O avião do PSB e seus fantasmas ficaram fora do debate. Ou: Aécio foi o melhor; Marina chuta canelas e grita “falta!”
A Rede Bandeirantes
realizou ontem o primeiro debate entre os presidenciáveis. Por pouco, os maiores
derrotados não são os telespectadores — muitos, creio, acabaram vencidos pelo
sono. Três horas é tempo demais. Sei que a obrigação de chamar nanicos para o
embate dificulta tudo. Mas que é pedreira, lá isso é. Não é fácil ter de ouvir
Luciana Genro, do PSOL, a falar mais besteiras do que Levy Fidelix… O debate
teve uma falha coletiva escandalosa, que beneficiou uma das candidatas. Já chego
lá.
Um mínimo de
honestidade intelectual, acho eu, obriga o crítico atento a considerar que o
desempenho do tucano Aécio Neves, entre os três candidatos que contam, foi muito
superior ao das adversárias. Respondeu ao que lhe foi perguntado, fez críticas,
alinhavou propostas e aproveitou a oportunidade para anunciar o que já se dava
como certo, mas sem chancela até a noite desta terça: se ele for eleito
presidente, Armínio Fraga vai conduzir a economia. Antes assim. Quem estava em
busca de conteúdo, basta rever o programa, encontrou um candidato do PSDB
afiado.
Dilma também
procurou responder às perguntas, justiça se lhe faça. O problema é que estava
notavelmente atrapalhada, tropeçando na sintaxe e na fluência. Era visível sua
tensão. Nessas horas, vimos isso já nos primeiros debates de 2010, suas frases
se perdem em anacolutos, o ritmo da fala fica quebrado, e a gente tem
dificuldade de acompanhar a linha de raciocínio.
Quem estava em busca
de pose pôde se satisfazer com Marina Silva, do PSB, que estava especialmente
agressiva, inclusive na aparência. Aquele ser doce e angelical do horário
eleitoral, que fala sorrindo, com a vozinha quase sussurrante, beirando o
meloso, não foi ao debate. Em seu lugar, compareceu uma senhora de cenho
fechado, sobrancelhas arqueadas, óculos de leitura postos no meio do nariz, a
olhar por cima, de modo arrogante. Quando lhe dirigiam uma pergunta, seu
semblante reagia como se lhe tivessem dirigido uma ofensa. Nos dois últimos
blocos, suponho que por sugestão de assessores, tirou os óculos e passou a
sorrir. Não tivesse enveredado pela política, não faria feio como
atriz.
Faço aqui um
anúncio: quem conseguir achar uma proposta de Marina — uma só que seja — ganha
um prêmio. Ela aproveitou seus momentos de fala para investir em paradoxos tão
ao gosto dos que a incensam: ora demonstrava o seu lado inclusivo e reconhecia
os benefícios que tanto o PSDB como o PT haviam proporcionado ao Brasil, ora
tratava os dois partidos como expressões da velha política; ora dizia que queria
governar com todos, ora sugeria que ninguém serve a seus propósitos — a menos,
claro!, que passem por uma espécie de conversão. A líder da Rede foi
notavelmente agressiva com Aécio e Dilma, mas chegou a lastimar, em entrevista
posterior ao debate, o confronto entre os candidatos do PSDB e do PT. Ou por
outra: chutava a canela e gritava: “Falta!”.
Incompreensível
Um dado me parece incompreensível. Para que serve um debate? Entre outras coisas, para que candidatos expliquem eventuais incongruências entre teoria e prática. Acho estupefaciente que nem os adversários de Marina nem os jornalistas tenham tratado do que, a esta altura, pode e deve ser visto como um escândalo: o avião do PSB que voada no caixa dois. Marina foi usuária da aeronave, é a herdeira da candidatura do partido, pertence legalmente à legenda e está obrigada a dar explicações, sim.
Um dado me parece incompreensível. Para que serve um debate? Entre outras coisas, para que candidatos expliquem eventuais incongruências entre teoria e prática. Acho estupefaciente que nem os adversários de Marina nem os jornalistas tenham tratado do que, a esta altura, pode e deve ser visto como um escândalo: o avião do PSB que voada no caixa dois. Marina foi usuária da aeronave, é a herdeira da candidatura do partido, pertence legalmente à legenda e está obrigada a dar explicações, sim.
Pois bem! Nesta
terça, o partido emitiu uma nota oficial em que nada explica. Na prática, admite
a existência do caixa dois. Mais de uma hora antes do início do debate, o Jornal
Nacional levara ao ar uma reportagem da maior gravidade (ver post): uma rede de
empresas fantasmas, com seus respectivos laranjas, está envolvida na compra do
avião. Isso quer dizer que não se está mais falando apenas de crime
eleitoral.
O assunto, por
incrível que pareça, ficou fora da conversa, enquanto Marina dava aula de
educação moral e cívica para seus adversários e se colocava acima do bem e do
mal, como representante da nova política. Talvez os jornalistas tenham deixado o
caso para os candidatos. Pode ser que os candidatos tenham deixado o caso para
os jornalistas. Quem acabou se dando bem foi Marina Silva, que não teve de lidar
com seus fantasmas e ainda apontou o dedo acusador contra os
adversários.
Assim, convenham,
fica fácil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário