"Sinais para a sociedade", coluna de Merval Pereira publicada no jornal O Globo:
Caso a presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) Carmem Lucia, a "lucidade senhora" nas
palavras do músico Tomzé, homologar as delações dos 77 executivos da
Odebrecht, ou pelo menos a mais importante, de Marcelo Odebrecht, estará
mandando um recado à sociedade de que o Supremo não vai deixar que os
processos se percam nos caminhos da burocracia depois da morte do
relator Teori Zavascki.
Como não é possível
controlar a escolha do novo relator, pois o caráter aleatório do sorteio
eletrônico é a única maneira de garantir uma designação impessoal, a
homologação é uma maneira de garantir que os processos não se atrasarão
devido aos azares da sorte.
Imaginem se o sorteio
indicar um ministro claramente antagonista dos métodos dos procuradores
de Curitiba, ou ligado por laços ideológicos ou de amizade a acusados
nas delações premiadas que estão para sair do forno? São essas as
questões que estão sendo superadas, uma a uma, enquanto não se escolhe o
novo relator.
O substituto de Teori
Zavascki no Supremo receberia de herança todos os seus processos,
inclusive os da Operação Lava Jato, e assim seria normalmente se esta
fosse uma situação normal. Mas quem vai decidir sobre o novo ministro é
um presidente da República que está citado em algumas das delações, e um
Senado que tem entre seus membros diversos citados ou envolvidos em
denúncias, sendo que o atual presidente já é réu no STF e o futuro
caminha para sê-lo.
Por isso, o próprio
presidente Temer foi levado a abrir mão de sua prerrogativa para não
criar um clima político adverso, e adiantou, mesmo contra a opinião de
alguns de seus assessores, que só indicará o novo ministro depois que o
relator que substituirá Zavascki estiver designado pelo Supremo. Ponto
para ele.
Da mesma maneira, a
escolha natural do novo relator deveria ser feita na Segunda Turma, que é
o juiz natural do caso, como prevê a Constituição. Mas a turma da Lava
Jato está apenas com quatro ministros, sendo que a maioria deles é
claramente ligada a posições antagônicas às investigações que estão
sendo desenvolvidas em Curitiba.
Uns mais ligados
historicamente ao PT, outros com críticas severas ao que identificam
como abusos de autoridade dos procuradores e do próprio juiz Sérgio
Moro, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski são percebidos
pela opinião pública como escolhas adversas às investigações em curso, e
o sorteio de qualquer um deles seria visto como uma possibilidade de
retrocesso, até que a realidade mostrasse o contrário.
Mas também não podem
ser barrados liminarmente da escolha, pois não há no Supremo ministros
de categorias diferentes, todos são iguais, inclusive o que preside a
instituição. Por isso, a presidência é exercida em rodízio, pela ordem
de antiguidade.
A ideia de trazer da
Primeira para a Segunda Turma um juiz que substituísse Teori Zavascki
teria a vantagem de escolher o juiz que relataria a Lava Jato, se a
tradição de que o juiz substituto herda os processos de quem substitui
prevalecesse.
Mas essa é uma
tradição que não obedece a nenhuma regra, e nesse caso teria a
desvantagem de parecer que um ministro foi escolhido a dedo para levar
adiante a Lava Jato no Supremo, o que colide de frente com a norma
constitucional do juiz natural, a necessidade da impessoalidade na
escolha.
A proposta de ampliar
o conceito de juiz natural para todo o plenário, já que provavelmente
ele poderá julgar políticos que ocupem cargos como a presidência da
Câmara e do Senado e a própria presidência da República, é uma maneira
criativa de tentar ampliar ao máximo o âmbito do sorteio.
Assim como a proposta
de colocar na Segunda Turma mais um ministro, provavelmente Luiz Edson
Facchin, também com a intenção de ampliar os participantes do sorteio
para que a escolha seja entendida pela sociedade como aleatória, sem
objetivos escusos. Essa parece ser a solução mais consensual no momento.
De qualquer maneira,
seja qual for a decisão que obtiver maior apoio entre os ministros, a
ministra Carmem Lucia homologando as delações premiadas da Odebrecht,
estará dando um sinal claro de que os processos continuarão tocados como
vinham sendo antes, com Teori Zavascki.
Dependerá dela, ou do
novo relator, liberar os conteúdos dos depoimentos para o público
imediatamente. Ou ficaremos à mercê dos vazamentos seletivos que vêm
acontecendo rotineiramente, como maneira de ganhar apoio da opinião
pública contra tentativas de segurar as investigações.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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