra refratário à ação solidária e rejeita a maioria dos pedidos e consultas feitas por médicos para salvar outras vidas. O Estado está entre os que menos fazem doações em todo o país. No ano passado foram apenas 120 doações de múltiplos órgãos, quando o paciente sofre por morte encefálica, com 494 notificações aos familiares, e 491 doações de córneas, quando ocorreram no período 4.879 notificações às famílias dos pacientes.
O resultado disso é que na Bahia existe uma longa fila de pacientes a espera de órgãos que poderiam ser doados. Somente para transplante de rins são 838 pessoas. Já a espera por uma córnea envolve 766 pacientes, além de cinco pacientes na fila para transplante de fígado e quatro para transplante de pulmão. A fila para transplante de coração não tem pacientes na Bahia porque os casos de cirurgias são encaminhados para outros estados.
O tempo de espera por quem espera por um transplante de órgão na Bahia chega a demorar mais de dois anos, e em muitos casos, mesmo quando há consentimento da família, é preciso que haja compatibilidade sanguínea entre o órgão doado e o paciente necessitado. A negativa das famílias em aceitar a doação de órgãos, coloca a Bahia entre os estados brasileiros com maior índice percentual de rejeição, apesar de ser o quarto maior em população.
Espera- A coordenadora da Central de Transplantes da Bahia, Rita de Cássia Pedrosa, acredita que a recusa é uma questão cultural e está atrelada à falta de informação das famílias dos pacientes falecidos. Segundo ela, os dados na Bahia são bastante preocupantes, “porque a população se manifesta solidária e acolhedora em muitos aspectos, mas quando confrontada com a ação direta em que envolve seus membros, acaba recuando”, diz.
Na semana passada a família do estudante Kaíque Moreira Abreu, 22, morto por agressão física no início do Carnaval, no bairro da Graça, doou os órgãos, que acabaram beneficiando cinco pacientes na fila de espera. Foram doados um par de córneas, dois rins e o fígado. “Não há mutilação do corpo doador ou quaisquer deformidades, sem contar que se trata de um imenso gesto de amor ao próximo, pois ajuda salvar ou restabelecer a vida de outras pessoas”, defende Rita de Cássia Pedrosa.
A coordenadora da Central de Doação de órgãos na Bahia explicou que para ser um doador não é preciso qualquer documentação formal, apenas a aquiescência da família, em vida ou quando um dos seus membros, potencial doador, falecerem. Ela disse ainda que o Brasil possui uma das melhores e mais rígida legislação sobre doação de órgãos do mundo e o país se destaca pelo número de transplantes realizados, bem como por possuir o maior sistema público de transplantes, assegurando a realização de todos os procedimentos de transplante pelo SUS.
Rita de Cássia Pedrosa ressalta que em países europeus, como a Espanha, a rejeição das famílias à doação fica em torno de 10%. “Em Minas Gerais, ela chega a 130% e na Bahia é superior a 60%”, diz. Um relatório da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos diz que o estado com maior número de doadores é São Paulo, seguido de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco. A Bahia, com 118 doadores, aparece em 8º lugar. O relatório abrange o período de janeiro a setembro de 2017.
Já nos dados da Central de Doação de órgãos, da Secretaria Estadual da Saúde, a Bahia registrou apenas 621 doadores, dos quais 491 de córneas e 120 de múltiplos órgãos. Em Salvador e Região Metropolitana existem 33 hospitais e clínicas especializadas que são referências no recebimento de órgãos, além de 10 em Feira de Santana, seis em Ilhéus e Itabuna, oito em Vitória da Conquista e seis nas regiões Sul e Oeste do Estado.
Recusa esconde tabus e desconhecimentos
No quadro geral de doadores, apenas, aproximadamente 30% das famílias consultadas respondem afirmativamente ao pedido de doações de órgãos. A negativa familiar é um fator que mais preocupa a Central de Doações na Bahia. Dentre as principais razões alegadas para não aceitarem a doação, estão o medo da mutilação ou deformação dos corpos, a falta de consenso entre os membros da família e a ignorância sobre como é feito o processo de retirada de órgãos.
Em 2017, das 4.879 notificações para doações de córneas, apenas 491 foram efetivamente realizadas, o mesmo acontecendo com os casos de morte encefálica, quando vários órgãos podem ser doados. Das 494 notificações apenas 120 foram aceitas pelas famílias.
Segundo os dados da Central de Doação, das recusas dos familiares em caso de morte encefálica, 20% tinham medo de que o corpo do doador fosse mutilado. Em seguida vinha a não aceitação pura e simples dos entre os familiares. A questão religiosa aparecia com 5% das causas de rejeição. Já nos casos de doação de córnea, 38% manifestaram o medo de deformação do corpo do doador, 19% por falta de consenso entre os membros da família e apenas 3% por questões religiosas.
A doação
O processo de doação e do transplantes de órgãos é submetido a uma série de procedimentos, sempre com a anuência da família, que visam garantir a segurança e transparência do mesmo, pois envolve dezenas de profissionais. O processo se inicia com a identificação de um potencial doador que se encontra nas unidades hospitalares, em emergências ou unidades de terapia intensiva.
Após criteriosa etapa de exames e avaliações, é efetuado o diagnóstico de morte encefálica. Confirmada a morte encefálica os familiares são informados sobre o óbito do paciente e uma equipe multidisciplinar presta apoio emocional à família e oferece a possibilidade de doação de órgãos e tecido. Com o consentimento familiar procede-se a retirada dos órgãos e tecidos doados. A retirada de órgãos e tecidos doados é realizada por equipes treinadas e habilitadas pelo Sistema Nacional de Transplantes / Ministério da Saúde.
A distribuição dos órgãos e tecidos para transplantes é feita entre os pacientes previamente inscritos através de um programa informatizado do Ministério da Saúde (Sistema de Gerenciamento de Lista). Os receptores listados concorrem aos órgãos doados no estado que ele se inscreveu, podendo receber órgãos de outros Estados nos casos de urgência.
A doação de órgãos intervivos só é permitida pela legislação brasileira para maiores de idade, que possam declarar por escrito a intenção de doar, podendo ter parentesco até quarto gral ou ser cônjuge do receptor. Nos casos de não parentesco, apenas com autorização judicial. Os órgãos que podem ser doados em vida são: parte do fígado ou pulmão e um rim, e Medula óssea.
A doação por morte encefálica é definida como a parada total e irreversível das funções encefálicas, mas que mantêm os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea de forma artificial, por meio de aparelhos. Nesta condição podem ser doados o coração, pulmão, rins, fígado, pâncreas intestino e tecidos (pele, córnea e osso).
Espera de continuar vivo ou de ter o corpo regenerado, atualmente faz o sonho de 1.613 pacientes na Bahia, que há vários meses – pode demorar mais de dois anos – aguarda um doador de rim, pulmão, fígado e córneas. As cirurgias podem ser realizadas em hospitais especializados como o São Rafael, Português, Ana Nery, Santa Isabel e Hospital das Clínicas, bancadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As maiores espera estão para pacientes que necessitam de rins (838), córneas (766), fígado (05) e pulmão (04).
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