Eike Batista, o grande símbolo luloburguês. |
Artigo de Juan Ramón Rallo, publicado no Instituto Mises Brasil, critica os inimigos do livre mercado e suas teorias conspiratórias. Segue o texto completo:
Os inimigos do livre
mercado frequentemente fazem dois ataques: primeiro eles dizem que tal
arranjo é o favorito dos grandes empresários; em seguida, dizem que os
defensores do livre mercado trabalham a soldo deste grande empresariado,
defendendo seus interesses.
De maneira
caracteristicamente conspiratória, eles se apressam em descrever o
libertarianismo — a filosofia que defende o livre mercado — como sendo
um conjunto de teses criadas ad hoc para beneficiar a plutocracia:
impostos baixos ou nulos, ausência de leis trabalhistas, ausência de
regulamentações sobre a economia, oposição à tributação, oposição às leis antitruste etc.
O curioso, no
entanto, é que se todas as propostas defendidas pelos adeptos do livre
mercado de fato fossem colocadas em prática, os grandes empresários
seriam exatamente os mais afetados e prejudicados por elas.
E isso é puramente lógico.
Para começar, a
acusação de que o livre mercado defende os interesses dos grandes
empresários imediatamente se depara com um problema insolúvel: os
interesses dos empresários não são nada homogêneos. Por exemplo, dentro
de uma mesma área da economia, duas empresas podem competir e batalhar
ferozmente até que uma delas desapareça (por exemplo, duas empresas de
telefonia celular, duas companhias aéreas ou de sistemas operacionais).
Dentro de um mesmo
sistema econômico, diferentes indústrias podem reproduzir esta feroz
concorrência para ganhar os clientes das outras (por exemplo,
empresários que fabricam computadores versus empresários que fabricam
máquinas de escrever).
Mais ainda: dentro da
economia global, os interesses gerais de alguns capitalistas podem
estar em conflito com os interesses de outros capitalistas (por exemplo,
quando alguns especuladores atacam as ações de uma empresa é evidente
que os interesses dos especuladores são absolutamente contrários ao
interesses da empresa contra a qual eles estão especulando).
Se os adeptos do
livre mercado realmente querem defender os interesses de empresários e
capitalistas, então eles inevitavelmente entrarão em colapso em
decorrência de um curto-circuito esquizofrênico. Afinal, exatamente os
interesses de quais empresários ou capitalistas eles irão defender a
cada momento? Os que estão em melhor situação financeira? Não faria
sentido, pois, dado que os libertários coerentes defendem a concorrência
livre e irrestrita, nada garante que estes empresários não venham um
dia a perder sua boa situação financeira em decorrência do surgimento de
novos concorrentes.
Com efeito, dado que
não há a mais mínima garantia de que todos os empresários serão
beneficiados em um sistema de livre concorrência, a lógica diz que a
maioria deles não terá motivos para defender os princípios do livre
mercado. E a realidade é que o livre mercado beneficia apenas aqueles
empresários competentes, aqueles capazes de investir adequadamente seu
capital de modo a satisfazer — melhor do que seus concorrentes — as
variadas e variáveis demandas dos consumidores. E de satisfazer
continuamente estas demandas.
O livre mercado,
portanto, é um arranjo bastante incerto, hostil e variável, no qual
poucos empresários podem se sentir permanentemente confortáveis.
O que a grande
maioria dos empresários realmente deseja é que o estado lhes proteja da
concorrência e lhes assegure uma fatia garantida de lucro, que lhes
permita desfrutar a vida sem dores de cabeça e sem constantes
preocupações acerca de como melhorar seus serviços aos consumidores.
O que os empresários realmente desejam são subsídios (ou empréstimos subsidiados com os impostos da população) que lhes deem vantagem de mercado, tarifas protecionistas que os protejam da concorrência de importados e agências reguladoras que cartelizem o mercado e dificultem a entrada de novos concorrentes.
Mesmo uma carga
tributária alta ou um código tributário confuso e complexo podem ser do
interesse dos grandes empresários: ambos não apenas impedem que novas
empresas surjam e cresçam, como ainda representam um grande custo para
as pequenas empresas já existentes, ao passo que as grandes, recheadas
de contadores e tributaristas, conseguem navegar com facilidade por seus
labirintos.
Se os libertários
estivessem a serviço do empresariado, suas principais reivindicações
consistiriam em exigir que o estado criasse mais regulações, mais
tarifas, mais subsídios e aumentasse seus gastos de forma a maximizar o lucro empresarial. (Exatamente como querem os intervencionistas).
Mas o que ocorre é
justamente o oposto: os libertários desejam abolir todas as regulações,
todos os subsídios, todas as tarifas e todos os gastos estatais que
resultam em altos lucros para determinada casta corporativa.
Fazendo uma lista
nada exaustiva, os genuínos defensores do livre mercado se opõem às
seguintes prebendas tão ao gosto de vários empresários acomodados:
1) Políticas de preços mínimos, subsídios e pacotes de socorro
Em um livre mercado,
todas as empresas devem estar sujeitas aos desejos dos consumidores.
Isso implica que nenhum empresário ou capitalista tem sua renda futura
garantida. Suas rendas decorrerão exclusivamente de suas capacidades de
atender os desejos dos consumidores de forma mais satisfatória que seus
concorrentes.
Este princípio, é
claro, não vale apenas para empresários e capitalistas, mas também para
todos os agentes econômicos (daí a tão difundida ideia de que somos
"escravos do mercado").
Consequentemente, os
libertários se opõem a todos os tipos de falcatruas estatistas criadas
com o intuito de burlar esta servidão dos empresários aos consumidores.
Exemplos típicos destas falcatruas são as políticas de preços mínimos
(o estado compra as mercadorias de um empresário a preços mais altos do
que estão dispostos a pagar os consumidores), os subsídios (os pagadores
de impostos são obrigados a financiar um projeto empresarial com o qual
não necessariamente concordam), e os pacotes de socorro (empresas
falidas, que destruíram mais riqueza do que foram capazes de criar,
e que, de acordo com os desejos claramente manifestados pelos
consumidores — que não mais compram seus produtos —, deveriam
desaparecer, são salvas pelo governo).
Empresários gostam de
políticas de preços mínimos, de subsídios e de pacotes de socorro. Os
libertários são radicalmente contra todas elas.
2) Barreiras de entrada ao mercado
Se o empresário deve,
a todo o momento, servir o consumidor de forma mais satisfatória que
seus concorrentes, então é evidente que sua situação dentro da economia
de mercado está continuamente em perigo. Mesmo que ele não esteja
visualizando nenhuma ameaça ao seu domínio, isso não significa que
ninguém esteja preparando um plano de negócios que a curto, médio ou
longo prazo que termine por destroná-lo.
Exatamente por isso,
os empresários que já estão estabelecidos no mercado adoram todo e
qualquer tipo de barreiras de entrada que impeçam que outros empresários
com novas ideias os desbanquem. Os libertários, por sua vez, se opõem a
toda e qualquer regulamentação que bloqueie a livre concorrência,
exatamente porque é a livre concorrência que permite desbancar
empresários menos eficientes.
Licenças, burocracia, regulamentações que imponham opressivos custos iniciais, concessões exclusivas e monopolistas, e até mesmo patentes — tudo isso é combatido pelos libertários.
Empresários já estabelecidos no mercado adoram restrições à concorrência. Os libertários as detestam.
3) Tarifas de importação, desvalorização cambial e outras barreiras protecionistas
Outra forma de
proteção contra a concorrência são as tarifas de importação, as quotas e
outras barreiras protecionistas, como a desvalorização cambial. Este
ferramental mercantilista blinda as empresas nacionais contra a
concorrência estrangeira, assegurando aos empresários que se
especializaram em atender o mercado interno a continuidade de seu
reinado.
Dado o tamanho da
economia mundial em relação a uma economia nacional qualquer, basta
apenas imaginar a enorme inquietação que sente um empresário nacional
quando, de repente, as barreiras comerciais são abolidas e ele se depara
com toda uma cornucópia de potenciais concorrentes estrangeiros. Daí que inúmeros empresários adoram o protecionismo comercial e o câmbio desvalorizado, ao passo que os libertários sempre foram marcadamente pró-livre comércio e pró-moeda forte.
Novamente, empresários e defensores do livre mercado estão em lados completamente opostos.
4) Crédito artificialmente barato
Capitalistas e
empresários têm, e sempre tiveram, uma relação passional com o crédito
barato. Muitos empresários vendem a maior parte de suas mercadorias a
crédito (imóveis, eletrodomésticos, automóveis etc.), de modo que,
quanto mais crédito, mais vendas.
Da mesma maneira,
para montar uma empresa, ou para multiplicar seus rendimentos, é
necessário capital, e uma forma de obter esse capital de maneira
acessível é com empréstimos bancários artificialmente baratos.
Por sua vez, os
empresários provedores deste crédito artificialmente barato e abundante —
os banqueiros — também obtêm lucros extraordinários em decorrência de
seu agora maior volume de negócios.
Sendo assim, quase
todos os empresários adoram quando o governo, por meio de seu Banco
Central, fornece mais dinheiro aos bancos para que estes expandam o
crédito a custos mais baixos. E adoram ainda mais quando o próprio
governo, por meio de algum banco estatal de fomento, fornece este crédito.
Os liberais, ao contrário, condenam as manipulações inflacionistas do crédito
e, para acabar com elas, chegam até mesmo a propor o abandono da moeda
fiduciária e a abolição destes monopólios estatais chamados Bancos
Centrais, que tanto protegem e beneficiam o sistema bancário.
Outro ponto no qual empresários e defensores do livre mercado batem de frente.
5) Planos de estímulos e obras públicas
Uma possível
consequência das expansões creditícias é o endividamento estatal
decorrente de projetos faraônicos despropositados, como obras públicas
megalomaníacas. Muitas destas obras são inventadas com o intuito de
gerar empregos e "estimular" a economia.
Mas há também as
"obras corriqueiras", como construção de rodovias, portos, aeroportos,
refinarias estatais etc., as quais são tocadas por empreiteiras cujos
donos possuem laços estreitos com políticos e que, por isso, são
selecionadas de acordo com este critério.
As empresas adoram tais obras porque elas incrementam suas receitas e seus lucros.
Quando uma empresa
privada faz um contrato com o governo para executar uma obra, ela passa a
usufruir uma renda garantida por meio do dinheiro de impostos que o
governo lhe repassa. Tal arranjo é a exata antítese do livre mercado.
Se uma empresa é
escolhida segundo critérios políticos, se a sua renda é garantida pelo
estado, e se não há consumidores para cobrar qualidade, o arranjo é o
exato oposto daquele defendido pelos libertários.
[N. do E.: é por isso
que empreiteiras são um grande exemplo de empresas privadas que, na
prática, funcionam como se fossem estatais. A esmagadora maioria de suas
receitas advém de obras que elas executam para governos (federal,
estaduais e municipais), sendo pagas com o dinheiro de impostos. Segundo
os relatos do Ministério Público, por exemplo, quase 100% do faturamento da empreiteira Delta,
do empresário Fernando Cavendish, veio de contratos públicos, chegando a
quase R$ 11 bilhões. A maioria dos recursos veio de contratos com o
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit).]
Com efeito, tais
obras públicas nada mais são do que uma forma de subsídio e, como todos
os subsídios, elas são repudiadas frontalmente pelos libertários.
Outro exemplo em que não há nenhuma coincidência de opiniões entre livre-mercadistas e empresários.
Conclusão
O fato de os
libertários defenderem um arranjo no qual os melhores empresários podem
prosperar e enriquecer não significa que estejam a serviço destes, uma
vez que, em tal arranjo, os empresários que forem ineficientes — e que
não podem recorrer aos privilégios e protecionismos estatais — estão
condenados ao fracasso.
Mais ainda: nada impede que os empresários bem sucedidos de hoje se transformem nos arruinados de amanhã.
Os libertários
defendem este arranjo porque ele é o único que permite que todos
satisfaçam suas necessidades: os melhores empresários enriquecem somente
após terem gerado muito valor para os consumidores.
A realidade,
portanto, é exatamente o oposto do que parece: são os intervencionistas,
contrários ao livre mercado, que recorrem a todos os tipos de argúcias
estatistas para solapar a soberania do consumidor e, consciente ou
inconscientemente, encher os bolsos dos empresários protegidos pelo
governo.
Já passou da hora de
as pessoas entenderem a diferença entre livre mercado — que se baseia na
liberdade e na concorrência — e mercantilismo, que se baseia em
privilégios concedidos pelo estado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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