Aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem? Foi tudo uma ilusão? Carlos Alberto Sardenberg para o jornal O Globo:
O que a Petrobras
fará com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos,
inclusive da própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados
no âmbito da Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os
pagamentos foram indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.
Parte
do dinheiro pago pela Odebrecht foi para o Departamento de Estado dos
Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da Suíça. Colaboraram nas
investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys, usado pelo setor
de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de
propina a autoridades e políticos.
Mas,
se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito
de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.
A
Petrobras teve de pagar indenizações a acionistas que negociavam seus
papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo por meio do qual a estatal
brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais exatamente, a corrupção, o
petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu negativamente no
valor de suas ações.
Mas,
se foi “armação”, todas essas indenizações foram indevidas. E então,
que órgão do governo brasileiro organizará as cobranças aqui e lá fora?
Ou vai ficar tudo por isso mesmo?
Ocorre que o ministro Dias Toffoli
encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos
envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para
apurar eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de
Curitiba até a Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais —
centenas de gestores.
Um
deles está ali mesmo, ao lado de Toffoli, numa cadeira do Supremo.
Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU. O órgão foi parte ativa nos
acordos de leniência, como o próprio Mendonça confirmou e elogiou numa
entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU continuava
patrocinando outros acordos.
No
total, os acordos de leniência levaram a pagamentos de R$ 25 bilhões a
diversas empresas estatais e instâncias de governos estaduais e federal.
Também há complicação no âmbito do Judiciário. Em 23 de abril de 2019, a
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex
do Guarujá. O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018,
com base no entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena
depois da condenação em segunda instância. E o plenário do STF,
em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da
prisão. A decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário.
“Armação”?
A
recente decisão de Dias Toffoli foi monocrática, assim como fora a de
Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021, anulou todas as condenações
de Lula na Lava-Jato. Argumentou que o processo deveria ter sido aberto
em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita cinco anos depois
da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo —
o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha
sentença, eu não mexo na sua.
Depois disso, o então ministro Ricardo Lewandowski
tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da Odebrecht
nos processos de Lula. Toffoli completou o serviço, anulando toda a
delação. Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma
sequência de decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações
foram irregulares, o que dispensa, nessa grande “armação”, a
verificação das provas. Quer dizer: aqueles computadores e programas da
Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.
Tudo
considerado, há uma conclusão que se pode tirar para preservar a
democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu o advogado, jurista e
ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as decisões
monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito como
está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90%
dos casos. Dá nisso.
Agora,
quem quiser saber a história real, está no livro de Malu Gaspar “A
organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.
Suas Excelências deveriam ler.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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