ONU faz 70 anos sob críticas e enfrentando complexos desafios
Falta
de recursos, excesso de fragmentação, muita burocracia e políticas
centralizadoras são alguns dos principais problemas que a ONU tem de
lidar, dizem os especialistas
Por: Julia Braun
Nesta
segunda-feira, será aberta a 68º Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU) em Nova York. A reunião anual também marcará o
início das comemorações do aniversário de 70 anos da entidade. Não
existem muitas dúvidas de que desde sua criação, a ONU já salvou milhões
de pessoas da mais caótica situação de pobreza até de doenças
epidêmicas que pareciam difíceis de serem combatidas. Em sua história,
as Nações Unidas já foram aclamadas como a grande esperança para o
futuro da humanidade, mas ao mesmo tempo já foram acusadas de proteger
ditaduras e ser espectadora passiva de genocídios. A organização recebe
críticas por sua burocracia e lentidão, assim como pela política
centralizadora do Conselho de Segurança, formado pelos cinco membros
permanentes: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, China e Rússia.
Com a aproximação do aniversário das Nações Unidas, oficialmente ela
foi fundada em 24 de outubro de 1945, essas falhas - e a forma como a
instituição tem lidado com elas - vieram à tona na medida em que a
organização tenta definir seu papel no século XXI. Tensões entre
governos ocidentais, que consideram a ONU abrangente demais e
ineficiente, e as nações em desenvolvimento, que veem a organização como
antidemocrática e comandada pelos países ricos, desmoralizam a
instituição, que cada vez mais necessita de uma reforma, dizem os
especialistas ouvidos pelo site de VEJA.
Para o professor de ciência política Thomas Weiss, da Universidade da
Cidade de Nova York, existem alterações a serem feitas, mas nem todas
são viáveis. "Entre as mudanças que são possíveis e necessárias está um
maior comprometimento político de todos os Estados membros, incluindo os
ricos, os de recursos médios, como o Brasil, e até os mais pobres; e o
fornecimento de recursos para as Nações Unidas fazer seu trabalho". O
autor do livro "What's Wrong With the United Nations and How to Fix It",
ou "O que está errado com as Nações Unidas e como mudar isso", em
tradução literal, afirma também que as contribuições à ONU devem ser
livres, ou seja, destinados para qualquer propósito, não só aos projetos
que favorecem o doador. Custos elevados - Atualmente, os gastos da ONU são
40 vezes maiores do que na década de 50. A organização possui dezessete
agências especializadas, catorze fundos e um secretariado com dezessete
departamentos, que empregam 41.000 pessoas. O orçamento regular das
Nações Unidas, que é ajustado a cada dois anos e usado para bancar os
custos de administração, mais que dobrou nas últimas duas décadas,
chegando a 5,4 bilhões de dólares, ou 22,3 bilhões de reais.
Porém, essa é só uma porção pequena de tudo que é gasto. As Missões
de Paz, por exemplo, custam mais 9 bilhões de dólares (37 bilhões de
reais), com 120.000 soldados - os chamados "capacetes azuis" - locados
principalmente na África. Algumas missões duraram mais de uma década. E
há ainda as contribuições voluntárias dos governos, usadas para
financiar uma grande parte dos programas de ajuda humanitária, trabalho
de desenvolvimento e agências como a Unicef. As doações aumentaram em
seis vezes nos últimos 25 anos, chegando a 28,8 bilhões de dólares
(118,5 bilhões de reais), e mesmo assim algumas agências afirmam estarem
à beira da falência. Conselho de Segurança - Além da falta de recursos, o
ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, aponta
o equilíbrio de poder no Conselho de Segurança como outro desafio a ser
alcançado pela ONU. "As Nações Unidas precisam efetivamente de uma
reforma para que o equilíbrio de poder hoje seja mais adequadamente
representado no Conselho de Segurança (CS), que é o órgão decisório
dessa organização e que visa justamente tentar equacionar os problemas
da paz e da segurança internacional", diz.
Contudo, as dificuldades do órgão em resolver questões de segurança
no Oriente Médio e a crise de refugiados atuais são também consequência
da inação e dos conflitos entre os países membros do CS. "O Conselho de
Segurança é inútil ou útil? A resposta é que quando os Estados membros
querem que a parte política funcione, ela funciona", afirma Thomas Weiss.
Segundo o professor, são as pessoas que trabalham diretamente para a
organização, funcionários da Unicef, do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados e do Programa Mundial de Alimentos que fazem os
esforços mais efetivos. "Quem traabalha para as Nações Unidas tem feito
trabalhos inacreditavelmente dedicados sob condições perigosas e
recursos inadequados para conseguir suprimentos para 4 milhões de
refugiados e 8 milhões de pessoas deslocadas, por exemplo".
Porém, algo que pode estar no caminho do sucesso dos programas e
agências da ONU é, paradoxalmente, justamente o excesso de frentes
operando em muitos países, de forma totalmente independente. Os recursos
limitados e a falta de integração dificultam o cumprimento de metas e
um planejamento mais universal. Barbosa concorda que o excesso de
instituições também pode levar a um aumento na burocracia da
organização, mas reconhece seu trabalho. "A ONU tem uma série de ações
importantes, em questões humanitárias e de manutenção da paz no Haiti,
no Oriente Médio, na África. Sempre há um acúmulo burocrático, mas é o
preço que a comunidade internacional deve pagar para que as soluções
negociadas sejam alcançadas". Diplomacia brasileira em baixa - Como
tradicionalmente acontece desde 1947, o chefe de Estado brasileiro é o
responsável por abrir o debate geral da Assembleia. Contudo, para o
ex-embaixador Barbosa, a diplomacia brasileira vive hoje um momento de
desprestígio. "Durante os últimos 13, 14 anos, as opções estratégicas
que o governo brasileiro tomou introduziram resultados limitados e, em
muitos casos, resultados contrários ao interesse do Brasil". Com a
proximidade da Assembleia Geral da ONU, que começa oficialmente no dia
28, fica ainda mais forte a pressão do grupo de países que integra o
chamado G4 - Brasil, Alemanha, Japão e Índia - para uma reforma e
ampliação do Conselho de Segurança. Segundo o subsecretário-geral de
política do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas
Magalhães, neste sábado, a presidente Dilma Rousseff se reuniu em Nova
York com a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro do Japão
Shinzo Abe e o presidente da Índia Pranab Mukherjee, para a elaboração
de um documento conjunto com um pedido formal às Nações Unidas.
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