MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Polo moveleiro catarinense reverte estratégia de vendas para evitar colapso


A valorização do real atingiu setor em cheio e a aposta, agora, é o mercado interno

Polo moveleiro catarinense reverte estratégia de vendas para evitar colapso Salmo Duarte/Agencia RBS
Seiva Móveis diversificou público e mix de produtos Foto: Salmo Duarte / Agencia RBS
Pedro Machado
*Colaborou Janaína Cavalli

Depois de apresentar sintomas de uma grave asfixia, a indústria de móveis de Santa Catarina, que já chegou a responder por mais de 50% das exportações nacionais, começa, aos poucos, a respirar aliviada, superando um turbulento período marcado por queda nas vendas, demissão de funcionários e fechamento de fábricas.

A valorização do real frente ao dólar, intensificada em meados da última década, atingiu em cheio o polo moveleiro do Estado, cuja produção e vendas eram, na maioria, voltadas a clientes do exterior. Em baixa, a moeda norte-americana inviabilizou os negócios com os estrangeiros.

Algumas empresas, apesar do baque, conseguiram se manter de pé, mas muitas outras diminuíram de tamanho – e houve até quem encerrasse as atividades. A situação exigia a busca de uma alternativa que evitasse um colapso do setor. E o remédio para a cura do mal acabou sendo caseiro.

— Para não quebrar, a produção da indústria moveleira teve que migrar aos poucos para o mercado interno — explica Arnaldo Huebl, presidente da Câmara de Desenvolvimento da Indústria do Mobiliário da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).
A solução encontrada revela um caminho oposto do que fez o próprio setor no final dos anos 80. Na época, com a economia nacional estagnada, os fabricantes decidiram apostar as fichas no mercado externo.

Deu certo, pelo menos até o momento em que o câmbio se mostrou atrativo. Quando o dólar bateu na casa de R$ 1,60, os empresários começaram a considerar o movimento inverso. Só que isso não foi tão simples.

— O cliente externo compra um tipo de produto diferente. A indústria teve que readequar a produção, um processo oneroso. Além disso, era preciso retomar a confiança do mercado nacional — conta Huebl.

O polo moveleiro do Planalto Norte (São Bento do Sul, Rio Negrinho e Campo Alegre) se mobilizou para evitar a quebradeira. Foi criado o selo Biomóvel, que comprova que os produtos são sustentáveis e de alta qualidade.
Articulações de empresários garantiram a reformulação da Móvel Brasil, uma das feiras mais importantes do segmento no País, antes voltada à exportação. Com a exposição focada no mercado interno, os fabricantes ganharam fôlego.
Móvel catarinense invade o Brasil
O cenário de vendas da indústria de móveis catarinense se inverteu na última década. Se em 2005 as exportações representavam 70% da receita do setor e somavam US$ 449 milhões, em 2013 o volume de embarques ficou restrito a US$ 197 milhões.

Mas mesmo com perda de força no exterior e redução do número de trabalhadores, o segmento acumula alta no faturamento real há dois anos – de 4,2% em 2012 e de 7,8% no último ano –, segundo dados da Federação das Indústrias (Fiesc), um sinal de que o mercado doméstico absorveu parte significativa da produção.

Essa reviravolta não aconteceu da noite para o dia. A necessidade de reverter o prejuízo causado pelo câmbio desfavorável forçou as indústrias do setor a se adequarem à nova realidade. Um dos grandes desafios foi adaptar o parque fabril. Com foco na exportação, as empresas não tinham tanta preocupação, por exemplo, com o desenho dos móveis, já que apenas cumpriam requisitos estabelecidos pelos clientes de fora.

— Na exportação, não fazíamos o design dos produtos, apenas fabricávamos os pedidos. E o objetivo era o preço baixo — diz Ronald Heinrichs, diretor da Meu Móvel de Madeira, de Rio Negrinho.

A reformulação exigiu investimentos em maquinários mais modernos e principalmente em pesquisa e desenvolvimento, área que até então não tinha muito espaço dentro da maioria das indústrias. Tudo para adaptar os móveis ao “exigente gosto” do consumidor brasileiro, como dizem os empresários. Enquanto os norte-americanos, por exemplo, demandavam produtos com dimensões maiores, o mercado nacional pedia móveis mais enxutos.

— Os apartamentos no Brasil estão cada vez menores. Então, a tendência de móveis compactos e funcionais, que aproveitem o máximo de um pequeno espaço, vai se manter por bastante tempo e tem guiado os novos investimentos da nossa empresa —diz Heinrichs.

As preferências de acabamento também são distintas. O mercado externo, em geral, demanda móveis de cores mais escuras, com mais riqueza de detalhes e feitos de pinus. Já os brasileiros são adeptos de produtos de madeiras chamadas “duras”, como o eucalipto, de cores mais claras e “retos”, sem muitos detalhes. Os europeus, por outro lado, gostavam que os móveis conservassem os nós da madeira, característica que não é bem aceita por aqui.

Novo material
Ao mesmo tempo em que precisavam “reaprender” a trabalhar com o mercado interno, as indústrias moveleiras tiveram que lidar também com a expansão dos móveis em MDF, uma chapa de fibra derivada da madeira. De fácil montagem, o material, utilizado principalmente em armários e móveis de cozinha, dispensa mão de obra especializada, barateando a produção.

— A madeira precisa ser selecionada, limpa e há vários custos. Pelo preço, o MDF é atrativo para os consumidores de baixa renda — avalia Daniel Lutz, presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel).

De acordo com Lutz, não existe um dado que indique o tamanho da participação do MDF e da madeira na produção dos móveis no País. O que se sabe é que as chapas, hoje, são maioria, mas nada que, pelo menos por enquanto, torne a madeira um artigo de luxo. Mais resistente e com maior durabilidade, ela ainda é bem vista com bons olhos por grande parte do mercado.

— O móvel de madeira é mais charmoso. Sempre haverá espaço para ele — analisa Kassio Alexandre Costa, gerente industrial e comercial da Seiva Móveis.
Novas estratégias para não fechar as portas
Direcionar a produção para o mercado interno como forma de rebater os prejuízos do câmbio foi a solução encontrada pelo setor moveleiro para garantir a própria sobrevivência. Houve, no entanto, uma série de obstáculos no meio do caminho dessa transição. Para se manterem competitivas, muitas empresas precisaram enxugar custos e rever processos.

Seiva Móveis

A Seiva Móveis, de São Bento do Sul, chegou a ter três fábricas. Cerca de 70% da produção, concentrada principalmente em móveis de alto padrão para salas de jantar, era voltada para o exterior. O dólar desvalorizado, porém, mudou a realidade da empresa, que parou de exportar.

Duas unidades foram fechadas e houve um corte de 23% no quadro de funcionários nos últimos dois anos. Para se adaptar à nova realidade, a companhia precisou ampliar o portfólio, que passou de 20 para 140 produtos, e buscar clientes dentro do País.

— Diversificamos os públicos-alvo e aumentamos nosso mix. Ficamos menores, com uma estrutura mais enxuta, mas reduzimos custos e saímos do vermelho — conta Kassio Alexandre Costa, gerente industrial e comercial da empresa, que registrou um crescimento de 18% em 2013.

Móveis 3 Irmãos
A Móveis 3 Irmãos, também de São Bento do Sul, foi outra que se viu forçada a se adequar aos novos tempos. A produção, que era 100% direcionada aos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, hoje divide espaço com a fabricação de móveis corporativos para empresas nacionais como Tim, Oi e Lupo, que já respondem por metade da receita da empresa.

Para os clientes brasileiros, a 3 Irmãos substituiu as cômodas de madeira do tipo pinus para exportação pelos móveis planejados de MDF. Cinco máquinas, entre elas uma de corte de acrílico, foram compradas para dar conta da necessidade e produzir desde o escritório até o balcão de atendimento.

Meu Móveis de Madeira

A Meu Móveis de Madeira acabou fechando, em 2010, a fábrica que tinha em Rio Negrinho e começando do zero uma nova companhia. De 300 funcionários, a empresa passou a contar com apenas oito colaboradores. A produção foi terceirizada, o foco ajustado para o mercado interno, e a plataforma de vendas saiu da loja física para o e-commerce. Hoje, a companhia vende online para todos os Estados do Brasil. O incremento anual no faturamento fica em torno de 40%.

Katzer Móveis

Para a Katzer Móveis, de São Bento do Sul, a especialização na fabricação de uma linha específica, no caso de dormitórios e beliches, ajudou na adaptação e não afetou tanto as exportações, explica o diretor Anor Evaldo Katzer.

Arte Real
Mas nem todas as indústrias tiveram o mesmo sucesso. O empresário Carlos Mattos decidiu fechar o negócio. A sua empresa, a Arte Real, tinha 13 anos de mercado e chegou a ter mais de 200 funcionários, mas sucumbiu diante da desvalorização do dólar.

— Minha empresa era 100% voltada ao mercado internacional. Ficou inviável – conta.

Fim de benefício encarece
A retomada da alíquota de 5% do Imposto sobre Produtos Industrializa dos (IPI) para as empresas de móveis, a partir de 30 de junho, configura um novo ônus para o setor, avaliam empresários.

Assim como outros segmentos da economia, a indústria moveleira perde competitividade em função da alta carga tributária, da infraestrutura logística deficitária para o escoamento da produção e da dificuldade de recrutar mão de obra – setores como o têxtil e o metalmecânico têm pago melhor na região Norte catarinense, atraindo os trabalhadores. É fácil imaginar para quem vai sobrar a conta.

— Certamente o aumento do IPI será traduzido em aumento de preços no ponto de venda para o consumidor final — alerta Michel Otte, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Móveis de Alta Decoração (Abimad).

O tributo havia sido zerado em 2010, em um pacote de estímulo do governo federal a vários setores industriais, mas foi sendo recomposto gradativamente. O presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), Daniel Lutz, estima um encarecimento de pelo menos 10% no preço dos móveis.

Ele afirma que a entidade está se articulando junto às autoridades para encontrar uma saída tributária que alivie o setor. A volta do IPI na íntegra deve ser um novo ingrediente na pressão pela redução dos custos internos, que permitiram a retomada das exportações.

Enquanto o dólar estiver abaixo de R$ 2,50, diz Lutz, a indústria moveleira catarinense dificilmente terá condições de competir em pé de igualdade com os produtos chineses. O dirigente lembra que, nos quesitos qualidade, prazo de entrega e garantia, o Brasil é superior aos asiáticos. Mas é impossível batê-los na questão de preço.

— Do portão para dentro, somos tão competitivos quanto os países desenvolvidos. Mas se sairmos, o governo nos derruba — critica Lutz.

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