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Me encantou esta primeira metade do mês de junho. Como tenho certeza de que vão me encantar muito os próximos três anos e meio. A crônica de Orlando Tosetto para a revista Crusoé:
Chega-me
a notícia, upa, de que está acontecendo uma CPI para investigar a
liberdade que uns tiozões e umas tiazonas do zap tiveram para entrar nos
palácios de Brasília, e outra para investigar as liberdades que o MST
tem tomado com terras alheias. Ora, há compromissos nesta vida que são
fáceis de manter ou de cumprir, e outros há que são muito difíceis,
quase impossíveis. Um dos mais fáceis que já assumi foi o de só assistir
CPIs que tenham anões comedores de fogo, carecas vestidos de pele de
onça levantando pesos, malabaristas vendados, engolidores de facas,
amestradores variados e sujeitos maquiados tocando buzinas, levando
tortas na cara e caindo de bicicletas. Como até o momento nenhuma CPI me
deu esse show, ainda que nelas haja um bocado desses sujeitos
maquiados, eu nunca assisti a nenhuma.
Isso
não impede que minha imaginação se exercite fantasiando que CPIs e
debates sejam como aqueles bate-bocas dos pátios de escola. Por exemplo,
por qualquer razão própria das CPIs, o deputado Joanete Bigorrilho
(situação) começa a discutir com o senador Coronel 38 (oposição) e lhe
diz:
— A podridão da alma de Vossa Excelência transparece no seu hálito!
E os senadores e deputados em roda:
— Visssshhhh!
— Eu não deixava!
— Ah, se é comigo…
O Coronel 38 responde:
— Já Vossa Excelência nem alma tem para que apodreça.
Os
deputados e senadores explodem em assovios. Joanete e Coronel partem
para cima um do outro, sem muita convicção, e são facilmente separados
pelos presentes enquanto se mimoseiam com desaforos impublicáveis. Todos
aguardam o próximo bate-boca, que será entre o senador Jaboatão
Sambutahy (oposição) e o deputado Frankensteinson Veridiano (situação).
Amigos
que, por penitência ou depressão, acompanham essas CPIs dizem que minha
imaginação é tão certeira que deve ficar assistindo os debates quando
eu me distraio.
* * *
Enquanto isso, o Festival de Amor que Assola o País segue encantador e me encantando.
Me
encanta saber que há estado brasileiro tão rico e tão isento de
problemas que possa destacar um senador só para bem servir (lembrei dos
saquinhos das padarias de antigamente: servir bem para servir sempre)
aos anseios prementes e às necessidades urgentes do partido do senhor
presidente.
Me
encanta saber que o mesmo partido do senhor presidente achou útil,
necessário, amoroso e democrático ter um canal de TV só seu. Parece que é
para cumprir o “dever constitucional, legal e estatutário” de, ora, ter
um canal de TV. Dever estatutário, medite bem o amigo. Depois junte os
dedos das mãos e diga, como meu avô italiano: ma quale statuto?
Me
encanta saber que defender a democracia, a justiça, o amor, a
fraternidade universal, o mavioso coral dos anjos e o aroma delicado das
flores mais belas, tudo isso resumido na excelsa pessoa do senhor
presidente, tenha como recompensa humilde uma vaga mal paga num
tribunal.
Me
encanta saber que o chanceler que é (não o que está) ia viajar à
Noruega para pleitear um Nobel pro excelso senhor presidente, decerto
sob o argumento de que “ah, ele merece, vá!”. E me encanta saber que não
vai mais, talvez porque pairem dúvidas quanto à força desse argumento.
Me
encanta saber que o avião presidencial atual é pequeno, é um teco-teco,
e que toda a possância e importância e relevância do Brasil aí nesse
mundão de meu Deus sejam mais bem representadas por uma aeronave
maiorzinha, que leve e traga mais gente e mais coisas e faça um barulhão
subindo e descendo e etc.
Me
encanta saber que os restos imortais do roqueiro Roger Waters serão
presos pelo maior dos nossos ministros caso ele se fantasie de nazista
em algum palco nacional. Porque a gente não sabe e nem quer saber a
diferença entre zoar nazista e referendar nazista.
Me encanta saber que vão dar desconto em carro popular, mas na base da promoção-relâmpago, válida só por trinta dias.
Me
encanta ver deputado da situação reclamando de invasão a uma invasão do
MST. O deputado acha feio a gente ir entrando assim, como bem quer, no
que é dos outros.
Ou
seja, me encantou esta primeira metade do mês de junho. Como tenho
certeza de que vão me encantar muito os próximos três anos e meio.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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