Uma
tecnologia que associa saúde e engenharia, está sendo aplicada por
pesquisadores do Programa de Engenharia Biomédica (PEB) da Coppe/UFRJ,
de forma inédita no mundo, para avaliar pacientes diagnosticados com a
“marcha do pé caído”. O método, que inclui análise tridimensional, está
sendo utilizado em pacientes que tiveram hanseníase e estão em
acompanhamento no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)
da UFRJ. De lá, eles são encaminhados ao laboratório da Coppe, onde são
feitas as avaliações, cujos resultados da análise são encaminhados para a
equipe da Faculdade de Medicina da universidade, que é parceira desta
pesquisa.
Na hanseníase, o pé caído está associado à lesão do nervo fibular causada por uma bactéria denominada mycobcterium leprae.
Mesmo depois da cura da infecção, a progressão da lesão neural pode
continuar provocando sequelas, incapacidades físicas e deficiências com
consequências no trabalho e na vida social. A análise da marcha gera
dados precisos que descrevem a dinâmica dos movimentos dos membros
inferiores, isto é, o padrão da marcha desses pacientes, antes e após a
correção cirúrgica do pé caído, tornando-se um importante aliado no
tratamento desta sequela.
De
acordo com o professor Luciano Menegaldo, coordenador do Laboratório de
Biomecânica do PEB/Coppe, onde a tecnologia inicialmente foi
implantada, o pé caído dificulta ou gera incapacidade na movimentação do
tornozelo, devido à fraqueza ou à paralisia dos músculos responsáveis
por esse movimento. Conhecidos como dorsiflexores do tornozelo, estes
músculos possibilitam que a ponta do pé seja levantada durante o
caminhar, evitando que ela seja arrastada. Este tipo de lesão faz com
que o paciente adote uma marcha anormal que afeta todo o movimento de
locomoção.
A
hanseníase é uma doença infecciosa crônica. Segundo a Organização
Mundial da Saúde, em 2022 houve 174.187 casos registrados no mundo,
sendo o Brasil o segundo país com maior número de casos, com
19.635 novos, índice mais alto das Américas. No mundo, fica atrás apenas
da Índia.
O
HUCFF da UFRJ possui um centro de referência de reabilitação física,
cirúrgica e social de pacientes com sequelas de hanseníase. Uma equipe
interprofissional e interdisciplinar composta por médicos ortopedistas,
médicos dermatologistas, médicos neurocirurgiões, assistentes sociais,
psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas atende cerca de 80
pacientes por mês. A recuperação física é feita por meio da
fisioterapia e/ou cirurgia de transferência de tendão de um músculo que
até então cumpria outra função. Sem a instrumentação da Coppe, os
profissionais dependiam apenas de suas análises subjetivas,
observacionais, baseadas em suas experiências, sem auxílio de dados
quantitativos que guiassem a avaliação do tratamento cirúrgico.
A
avaliação quantitativa da marcha desses pacientes serve para orientar a
indicação cirúrgica e o acompanhamento pós-cirúrgico de pacientes.
“Esta avaliação biomecânica nos permite aferir com mais precisão a
marcha do paciente e oferece elementos que garantem boa função dos seus
pés e, portanto, uma melhor qualidade de vida”, explica a médica
dermatologista do HUCFF Maria Katia Gomes. Professora do Programa de
Pós-Graduação da Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ, Maria
Katia faz parte da equipe de profissionais que atua diretamente no
tratamento dos pacientes do HUCFF. “Esses marcadores são comprovações
científicas da resposta funcional ao tratamento cirúrgico do paciente,
de forma objetiva”, diz.
Menegaldo explica que esta avaliação quantitativa é o primeiro passo para fazer um tratamento com chance de maior eficácia. Para
gerar esses dados, são utilizados instrumentos de captura
tridimensional de movimento, com oito câmeras infravermelhas (mesmo
sistema utilizado em jogos e na produção de animação gráfica), e duas
plataformas de força. “Nunca se estudou a biomecânica dessa lesão com
esse nível de refinamento, pois os países desenvolvidos que já possuíam
essa tecnologia sofisticada, em geral, não são acometidos pela
hanseníase”, afirma o professor.
A
professora colaboradora do PEB/Coppe, Adriane Muniz, acrescenta que
para obterem os dados também utilizam marcadores reflexivos afixados nas
pernas dos pacientes, para capturar o posicionamento dos segmentos
corporais e quantificar ângulos, velocidades e acelerações de cada
articulação do corpo. “E com a ajuda das plataformas de força, podemos
quantificar os torques gerados, ou seja, as forças que geram o movimento
nas articulações. No todo, trata-se de uma análise de forma
quantitativa que ainda não havia sido realizada e, além disso, podemos
analisar outros dados complementares, a exemplo dos que capturamos com
eletromiografia da ação muscular durante o movimento”, explica Adriane,
que também é professora da Escola de Educação Física do Exército
(EsEFEx).
A
partir de agora, as análises serão realizadas no Laboratório Clínico de
Análise do Movimento (Lacam), também coordenado pelo professor
Menegaldo, que foi implantado no recém-lançado Núcleo de
Tecnologia e Inovação em Engenharia Biomédica (NTIEB) da Coppe. Neste
novo espaço outros pacientes do HUCFF e também do Instituto de Pediatria
(IPPMG) e de outras unidades do Complexo Hospitalar da UFRJ, poderão
ser atendidos para análises semelhantes, envolvendo outras doenças, como
mal de Parkinson, paralisia cerebral e acidente vascular cerebral
(AVC), dentre outras.
Com base neste estudo, foi publicado na Revista Clinical Biomechanics o artigo Gait analysis of leprosy patients with foot drop using principal component analysis,
em 2023, sendo o primeiro da literatura científica a abordar uma
análise tridimensional da marcha de pacientes com pé caído causado por
hanseníase. Além dos professores Luciano Menegaldo, Maria Katia Gomes e
Adriane Muniz, são coautores do artigo os pesquisadores do PEB/Coppe,
Roberto Carvalho Junior e Henrique de Oliveira; o médico ortopedista do
HUCFF Jose Carlos Cohen; a fisioterapeuta do HUCFF, Silvana Miranda; e o
médico pediatra do HUCFF e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ,
Antonio José Ledo da Cunha.
Sobre a Coppe
A
Coppe/UFRJ – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa
de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – é um dos
maiores centros de ensino e pesquisa em Engenharia, referência no Brasil
e no mundo. Com um amplo parque laboratorial que reúne mais de cem
instalações modernas e de alto nível, é um dos maiores complexos de
laboratórios da América Latina no campo de Engenharia.
Dez de seus treze programas de pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado) foram avaliados pela Capes com os conceitos 6 e 7
– os mais altos do sistema. Esse desempenho é equiparável aos dos mais
importantes centros de ensino e pesquisa do mundo.
Sua
estrutura e pesquisadores estão preparados para fazer frente aos novos
desafios em Energia, Engenharia da Saúde, Inteligência Artificial;
Bioeconomia; Economia Azul; Cidades Inteligentes e Soluções Tecnológicas
de Baixo Carbono.
Nenhum comentário:
Postar um comentário