Boa crítica
à burocrática multinacional União Europeia: "a classe política europeia
exibe perante o Reino Unido a coragem que lhe falta perante a Rússia de
Putin ou a Turquia de Erdogan. Julgará que castigando os britânicos
evitará outras saídas da UE?":
Esta semana, Merkel e Hollande insistiram: o Brexit tem de ser um divórcio litigioso,
arrastado e amargo, e nunca, como propõe Theresa May, o sensato início
de uma nova relação. É uma questão de sequência, dizem: primeiro a
separação, depois a reconciliação. Não é. A saída da UE é um direito
previsto nos tratados. Mas franceses e alemães parecem determinados em
associar esse direito a um castigo colectivo, uma praga do Egipto.
Jean-Claude Juncker, o único político capaz de fazer Trump parecer
comedido, não se cansa de ameaçar os britânicos com um “pagamento pesado”. Fala-se de uma penalização de saída de 60 biliões de euros, o equivalente a um terço do PIB português.
Enquanto
os líderes europeus se esforçam por tornar a UE o mais odiosa possível
no Reino Unido, a imprensa europeia continua muito histérica com os
“brexiteers”. Convirá por isso lembrar que não foram os eleitores do
Brexit quem iniciou o processo político que resultou no Brexit. Antes do
voto, houve a decisão do primeiro-ministro David Cameron de submeter a
Europa a um referendo, e a decisão dos líderes europeus de negarem a
Cameron qualquer acordo que calasse os euro-cépticos no Reino Unido. Já
então, os dirigentes da UE pareciam determinados em forçar Londres a
escolher entre a submissão e a saída. Esperavam, talvez, obter a
submissão, como nos referendos que era costume repetir na Europa até
darem o resultado certo. Desta vez, não aconteceu. Os líderes
continentais têm tanta responsabilidade pelo Brexit como Cameron.
O Reino
Unido tem fama de separatista. É verdade: não pensou inicialmente fazer
parte da Europa unida, foi causa de muitas polémicas com Thatcher, e
nunca aderiu ao Euro. O sentido de excepcionalismo inglês existe, como
seria de esperar de um país que em 1940 ficou sozinho na Europa a
combater o nazismo, enquanto burocratas franceses e comunistas russos
colaboravam com Hitler. Mas o Reino Unido também foi frequentemente
tratado como uma excepção pelas outras potências europeias. Em 1963 e em
1967, a França vetou por duas vezes a entrada britânica na então CEE. O
general De Gaulle permitiu-se até dispensar a elegância, para comentar:
“a Inglaterra já não é grande coisa”. A Turquia espera uma resposta há
trinta anos, mas nunca teve de passar por tais vexames. E De Gaulle
nunca esteve sozinho: ainda o ano passado, 46% dos franceses não fazia questão que “les anglais” continuassem na UE.
O que
sugere neste momento o Reino Unido? Reintegrar-se com a UE numa zona de
comércio livre. Mas as potências continentais clamam que nunca lhe darão
o comércio sem a migração e a jurisdicção europeia, isto é, sem aquilo
que motivou os britânicos a votarem no Brexit. A classe política
europeia exibe perante o Reino Unido uma coragem que muitas vezes lhe
faltou perante a Rússia de Putin ou a Turquia de Erdogan. Putin anexou
uma parte da Ucrânia; Erdogan promete aos europeus que “nunca mais andarão em segurança nas ruas”.
Mas a ousadia de Juncker e dos seus comparsas esgota-se na “pérfida
Albion”. Ter-se-ão convencido de que só com elevados custos de saída
poderão manter a UE?
O Reino
Unido faz falta à Europa unida. Pela sua tradição de liberdade, pela sua
abertura ao mundo, pelo seu papel de contrapeso do eixo franco-alemão,
que a Itália ou a Polónia não estão em condições de desempenhar. Sem o
Reino Unido, aquilo a que chamamos “Europa” será cada vez mais uma
aliança franco-alemã, com parceiros periféricos. As tentações de
proteccionismo e de ensimesmamento serão maiores. A bem da Europa,
conviria às potências europeias, que já reconheceram o princípio das
várias velocidades, desdramatizarem o Brexit, e aceitarem que há outras
formas de integração, que não as da União Europeia. Porque se tudo
acabar mal, a culpa será suficientemente grande para poder ser repartida
por todos. (Observador).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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