A recente ordem presidencial para que o Exército intervenha
no Rio de Janeiro para “garantia da lei e da ordem” (GLO),até 31.12.2017, tem
seu fundamento a partir do artigo 142 da Carta Maior. Esse mandamento, que
trata da GARANTIA DA LEI e da ORDEM , também assegura igual direito de
convocação das Forças Armadas aos Poderes Legislativo e Judiciário , embora
essetipo de convocação jamais tenha
partido de qualquer desses Poderes Constitucionais.
Talvez isso se explique por um errôneo entendimento que se
empresta ao artigo 142 da Constituição de 1988, que foi completamente desvirtuado com a edição da
Lei Complementar Nº 97/1999,que deveria regulamentar o referido artigo
constitucional, mas acabou ferindo-o mortalmente. Ocorre que o parágrafo 1º do
art.142 da CF determina que uma Lei Complementar (LC) estabeleceria “as normas
gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas”. Essa Lei Complementar ,regulamentadora do art. 142 da CF , acabou
sendo objeto da Lei Complementar Nº
97/1999. Mas essa LC está cheia de
vícios constitucionais. Começa pelo seu artigo 15 :” O emprego das
Forças Armadas na DEFESA DA PÁTRIA ,NA GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS,da
LEI e da ORDEM,é da responsabilidade do Presidente da República,que determinará
ao Ministro da Defesa a ativação dos órgãos operacionais...” Ora,a Constituição
(art.142) garante também aos Poderes
Legislativo e Judiciário o direito da convocar as FA para garantia da LEI e da
ORDEM. Mas esse direito foi SUPRIMIDO
pela LC 97/1999,cujo artigo 15 outorga esse direito somente ao Presidente da
República,que “determinará ao Ministro da Defesa a ativação dos órgãos
operacionais”. Flagrante inconstitucionalidade, portanto, ”cassando” dos
Poderes Legislativo e Judiciário o poder de convocar igualmente as FA.
Enquanto isso o Chefe do Poder Executivo usa e abusa do seu
direito de convocação das Forças Armadas, para garantia da lei e da ordem, em qualquer
situação que julgue necessário, ou politicamente “oportuna” ,mesmo que seja
para apartar desentendimentos e brigas de cachaceiros em botequins de segunda
categoria. Portanto a frequência com que
essa “convocação” tem sidofeita chega ao ponto vulgarizá-la. Isso porque em tese esse não seria papel próprio das Forças Armadas, treinadas
para fins de defesa da segurança
nacional e atividades afins, não da segurança pública ,que nunca se confundem,e
para a qual existem forças de prevenção e repressão próprias.
Essa manifesta falta de treinamento das Forças Armadas no
enfrentamento do banditismo, especialmente nas grandes cidades ,como agora no
Rio de Janeiro, torna a “Inteligência” militar absolutamente impotente e
“amadora” frente à “inteligência” (esperteza,malandragem, familiaridade com o
próprio território do crime,etc. ) dos criminosos que desafiam acintosamente as
autoridades.
No máximo essas intervenções militares irão colaborar com a segurança pública num determinado período ,ocasionando
um certo recuo dos criminosos ,ao
preferirem não entrar em confronto direto com os militares do Exército,aguardando
o término da intervenção com prazo certo. Talvez o único efeito psicológico
inibidor pela presença militar nos
redutos dos criminosos seja igual ao fenômeno que ocorre quando certos animais
mudam a aparência física com artifícios variadospara representarem sermais poderosos,maiores ou mais fortes que o potenciais “inimigos”.
Essa tática funciona na natureza e também nas relações humanas. Com certeza os
caminhões lotados de soldados circulando pelas ruas do Riode Janeiro irão causar uma certo recuo dos marginais. Mas é passageiro. Logo eles
voltarão.
Interessante é observar que as regalias do Presidente da República frente ao Poder
Militar não são nada “republicanas”. O
seu poder é DITATORIAL. Basta ler com
atenção a LC 97/1999 e isso ficará bem nítido. Nos termos do art. 2º dessa LC,”
O Presidente da República,na condição de Comandante Supremo das FA,é
assessorado: “(I) no que concerne ao emprego dos meios militares,pelo CONSELHO
MILITAR DE DEFESA” ; Parágrafo 1º: “ O Conselho Militar de Defesa é composto
pelos Comandantes da Marinha,do Exército,e da Aeronáutica,e pelo Chefe do
Estado Conjunto das FA “ ; Parágrafo 2º:
“Na situação do inciso I,o Ministro da Defesa integrará o Conselho Militar de
Defesa na condição de seu Presidente”.
Posso garantir-lhes que em nenhum país do mundo onde prevaleça o Estado de Direito o Presidente
da República tem tantos poderes sobre os militares. E essa LC não foi escrita
durante os Governos Militares, e sim no Governo FHC. Se é verdade que o Presidente da República
deve compartilhar o comando das Forças Armadas com os Comandantes das Três
Forças,com o Chefe do Estado Conjunto das Forças Armadas, e com o seu Ministro
da Defesa, menos verdade não é que todos esses são autoridades de sua exclusiva
“confiança”, demissíveis “ad nutum”, jamais assumindo tais cargos sem a sua “bênção”.
Quem deles iria contrariar a vontade presidencial? Os militares em si mesmos
estariam sendo considerados um poder “bundão”?
Ora, se a tropa e a caserna
tomassem consciência que o Poder Militar é muito maior do que esse papel
de fantoche que lhes reservaram, as
coisas poderiam mudar. E para o bem do Brasil e do seu povo.
Se por um lado o que fazem com o artigo 142 da Constituição
é um MAL,por outro ele também poderia ser a salvação do Brasil. Tratamos até
agora da primeira parte do artigo 142 da CF, que versa sobre intervenção
militar para garantia da ORDEM e da LEI. Viu-se que tudo o que se faz nesse
sentido está errado. Mas a corrupção de entendimento vai bem mais longe ,causando um mal ainda maior.
Preceitua o art.142 da CF: “As Forças Armadas...são
instituições nacionais permanentes e regulares....sob autoridade suprema do
Presidente da República, e destinam-se à DEFESA DA PÁTRIA ,à GARANTIA DOS
PODERES CONSTUTUCIONAIS e, por iniciativa de qualquer destes,da LEI e da
ORDEM”.
Fica muito claro, portanto, inclusive pela colocação da
vírgula entre “PODERES CONSTITUCIONAIS” e
“por iniciativa”,que a convocação das FA para garantia da lei e da ordem
é da exclusiva competência de qualquer um dos Três Poderes Constitucionais,
apesar de ter sido usado só pelo Presidente da República. Mas esse privilégio não
se manifesta quando se trata das hipóteses de DEFESA DA PÁTRIA e GARANTIA DOS PODERES
CONSTITUCIONAIS. A melhor interpretação que se pode dar a esse dispositivo é que a competência para tal nessas hipóteses é exclusiva das FORÇAS ARMADAS ,sem qualquer
interferência, seja dos Comandantes das
Três Forças, seja do Chefe do Estado Conjunto das FA, do Ministro da Defesa ou do
próprio Presidente da República,ainda mais que um dos possíveis alvos da intervenção,além de outros, se fosse
o caso, poderia ser o próprio. Vê-se, por conseguinte, que as competências mudam
,conforme a hipótese constitucional de
INTERVENÇÃO.
Sérgio Alves de Oliveira
Advogado e Sociólogo
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