A teoria encampada pelo candidato favorito à eleição presidencial argentina defende um Estado quase inexistente e liberdades individuais absolutas. Jéssica Petrovna para o Estadão:
Uma
teoria política que tem a liberdade individual como valor absoluto. É
assim que a enciclopédia da Universidade Stanford resume o
libertarianismo, que pode chegar à Casa Rosada se o economista Javier Milei repetir o feito das primárias na eleição para presidente da Argentina, em outubro.
Com a ideia de “explodir” o Banco Central e dolarizar a economia,
ele chamou a atenção de um país em crise, onde a inflação anual chega a
115%. Além de empolgar 30% dos eleitores nas prévias, mais de 7 milhões
de pessoas, as propostas radicais levaram a comparações com Jair Bolsonaro e Donald Trump.
Há semelhança na retórica contra o sistema, mas Javier Milei se afasta do conservadorismo no campo moral e define a si mesmo como “libertário” e “anarcocapitalista”.
“O
libertarianismo, como toda filosofia política, tenta responder a uma
pergunta: quando é legítimo o uso da força na sociedade? O libertário
vai dizer que o uso da força só é legitimo quando há violação da
integridade física, da vida ou da propriedade”, contextualiza o
presidente do Instituto Mises Brasil, Helio Beltrão.
A
partir desse princípio, o libertarianismo radicaliza a noção de Estado
mínimo. Defende que as liberdades individuais devem ser praticamente
absolutas e rechaça qualquer tipo de intervenção a menos que seja
destinada à defesa de um desses três pilares: a própria liberdade, a vida e a propriedade.
Javier
Milei, por exemplo, acha que o Estado não deve se meter para proibir o
casamento LGBT. Por outro lado, é contra o aborto (permitido na
Argentina) porque acredita que a vida começa no momento da concepção, e
avalia que interromper uma gravidez “fere o princípio de não agressão”.
Outro pilar do libertarianismo, a
propriedade, é lida como o resultado do trabalho e do esforço de cada
um — vira extensão do indivíduo, tão intocável quanto a vida e a
liberdade.
Nesse
sentido, os anarcocapitalistas veem a obrigação de financiar o Estado
como uma violação do patrimônio e se opõem aos programas sociais.
“Por
que [quem fala em justiça social] acha que tem o direito de violar a
propriedade, portanto o passado de uma pessoa, para dar para o outro?
Por que você vai tirar de Pedro e dar para Paulo? E no meio do caminho
ainda tomar um dinheiro para máquina pública. [...] Sistema de
redistribuição é caridade com o dinheiro dos outros. Viola a
propriedade, a dignidade e o passado de uma pessoa para dar para outra”,
declarou Beltrão.
A
ideia, define a enciclopédia de Stanford, é que as pessoas “não podem
ser coagidas a servir ao bem de outros membros da sociedade, nem mesmo
ao seu próprio bem pessoal”. Até porque, defendem os libertários, não
caberia ao Estado impor o que seria esse “bem pessoal”.
Outro
ponto central é que a economia deve ser uma “ordem espontânea”. É o
sistema de trabalho e de preços que deve fazer a roda girar, sem
qualquer tipo de interferência.
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Pelo
menos no campo da discussão filosófica, a ideia de autorregulação pode
ser extrapolada até para a fila de doação de órgãos com a permissão da
venda, como já declarou Milei.
“Minha
primeira propriedade é meu corpo. Por que não posso me livrar [de
partes] do meu corpo? São 7.500 pessoas sofrendo, esperando por
transplantes, alguma coisa não está indo bem. O que proponho é buscar
mecanismos de mercado para resolver esse problema”, disse ele.
O
problema é que sociedades — e mercados — são complexos. “É uma visão
idealizada de que tudo vai melhorar e a economia vai crescer com o
indivíduo usando a liberdade e estabelecendo relações de troca”, critica
Arthur Barrionuevo, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
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Os
críticos da teoria libertária podem até discordar em relação ao tamanho
do Estado, mas acreditam que essa instância de regulação é necessária.
Inclusive, para conter distorções do próprio mercado, como os monopólios
— quando determinado comércio é controlado por uma única empresa —, que
desequilibram os princípios de livre concorrência e autorregulação dos
preços pela lei de oferta e demanda.
“No
século XIX, por exemplo, o capitalismo era muito menos regulado do que é
hoje e as crises eram muito mais profundas. O Banco Central, o Tesouro,
ajudam a manter a estabilidade na economia. A experiência empírica não
favorece o argumento de que o mercado vai regular tudo”, afirma Arthur
Barrionuevo.
Outro
ponto que gera críticas ao libertarianismo é o social. “Concentrar tudo
na base do livre mercado gera desigualdade, pobreza sem qualquer apoio
(sem programas sociais, sem o SUS) e sem a assistência que qualquer país
minimamente organizado considera como um papel normal do Estado, como
saúde e educação pública. A sociedade precisa de qualquer instrumento de
ação coletiva. O mais importante deles é sempre o Estado”, defende
Barrionuevo.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi

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