MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Capitalismo de cooptação? Está mais para patrimonialismo, vá lá.


Em sua coluna de terça no Globo, o editor Carlos Andreazza publica artigo sobre "capitalismo de cooptação". Ora, se é de cooptação, não é capitalismo, que não é forma de governo nem ideologia. Temos presidencialismo de cooptação, mas não capitalismo. A designação "capitalismo de cooptação" é utilizada também por autores estrangeiros mas, a meu ver, confunde conceitos. Capitalismo é um processo objetivo, ideologia é engendramento racional. Claro que países ditos capitalistas têm suas máfias, seus governos de cooptação, mas não devemos responsabilizar o processo objetivo de que falei com as formas de governo, que podem ser, inclusive, tirânicas. Aliás, somos um país mais patrimonialista que capitalista. Segue o artigo de Andreazza, que merece leitura:


Um dos dramas da deseducação neste país está encenado na histórica ausência de debate sobre o tamanho — sobre o papel — do Estado. Como se não pudesse haver outro que não este, onipresente. A alternativa sendo o medo — a velha ameaça de alienação do patrimônio nacional já alienado por patriotas como Dilma Rousseff.

Dessa desinformação, ergue-se um Lula. Nessa desinformação, parasita-se um Paulo Roberto Costa. Só nessa desinformação é possível um Sergio Machado — um Aldemir Bendine. Foi como refém dessa desinformação que Geraldo Alckmin se fantasiou de Banco do Brasil e Caixa — com medo de perder os votos que, afinal, perderia.

Sob essa desinformação, afogam-se conceitos, aterram-se detalhes, interditam-se soluções integrais. Daí que, no Brasil, privatização nunca seja exatamente privatização. São concessões à exploração privada, diluições de ativos da União, aquisições subsidiadas por bancos de fomento ou asseguradas pela adesão de fundos de pensão — operações em que o Estado resta como sócio, geralmente com poder de veto administrativo.

É do que se trata, mais uma vez, o pacote de intenções anunciado na semana passada pelo governo federal, conjunto em que se destaca a pretensão de diminuir a posse estatal sobre a Eletrobras — um dos mamutes em cujo couro a corrupção vai longamente trepada.

Não será privatização — esclareça-se. Mas será um avanço. O avanço possível, sem convicção, a um país doente como este, em que se pragueja contra o capitalismo sem que capitalismo jamais tenha havido aqui — senão aquele, desprovido de concorrência, cujas estrelas só podem ser os empreendimentos de Eike Batista e Joesley Batista.

Sim, capitalismo de Estado — o dos campeões nacionais. Mais precisamente, capitalismo de cooptação: aquele, para escolhidos, cujos mecanismos de ação conjugam as variáveis do aliciamento e os méritos são debulhados do compadrio; aquele em que não há sócios, mas cúmplices — padrinhos e apadrinhados.

A falta de convicção sobre a saúde derivada do enxugamento do Estado é um problema relevante. Porque mesmo canalhas têm dificuldade em defender aquilo em que não acreditam. E os governos brasileiros, todos, não acreditam. Assim, só se desfazem de nacos do gigantismo sob seu controle para garantir o cumprimento da meta do déficit etc. Nunca como decorrência de uma visão sobre o Estado, de um programa para o corpo da administração pública. Há, pois, soluções circunstanciais, puxadinhas — que, claro, alimentam a oposição de petismos e outros sanguessugas. Não escolhas racionais, em longo prazo — que seriam também educativas.

Duas consequências dessa falta de convicção são especialmente deseducadoras: a pressa e a comunicação sofrível. A primeira se ilustra na forma açodada como o governo informou seu propósito: o de conceder, por exemplo, novos aeroportos à exploração privada — decisão excelente, para a qual já existe experiência bem-sucedida. No entanto, como se a Infraero fosse paixão nacional, parecia uma traição, algo clandestino, a ocorrer em emboscada — fato a ser logo consumado, porque do qual se envergonhar. E não há outra maneira de comunicar senão a pior quando o que se faz é apreendido como vergonhoso.

É inacreditável que — em 2017 — governantes ainda tenham medo de falar em privatização e, quando obrigados pelo orçamento, façam-no tão mal. Mais um sinal de que leem porcamente o tabuleiro político-eleitoral; porque só a um parvo pode ter escapado que os anúncios feitos pelo governo foram, pela primeira vez na história brasileira, bem recebidos pela sociedade — e que mesmo os esperados protestos de petistas e outros mamadores pouco ecoaram fora de seus currais.

Essa é a mais importante mudança na percepção popular sobre a atividade pública havida no Brasil desde o fim do regime militar: uma população difusamente conservadora que — confrontada às evidências de assalto a estatais — parece desenvolver uma compreensão liberal prática, objetiva, sobre os riscos inerentes à dimensão do Estado. Que, em suma, quanto menor seja, menos roubado será.

A Lava-Jato não terá prestado serviço mais civilizador do que o de exibir, com materialidade, aquilo, por exemplo, de que foi feita a Petrobras: uma empresa desviada para, mais que enriquecimentos pessoais, sustentar economicamente um projeto de poder.

Não se trata, portanto, de súbito compromisso popular com o Estado mínimo; nem da compreensão de que a economia funciona melhor sob gestão privada. Não. Mas de que o tamanho do Estado é o tamanho da corrupção; de que o problema não está na administração de estatais, que pode ser ruim ou muito ruim a depender do governante, mas das possibilidades que oferecem, por sua própria natureza, à corrupção.

Esse entendimento será a novidade temática para as eleições de 2018. Faltam, contudo, candidatos que o decodifiquem e o transformem em linguagem — algo para o que será preciso mais inteligência do que coragem. Há votos aí. Há também lógica a explicá-los: como defender incondicionalmente a existência de estatais, escudadas em patrimônio nacional, se os guerreiros que manejam esse discurso nacionalista são os senhores feudais que as loteiam entre piratas aliados?

Há votos aí.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:

Postar um comentário