BLOG ORLANDO TAMBOSI
É uma doença mental muito estigmatizada, sobre a qual pairam muitas dúvidas, e tem grande impacto na forma como os doentes se relacionam com os outros. Oito perguntas e respostas para desfazer mitos. Reportagem de Sofia Teixeira para o Observador:
1 O que é a perturbação borderline?
É
uma doença que provoca alterações na forma como a pessoa pensa, sente e
se relaciona com os outros. Os doentes apresentam alterações de humor,
pensamentos distorcidos, comportamentos impulsivos e relações intensas
mas tumultuosas com os outros.
2 É uma doença que provoca muito sofrimento?
Sim.
Porque envolve vários sentimentos típicos. “As pessoas afetadas por
perturbação da personalidade borderline (PPB) são muito sensíveis,
entram facilmente em profundo sofrimento, com medos intensos de
rejeição, abandono e separação”, diz o psiquiatra e psicoterapeuta João
Carlos Melo, assistente graduado do Hospital Fernando Fonseca e autor de
Reféns das Próprias Emoções (ed. Bertrand, 2021), sobre pessoas com
personalidade borderline. “Quando isto acontece, as emoções ficam
desreguladas, o que provoca angústia, desespero, descontrolo e raiva.”
Estima-se
que afete mais de duzentos mil portugueses, sendo uma doença grave, já
que “cerca de 75% dos doentes fazem tentativas de suicídio”. Estas
tentativas, frisa, “não são ‘chamadas de atenção’ — são a manifestação
de um profundo e insuportável sofrimento. “Dez por cento destas pessoas
acaba por morrer por suicídio”, explica o psiquiatra.
3 Quais são os principais sintomas?
Há
períodos em que os doentes se sentem bem, mas, na maioria do tempo,
estão ansiosos, deprimidos e em sofrimento. Os sintomas dividem-se em
dois grandes grupos:
Sintomas mais agudos.
Grande instabilidade afetiva (mudanças frequentes e muitas vezes
bruscas e imprevisíveis de humor), emoções muito dolorosas (medo,
vergonha e sentimentos de culpa), crises de descontrolo e raiva ou
apatia e perda de energia, alterações cognitivas (como dificuldade de
atenção ou de memória ou falta de iniciativa), comportamentos
impulsivos, autodestrutivos e autolesivos, que podem levar a tentativas
de suicídio.
Sintomas mais prolongados.
Vazio interior, sentimentos prolongados de desespero e autocrítica,
dificuldades nas relações (sobretudo as mais íntimas) com os outros,
pensamentos frequentes sobre morte e suicídio.
4 Porque são tão difíceis as relações para alguém borderline?
Porque
é nas relações que se manifestam as angústias características destas
pessoas: medo da separação, rejeição e abandono, ao mesmo tempo que há
uma grande necessidade de proximidade com o outro. “O medo de perder a
outra pessoa ou o seu amor pode levar a atitudes de exigência e
controlo”, diz o psiquiatra. Mas é isso que acaba por levar, muitas
vezes, ao efetivo afastamento da outra pessoa, o que agrava a angústia e
provoca mais relacionamentos instáveis e conflituosos.
Ainda
assim, nem todos os quadros de perturbação borderline são iguais e há
pessoas nas quais estes sintomas são menos visíveis. “São as ‘quiet
borderline’ [borderline silenciosas]. Neste caso, o sofrimento também
está lá, mas a pessoa sofre em silêncio, mutila-se e agride-se em
privado e está presa na sua solidão.”
5 Quais são as causas?
A doença surge das experiências traumáticas e da ligação destas à predisposição hereditária e genética.
Entre
as experiências de vida traumáticas estão “as perdas, as separações
precoces e prolongadas, a falta de envolvimento afetivo por parte dos
pais, o abuso verbal, emocional, físico ou sexual e a negligência física
e emocional”.
A
predisposição para a doença é um tipo de temperamento a que os
psiquiatras chamam “hiperbólico”, que associa uma grande
hipersensibilidade a um comportamento crítico, acusatório e exigente com
os outros.
Estes
eventos que servem de desencadeantes podem acontecer em qualquer idade,
por isso o início da perturbação borderline pode ser na infância,
adolescência ou idade adulta.
6 Como se faz o diagnóstico?
O
diagnóstico baseia-se nos relatos do paciente (e dos familiares) e nas
observações dos médicos. Como pode ser complexo diferenciar esta doença
de outras perturbações, é muitas vezes subdiagnosticada ou mal
diagnosticada.
As
pessoas com perturbação borderline são muitas vezes “diagnosticadas com
depressão, ansiedade ou doença bipolar”. A outras dizem simplesmente
que têm “mau feitio” ou “mau caráter”.
Para
fazer o diagnóstico, o psiquiatra deve identificar as principais
características da doença, embora em alguns casos possa haver associação
a outros problemas, como depressão, ansiedade, perturbação bipolar,
perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) e perturbação
obsessivo-compulsiva.
7 Quais são as opções de tratamento?
Por
ser uma perturbação da personalidade — e não do humor, como a depressão
—, a PPB pode ser difícil de tratar. “A medicação é fundamental em
muitos casos, para aliviar o sofrimento, controlar a impulsividade e
ajudar a regular o humor e as emoções”, frisa João Carlos Melo.
A
psicoterapia é igualmente importante, para que a pessoa possa
entender-se melhor e aprender a controlar os impulsos e comportamentos.
Além
da psicoterapia individual, podem ser também recomendadas sessões de
grupo — onde a pessoa põe em prática estratégias na relação com os
outros — e terapia com a família, para ajudar a compreender a doença e a
lidar melhor com as pessoas próximas.
“Os
sintomas mais agudos melhoram relativamente bem com os tratamentos
adequados, ao ponto de a pessoa poder deixar de preencher os critérios
que caracterizam a doença”, explica o médico. “Já os sintomas
prolongados tendem a estender-se no tempo e a serem mais difíceis de
tratar, requerendo intervenções psicoterapêuticas mais prolongadas.”
8 Como apoiar uma pessoa com esta doença?
A família e os amigos podem ter uma importância enorme na recuperação.
“A
atitude mais eficaz é a compreensão do sofrimento da pessoa e a
aceitação de que o seu comportamento é uma manifestação direta do disso,
por muito agressivo que pareça”, diz o psiquiatra. “E é fundamental não
abandonar a pessoa, apoiá-la, estar presente e aceitá-la tal como ela
é, com as suas forças e as suas fraquezas.”
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário