BLOG ORLANDO TAMBOSI
Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável. Artigo do professor Bolívar Lamounier para o Estadão:
Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço.
Essa
questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado,
porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro,
porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço
fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma
tributária.
Os
dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de
pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos
dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país
instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se
sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável,
quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui
para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se
por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que
possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da
existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos
da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá
estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta
para um horizonte de efetiva recuperação.
Para
este ano, vem-se estimando um crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) superior a 2,0%, número expressivo, porque poderá afetar de forma
positiva as expectativas para os anos seguintes. Caso se concretize, sem
dúvida precisaremos repensar nossas avaliações, abaixando a bola do
pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento será quase
totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a
ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos
desfrutado em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o
agronegócio não cumpre um papel relevante na criação de empregos.
Amplamente mecanizado, não é dele que virá a reversão do brutal
desemprego que o País começou a padecer desde a passagem da sra. Dilma
Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de cautela deve ser
reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos contorcendo
para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a
pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas
razões que catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular
uma ou duas horas pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas
favelas em grandes avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de
poço em que caímos desde 2014.
O
outro fator que mencionei é o chamado “arcabouço fiscal”, que o
governo, a duras penas, conseguiu arrancar do Congresso Nacional.
Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele acertadamente optou
por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na expectativa
de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é submetido
ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos, é
difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de
reforma tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação,
vale dizer, de aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos
anos celebrando seus feitos na transferência direta de renda aos
necessitados, não descabe conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a
fatura, desta vez mirando setores amplos: o que habitualmente
denominamos classe média, ou baixa classe média.
Neste
estágio da luta, não temos como avaliar a dimensão de tal aumento, e
muito menos sua distribuição entre os diferentes setores da economia. O
que podemos afirmar com razoável segurança é que o setor de serviços
(restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados ao turismo, etc.)
será duramente atingido. E aqui cabem duas observações. Primeiro, grande
parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um módico
acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de
falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o
agronegócio, a área de serviços é essencial para a criação de empregos.
Faço aqui uma projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me
sublinhar que a eventual concretização dela manterá ou aumentará a atual
massa de desempregados, quando a promessa das novas autoridades
federais era reduzi-la.
Enredo
óbvio, objetarão meus leitores, mesmo alguns dos que se têm esforçado
para manter a esperança na retomada do crescimento e em avanços no campo
do bem-estar. Sim, inteiramente previsível, notadamente quando vemos
mais um governo tangenciando as grandes pedras que temos à frente. Quem
tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só terá de fato
saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado
patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do
progresso, quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia
fechada ao exterior e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos
– para refazer de alto a baixo o nosso teratológico sistema de ensino.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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