MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 30 de setembro de 2023

De inevitável, só a morte e os impostos.

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

E se o caixão vier da China e custar mais de 50 dólares, dá-lhe 92 por cento de taxação. A crônica de Orlando Tosetto para a revista Crusoé:


O amigo conhece o ditado: de inevitável, neste mundo, só a morte e os impostos. Como todos os ditados, é meia-verdade. Porque a morte não foi inevitável para todos: dela escaparam Enoque, o profeta Elias, a maioria dos vampiros e todos os membros da Academia Brasileira de Letras. Já quanto aos impostos, bom, aí sim: não se conhece o nome de ninguém que deles tenha se livrado (e quem conseguiu, se existiu, não fez propaganda do fato). Ora, e com tudo isso, os sensatos ainda preferem os impostos à morte. Não sei até quando.

Não falo da reforma, não. Pego o exemplo da família. Minha tia e minhas primas têm o hábito de comprar coisas na China – não indo lá, evidentemente, mas sim pelo intermédio ou atravessamento dessas lojas de internet que vendem praticamente de tudo, de pavio para vela aromática até ração para girafa albina. Formando no pelotão dos remediados, as compras delas se enquadram no grande padrão nacional da baixa renda: tudo abaixo de 50 dólares, talvez até abaixo de 40, se é que não abaixo de 30 ou 20. Mas, enfim, houve lá uma vez ou outra, rara vez ou outra, em que a conta delas bateu em, digamos, 50 dólares e cinquenta cents, ou 50 dólares e sessenta e sete cents, por aí. Cinquenta dólares, sabem todos os que têm negócios com as lojas online do Catai, é o limite para comprar de fora sem pagar imposto adicional.

Até quase ontem mesmo, esses cents quebrados passavam batidos. Mas agora, como já andaram anunciando por aí as Lojas Aladim Ponto Com, não vão mais passar: estourou o limite das cinquenta doletas, tome 92% de taxação em cima (que é o que o governo brasileiro, esse fofo infalível, entendeu que deve ser cobrado de quem estoura o limite, sob o nome neutro de Remessa Conforme). Quer dizer: os 50 dólares e sessenta e sete cents se transformarão em 97 dólares e vinte e nove cents, se é que minha formação humanitária – sou de humanas, percebe? – não me fez errar nas contas. O fluxo de pacotes chineses vai cair drasticamente, senão na casa delas, onde elas sambam miudinho para se aviar, ao menos nas casas dos milionários que compram dois ou três dólares a mais.

Ora, é claro que a gente sabe – eu, pelo menos, sei – que é preciso pagar alguma coisa ao governo em troca dos serviços maravilhosos e das instituições impolutas e eficientes que ele, paizão, fica aí nos prodigalizando de graça. É até questão de justiça: como é que nosso presidentíssimo conseguiria ir nos abrilhantar, sei lá, no Paraguai se a gente não lhe pagasse o querosene do avião? Como é que quinhentos e treze deputados federais continuariam a sorrir belamente se a gente não lhes provesse o dentifrício? Como é que oitenta e um senadores apareceriam ante o cosmos tão bem vestidos se a gente lhes não subvencionasse os panos? E como é que os poderes, olha, os poderes!, poderiam continuar sendo tão poderosamente poderosos se a gente não lhes desse aquela fortalecida no orçamento?

Repito: questão de justiça.

E, mesmo assim, prevejo dias sombrios em que vai haver gente preferindo a morte aos impostos. Vão achar, talvez, que morrer por menos de 50 dólares livra o enterro de taxação adicional. Isso, claro, caso o caixão venha da China; o caixão nacional, creio, só paga os impostos daqui mesmo.

* * *

Vi também que o jamais assaz louvado senhor presidente andou dizendo por aí que “a sociedade não precisa saber como vota um ministro da Suprema Corte”. A frase causou sensação, e parece que até algum mal-estar, até mesmo entre gente que só tem visto maravilhas na administração atual. Não entendi bem por que o sobressalto: a história mostra que as pessoas que compartilham as inclinações ideológicas do excelso mandatário têm mesmo essa ideia de que quanto menos se conta à sociedade, mais feliz ela fica, e que, portanto, é de bom aviso exercer um certo controle da informação que chega até ela. Daí as conversas de regulação da mídia e o combate heroico às fake news, por exemplo.

Da minha parte, mesmo reconhecendo que, respaldada pelo olhar puro e pela voz aveludada e sincera do mais imaculado dos homens, a ideia se torna mesmo quase irresistível, ouso formar com os que acham que Sua Majestade, opa, perdão, Sua Excelência, ao menos neste caso, se equivoca. Não é que a sociedade não precise saber como vota a Suprema Corte: é que tanto faz.
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