"E se Dilma estiver certa e todos os que não entendem coisa nenhuma do que ela diz estiverem errados?". Texto de J. R. Guzzo (Veja.com):
Tente entender alguma
coisa do conjunto de frases reproduzido nas linhas que se seguem. Elas
foram ditas exatamente como estão no texto abaixo, de uma enfiada só e
pela mesma pessoa. Não há nenhum corte, nem mudança de palavras, nem
acréscimo. O que se lê é o que foi dito.
Bom, eu estou vendo com,
com, é, muita preocupação. Eu acho que o golpe que… um belo dia eles
deram o golpe… nós sabemos as razões. E a chamada, é, u, né, o reino da
selvageria. A gente tá vendo tudo isso… esse golpe tem desdobramento. Eu
acho que um dos desdobramentos desse golpe é u… u… o juiz que vai
julgar, de absurdos. Esse processo ele, ele tem também uma pessoa. Eles
erraram de pessoa. Tem um erro de pessoa. Porque eles foram mexer com
uma pessoa porque não lhes dão, não lhes dá a justiça do Power Point,
ele, ele… o inocente.
Sim, a autora dessa
oração é ela mesma, Dilma Rousseff, numa espécie de reunião-entrevista
em torno do ex-presidente Lula, divulgada há pouco pela internet. A
primeira reação é: e daí? Nada disso faz nenhum nexo, é claro, mas que
importância pode ter mais esse angu de palavras, ruídos e nenhuma ideia?
É só a Dilma falando de novo. Alguma vez foi diferente do que é agora?
Não, mas a cada vez que ela aparece com uma performance do tipo
transcrito acima, vai dando uma aflição cada vez maior na gente. Basta
pensar dois minutos. Durante cinco anos e meio, para não falar no que já
vinha de antes, o Brasil viveu a ficção de que era presidido por uma
pessoa basicamente normal. Meio atrapalhada, é óbvio, esquisitona, com
uns apagões repentinos no caminho que vai dos circuitos cerebrais até a
voz. Às vezes parecia engraçada – não seria um número humorístico? Na
maioria das vezes, quando falava em estoques de vento ou na conjugação
da mandioca com o milho, a reação de quem ouvia era: “Travou. Surtou.
Descolou da nave-mãe”. Mas fazia-se de conta, o tempo todo, que estava
tudo bem.
Se isso é um
comportamento normal por parte de uma presidente da República, então
alguma coisa está profundamente errada com quem acha que não é. Dá o que
pensar. E se Dilma estiver certa e todos os que não entendem coisa
nenhuma do que ela diz estiverem errados? De quem é o desvario? O caso
lembra a situação do dr. Simão Bacamarte, o herói de “O Alienista” de
Machado de Assis. O bom doutor, como se sabe, acaba por colocar no
hospício a população inteira de Itaguaí, por ter chegado à conclusão que
todo mundo tinha ficado louco – exceto ele próprio, o único apto a
viver solto. Estamos todos loucos e só Dilma está certa? Tudo é
possível. Sempre vale a pena lembrar, em todo caso, que no fim da
história o dr. Simão acaba aceitando a lógica das coisas e muda de
ideia: manda soltar todo mundo, prende a si mesmo e passa a ser o único
morador do hospício.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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