BLOG ORLANDO TAMBOSI
Afinal a Queda do Império Romano do Oriente ou o Teorema dos Valores Intermédios são coisas muito interessantes; mas há poucas pessoas que acham que valha a pena expor justificações em voz alta. Miguel Tamen para o Observador:
Uma
das teorias mais comuns sobre a educação é a de que não tem nenhuma
utilidade prática. Muitas pessoas perguntam quando foi a última vez que
fizeram uma conta de dividir, isolaram um complemento indirecto, ou se
lembraram da capital do Paraguai. As suas queixas exprimem uma forma de
utopia viril, que imagina a educação como ensino orientado para a
actividade profissional e os desígnios do planeta; é a devoção diurna a
que se chama hoje cidadania.
A
teoria de facto tem duas partes: a da utopia da utilidade absoluta e a
da queixa pela inutilidade generalizada. Nenhuma é clara, ou boa. Com
efeito, se a educação consistisse em preparar-nos para ganhar a vida de
uma certa maneira, sempre que se passasse a ganhar a vida de outra
maneira seria precisa outra educação. Aquilo que se aprendeu antes só
por acaso coincide com aquilo que se irá fazer. E naturalmente aquilo a
que chamamos a nossa vida só em parte coincide com o modo como nos
acontece ganhá-la.
Estas
dificuldades trazem-nos à segunda objecção. Se o que se aprende é
raramente o que se faz na vida, o que é que se deve aprender? Implicadas
na queixa sobre a falta de ligação entre contas de dividir e a vida
estão as ideias de que ‘vida’ quer sempre dizer profissão; e a de que
não se deve aprender a fazer contas de dividir. A profissão,
acredita-se, determina o que é preciso aprender. Há no entanto aqui uma
dificuldade. Porque a nossa vida tende a variar, nunca é possível
decidir antecipadamente o que é preciso aprender para profissões que não
sonhamos vir a ter. O único resultado prático destas queixas é um
argumento a favor do trabalho infantil. Já que não é possível decidir o
que é preciso aprender para uma profissão que ainda não temos, mais vale
eliminar as agonias e começar a trabalhar aos oito anos.
Precisamos
pelo contrário de opor à teoria de que a educação não tem uma utilidade
prática a teoria de que a educação não deve ter utilidade prática. Isto
pode parecer escusado visto que, pelas razões acima, não pode; mas
talvez além disso não deva. Em qualquer caso, como justificar as horas
gastas a perceber a Queda do Império Romano do Oriente ou o Teorema dos
Valores Intermédios? Sentimo-nos nervosos quando se trata de alocar
recursos escassos a actividades rarefeitas, e francamente com uma ideia
moral que não resuma a nossa vida à nossa profissão.
Não
há vergonha nenhuma em ganhar a vida, mas também não há razão para
nervosismos por não estarmos sempre a fazê-lo. Existem boas
justificações para não resumir a educação à preparação para a vida:
afinal a Queda do Império Romano do Oriente ou o Teorema dos Valores
Intermédios são coisas muito interessantes; mas há poucas pessoas que
acham que valha a pena expor justificações em voz alta.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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