Quem são as auto-denominadas Mentes Inclusivas que ditam cortes, correções e alterações a tudo o que vai sendo contado às crianças e divulgado ao povo? Jaime Nogueira Pinto para o Observador:
Walt
Disney era um cristão congregacionista e um republicano conservador que
queria perpetuar nas suas produções o culto do sonho e da fantasia para
“divertimento familiar”. Era um homem claramente de direita, que
aderira ao primeiro America First, o de Charles Lindbergh (tal como o
jovem John F. Kennedy e um outro futuro presidente dos EUA, Gerald
Ford); e que, em 1944 – juntamente com Gary Cooper, Cecil B. De Mille,
Victor Fleming, John Ford, Clark Gable, Adolphe Menjou, Robert
Montgomery, Dick Powell, Ayn Rand, Ronald Reagan, Ginger Rogers, Barbara
Stanwick, Robert Taylor, King Vidor, John Wayne e Sam Wood e outros –
fundara a Motion Pictures Aliance for the Preservation of American
Ideals, contra o radicalismo de esquerda que ameaçava invadir Hollywood e
em nome da vasta maioria do público e “da vasta maioria não organizada”
dos que trabalhavam “nesse grande meio de expressão, o Cinema.”
Da vasta maioria às vastas minorias
Na
impossibilidade de cancelar alguns dos velhos clássicos ou de os
refazer a todos de modo a não melindrar todo um conjunto potencialmente
infindável de minorias reais e imaginárias, a Disney passa agora a
incluir, obrigatoriamente, uma advertência:
“Este
programa inclui representações negativas e/ou tratamento pejorativo de
pessoas ou culturas. Estes estereótipos eram incorrectos na época e
continuam agora a sê-lo. Em vez de os remover, queremos reconhecer o seu
impacto prejudicial, aprender com ele, e despertar um diálogo para
criarmos juntos um futuro mais inclusivo”.
O
tratamento caricatural dos “povos asiáticos” nos Aristogatos; o coro
racista dos corvos em Dumbo; o retrato “unidimensional” dos índios no
Peter Pan ou o “orientalismo” de Aladino, merecem especial referência.
Entretanto,
para combater os estereótipos, as novas princesas da Disney tendem a
engolir sapos com bravura, a levar uma existência gélida e solitária e a
prescindir de príncipes (talvez uma minoria a considerar brevemente).
As auto-determinações e preferências sexuais minoritárias têm também
vindo a ser incluídas nos novos filmes infantis, proporcionando a muitos
pais o “divertimento familiar” de pré-visionar cuidadosamente todo e
qualquer filme da Disney que não contenha disclaimers, ou advertências
de incorrecção (garantia de que são anteriores ao afã inclusivo).
É,
no entanto, do remake não-animado de Branca de Neve que tem vindo
grande parte da animação polémica – e não é por a protagonista, Rachel
Zegler, se identificar como “latina”, adaptando à era do aquecimento
global a nevada branquitude de Branca; nem tão pouco pelo cancelamento
do beijo não-consentido do Príncipe (aliás, escusado, uma vez que Branca
se apresentava agora uma princesa moderna e “desperta”): o problema
vinha agora dos anões, ou de alguns anões. É que nesta versão da
história, com vista a não ofender a minoria em causa, os anões já não
eram anões (ou havia só um anão), eram “magic creatures” de vários
tamanhos, géneros e grupos étnicos.
Peter
Dinklage, o popular anão de A Guerra dos Tronos, disse-se satisfeito
com a decisão da Disney de banir “estereótipos fora de moda”; mas logo
na indústria cinematográfica se levantou o protesto dos actores-anões no
desemprego: que outra melhor oportunidade poderiam ter? Peter Dinklage
descobrira a mina de oiro, açambarcava todos os bons papéis de anão e
falava de barriga cheia. O porta-voz da Little People of America, uma
associação sem fins lucrativos dedicada ao bem-estar das pessoas “of
little stature and their families”, foi dos que mais se indignou com a
declaração do popular actor: quem era Dinklage para falar em nome dos
anões? E porque é que no filme de Rupert Sanders, Snow White and the
Huntsman (Branca de Neve e o Caçador) não havia anões – ou antes, os
anões eram interpretados por actores de estatura normal, como Ian
Mcshane, Bob Hoskins e Ray Winstone, usando duplos e manipulação
digital? Os anões deviam ser representados por anões, tudo mais era
“apropriação cultural”.
Mentes pouco inclusivas
Mas
a reescrita correctiva de antigos clássicos não se fica pelo cinema
norte-americano nem pela Disney. O zelo atinge também a obra de Agatha
Christie, que está agora a ser censurada com a autorização e a
cumplicidade dos seus herdeiros. Assim, para cortar o mal pela raiz e
evitar mal-entendidos, Ten Little Niggers, o célebre policial de 1939,
passará à designação mais neutra de And then There Were None. Roald Dahl
(1916-1990), o popular escritor britânico de livros infantis, com mais
de 300 milhões de exemplares vendidos, também sofreu igual sorte. Entre
as palavras censuradas na obra de Dahl estão fat, ugly, crazy e female.
Mother e father foram também convenientemente substituídos pela mais
fluída e inclusiva designação de parents.
“Vandalismo”,
é como C. J. Box, autor americano de best-sellers e criador de Joe
Pickett, classifica a actual fúria censória, sugerindo que os escritores
passem a incluir nos seus contratos cláusulas que proíbam expressamente
que fiscais que “não devem muito à inteligência” façam “correcções
imbecis” às suas obras. Salman Rushdie foi outra das mentes pouco
inclusivas a definir as alterações aos livros de Dahl como um
“vergonhoso e absurdo” exercício de censura.
No
Reino Unido, entre os 63% dos inquiridos que se pronunciaram contra as
correcções aos livros de Dhal promovidas pela Inclusive Minds estão
grande parte dos escritores, o primeiro-ministro, Rishi Sunak, e a
própria “Rainha má”, Camila, a Rainha consorte, grande entusiasta da
promoção da leitura entre crianças e adolescentes. Numa reunião com
escritores em Clarence House, em Fevereiro deste ano, Camila exortou os
presentes a não se deixarem pressionar e impressionar por quem acaso
pretendesse “cortar a vossa liberdade de expressão ou impor limites à
vossa imaginação.” E, glosando uma passagem de John Steinbeck,
pediu-lhes ainda que, nas suas obras, “não chiassem, temerosamente como
ratos, mas rugissem orgulhosamente como leões”, terminando, entre
risadas cúmplices dos ouvintes, com um “E mais não direi.” Mas disse, ou
escreveu, mais, pedindo por carta ao editor de Dhal que, em nome da
liberdade de expressão, mantivesse a versão original dos seus livros,
ainda que a par da versão corrigida pelas “Inclusive Minds”, se preciso
fosse.
Depois
da carta da Rainha, o Editor Puffin anunciou que além da edição
corrigida, censurada e inclusiva, publicará uma versão integral, sem
alterações.
A fada-madrinha da inclusão
Mas
quem são estas auto-denominadas Mentes Inclusivas que ditam cortes,
correcções e alterações a tudo o que é contado às crianças e divulgado
ao povo? São, segundo as mesmas, “pessoas apaixonadas pela inclusão e
acessibilidade da literatura infantil” e empenhadas em “não ferir ou
agredir sensibilidades”, contando para isso com toda uma vasta gama de
“inclusivity ambassadors and sensitivity readers”, de idades
compreendidas entre os oito e os trinta anos. Ora toda esta legião de
embaixadores da inclusão e de leitores de sensibilidades reporta – ou
reportava, até há pouco – a Jo Ross Barrett.
Googlando
Jo Ross Barrett ficamos a saber que a fada-madrinha da correcção
ideológica é, nas suas próprias palavras, “an experienced writer, editor
and inclusion consultant” que possui o dom da pluralidade e da
inclusão, reivindicando desde logo para si o pronome they. Define-se
também como “a queer autistic non-binary person with depression and
anxiety”, cujas áreas de especialidade incluem “aromantic-and
assexual-spectrum topics, the bi umbrela, disability, gender (including
transgender and non-binary topics) and intersectional feminism”. Foi
esta pessoa “eles” que liderou a equipa responsável por censurar e
reescrever os livros de Dahl de modo a adaptá-los às crianças de hoje
bem como outros livros da Macmillan Children’s Books, da Penguin Random
House Children’s e da Raspberry Books. Fica a advertência.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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