MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Vestibulandos usam doping intelectual para superar rotina de estudos


Para encarar pressão antes das provas, estudantes abusam de remédios controlados


Vestibulandos usam doping intelectual para superar rotina de estudos Charles Guerra/Agencia RBS
Metilfenidato, vendido sob o nome de Ritalina ou Concerta no Brasil, tem sido opção de estudantes para aumentar concentração nos estudos Foto: Charles Guerra / Agencia RBS
Café, guaraná em pó e bebidas energéticas nem sempre são o suficiente para quem precisa enfrentar milhares de outros candidatos antes de entrar na faculdade dos sonhos e não quer ou não consegue encarar a pressão de cara limpa. Remédios criados com outros propósitos transformam-se em soluções para driblar o cansaço perto do vestibular, mas psicólogos e médicos fazem fortes recomendações contra o que vem sendo chamado de doping intelectual.

O estimulante mais popular entre os estudantes é o metilfenidato, vendido no Brasil sob as marcas Ritalina e Concerta. Embora este princípio ativo não faça parte do grupo das anfetaminas, o funcionamento no organismo é muito similar a elas e em algumas pessoas causa efeitos próximos aos da cocaína: hiperatividade, hiperventilação, perda do apetite, aceleração dos batimentos cardíacos, boca seca, dores no estômago. Em pouco tempo se adquire resistência à substância obrigando os estudantes a aumentar a dose.

A substância surgiu no fim dos anos 1940 e hoje é de uso controlado na maioria dos países. Ela costuma ser recomendada por médicos a crianças e adolescentes diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Hoje com 24 anos, o estudante catarinense, que cursa Direito na UFRGS e prefere não se identificar, nunca passou por um psiquiatra e começou a tomar Ritalina quando era vestibulando por indicação da avó, que conseguia o medicamento das mãos de um farmacêutico amigo. No começo uma pílula por dia era o suficiente para obter o efeito desejado. Em pouco mais de um mês, passou para duas.

— O mundo nos oferece uma quantidade infinita de pequenos estímulos prazerosos: internet, TV, videogame, comida, música. Não aumentei ainda mais a dosagem porque seria como substituir um vício pelo outro: a procrastinação pelo remédio. No fim, assumir uma postura de estudo é o que importa de verdade, não existe solução mágica — conta o estudante, que não toma mais Ritalina desde que foi aprovado no vestibular.

Outros remédios aparecem na lista dos vestibulandos, como o modafinil (por aqui vendido como Provigil), modafinila (com o nome de Stavigile) e o Adderall, um mix de anfetaminas indisponível nas farmácias nacionais. A rivastigmina e a donezepil, dois fármacos para Doença de Alzheimer com severas reações adversas também são usados para o mesmo fim e podem acabar prejudicando o desempenho cerebral de pessoas saudáveis.

Consumo triplicou entre 2009 e 2011
Atualmente, o Brasil é o segundo maior consumidor de metilfenidato, perdendo apenas para os Estados Unidos. Ele chegou às farmácias brasileiras em 1998 e foi rapidamente assimilado pelo mercado. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apenas entre 2009 e 2011, o consumo no Brasil quase triplicou — passou de 156 milhões miligramas para 413 milhões. No mesmo período foram comercializadas 1,2 milhões de caixas do medicamento em farmácias e drogarias do país, representando uma alta de 28,2 % em relação a 2009.

O laboratório Novartis, que produz a Ritalina, não revela a quantidade do medicamento vendida no Brasil, mas previsões do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum) estimam que elas tenham crescido perto de 3,2 mil % nos últimos 11 anos. Não há estudos sobre a quantidade de metilfenidato que gira pelo mercado negro no país.

Um preço alto pelo gás extra
A professora Daniela Ribeiro Schneider, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Psicologia Clínica (Psiclin) da UFSC, considera preocupante a popularização de substâncias estimulantes e acredita que o problema não seja apenas a automedicação, mas o fortalecimento de uma lógica imediatista.

— É uma tendência contemporânea enxergar o consumo de remédios como uma bengala para todos os problemas da vida. O vestibular é uma época em que isso fica ainda mais evidente, pois o jovem é pressionado a concorrer com dezenas de outras pessoas numa prova que vai mudar os rumos de sua vida — explica Daniela.

Tadeu Lemos, professor da UFSC e médico especializado em tratamento de dependentes químicos, diz que a sensação de atenção em quem toma o remédio é ilusória, já que não existem estudos conclusivos que relacionem o metilfenidato ao aumento na capacidade intelectual. A própria bula da Ritalina afirma que a ação do medicamento no corpo humano não foi completamente elucidada. Como não há estudos de longa data com o remédio, os efeitos conhecidos são aqueles instantâneos e diminuem com o uso contínuo.

— Quem já está sob uma condição de estresse vai ter mais prejuízo que lucro ao ingerir um medicamento forte como o metilfenidato. Um jovem que toma remédios para passar a noite estudando fará seu organismo funcionar por mais tempo e com mais intensidade, causando um cansaço ainda maior no dia seguinte — explica.

Compras são feitas com e sem receita
Um estudo publicado neste ano pela revista científica americana The Clinical Neuropsychologist constatou que 22% dos adultos com receitas para metilfenidato consultados exageraram a intensidade dos sintomas na hora de conversar com o psiquiatra. Já outros têm perfeita noção de que nunca foram portadores do transtorno de déficit de atenção e mentem para obter receitas de remédios variados.

O vestibulando de 18 anos, que pediu para não ser identificado, e quer cursar Engenharia Aeronáutica ou Mecânica, pesquisou na internet sobre o medicamento. Como dois psiquiatras negaram prescrever o remédio, a mãe pediu a receita a um médico conhecido.

— Esse amigo dela tem dois filhos e ambos usaram Ritalina quando estavam prestando vestibular. Ele conversou com meus pais, meu deu a receita e comecei a tomar. Estou tomando às 7h e às 14h, há 45 dias, e agora já não vejo muita diferença. Vou experimentar ficar alguns dias sem para ver como será — conta o estudante.

Há também quem apele à ilegalidade para obter o metilfenidato. Numa busca rápida na internet, dezenas de sites que vendem Ritalina e Concerta sem receita são encontrados. A página do Facebook Ritalina-TDAH & TBH, um espaço onde usuários da rede social discutem os efeitos e os riscos do remédio, adverte quem tenta adquirir as pílulas pelo mercado negro online. Para eles, a chance de comprar um produto falso e superfaturado é altíssima. Quem anuncia remédio na página tem o tópico imediatamente excluído.

— Moro perto de Foz do Iguaçu, é muito fácil pra eu conseguir remédios baratos e sem prescrição médica. Não tive nenhum tipo de acompanhamento e acabei comprando o mais fraco — conta a vestibulanda de 17 anos que toma Ritalina por conta própria desde o início do ano.

Mesmo com prescrição, estudante optou por não usar

Uma estudante da UFSC, que optou não se identificar, conta que começou a tomar Ritalina aos 19 anos quando fazia pré-vestibular. Mesmo com consultas psiquiátricas e uma receita para comprar o metilfenidato, ela fez uso da substância cerca de quatro ou cinco vezes desde aquela época. Dois anos após, ela estuda sem remédio e critica o uso indevido de fármacos entre vestibulandos devido ao comodismo gerado.
DIÁRIO CATARINENSE

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