A terceira via no debate das mudanças climáticas já chegou, escreve Eli Vieira, em reportagem para a Gazeta do Povo:
No
mês passado (dia 27 de julho), António Guterres, Secretário-Geral da
ONU, decidiu escalar a retórica a respeito das mudanças climáticas. “A
era do aquecimento global acabou”, declarou ele, na sede da organização.
“A era da ebulição global chegou”. Se a mudança de terminologia der
certo, será o quarto nome popular para o problema desde os anos 1990:
efeito estufa, aquecimento global, mudanças climáticas, ebulição global.
Boa
parte da imprensa colabora para o aquecimento retórico: o New York
Times, no fim de 2021, dedicou um time de 40 pessoas ao projeto “Cartões
postais de um mundo em chamas”, com direito a uma animação do planeta
Terra pegando fogo. Em toda a mídia anglófona, menções a queimadas,
geralmente no contexto das mudanças climáticas, só aumentaram nos
últimos 13 anos, como mostra o gráfico abaixo. Há um problema de
descompasso com a realidade, contudo: no período, a área de terra seca
global que sofreu queimadas diminuiu.
A terceira via no debate das mudanças climáticas já chegou
Os dados das duas tendências são públicos: a Nasa publica os
dados a respeito das queimadas, e as menções a queimadas em inglês
(“wildfire”) são acessíveis no projeto News On the Web (NOW), mantido
pelo americano Mark Davies, professor aposentado de linguística da
Universidade Brigham Young — são 18 bilhões de palavras coletadas do
jornalismo de 20 países desde 2010.
Quem
chamou a atenção para esses dados, nas redes sociais e no jornal Wall
Street Journal, foi o estatístico e cientista político dinamarquês Bjørn
Lomborg, um veterano da crítica ao alarmismo climático que, junto com
essa postura, afirma que o planeta está passando por um aquecimento e
que o ser humano tem responsabilidade nisso.
O
debate das mudanças climáticas se polarizou rapidamente nas últimas
décadas entre visões catastróficas como a de Guterres e ativistas de
ONGs como a Just Stop Oil e a Extinction Rebellion, que têm irritado os cidadãos europeus com ações como impedir o trânsito, vandalizar famosas obras de arte
e manifestações barulhentas; e aqueles que negam o aquecimento, a
participação humana nele ou ambos, opinião impopular entre cientistas do
clima.
Lomborg
é uma das estrelas do que pode ser considerada uma terceira via no
debate: a visão de que há aquecimento com participação humana, mas que o
problema foi exagerado pelos ativistas e parte das autoridades,
instituições e até alguns cientistas. Quando estudante, ele era membro
do grupo Greenpeace. Em 1997, ao ler uma entrevista em que o economista
Julian Simon criticava o ambientalismo, Lomborg, na época professor
universitário, tentou com seus estudantes derrubar as críticas, mas
descobriu que Simon tinha razão.
Trajetória
similar teve o americano Michael Shellenberger, profissional de
relações públicas que atuou por muitos anos no ativismo ambientalista.
Além de concluir que o alarmismo climático é danoso, Shellenberger
apontou que muitos ambientalistas prejudicam o clima e pioram a situação
por fazerem campanha contra a energia nuclear, uma das mais limpas que
existem. Shellenberger e Lomborg publicaram cada um seu bestseller
concomitantemente em meados de 2020: “Apocalypse Never” (editora LVM, 2021) e “False Alarm” (“Alarme Falso”, sem edição no Brasil), respectivamente.
Os
autores não estão sozinhos. Roger Pielke Jr., matemático e cientista
político americano que já teve seu trabalho acadêmico citado pelo Painel
Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), tem
essencialmente a mesma mensagem em sua publicação The Honest Broker,
uma newsletter da plataforma Substack que é hoje sua principal
profissão. Pielke deixa claro que o IPCC é de importância salutar, mas
faz críticas a detalhes técnicos de seus relatórios, especialmente
quando caem no exagero. Ele explica que os cientistas que colaboram para
o IPCC raramente fazem alarmismo climático, é a imprensa e autoridades
como Guterres que selecionam informações nos relatórios dessa forma.
Climatologista com 30 anos de experiência foi ostracizada por enfatizar dúvidas
Climatologistas
não estão ausentes da terceira via. Judith Curry, com doutorado em
ciências geofísicas pela Universidade de Chicago, já publicou mais de
130 artigos sobre o clima e foi citada 25 mil vezes no Google Acadêmico.
Em vez de denunciar céticos das mudanças climáticas, ela decidiu
debater com eles e acredita que aprendeu muito considerando sua
perspectiva. Em 2015, Curry depôs perante o Congresso americano. “O
contrato social atual entre o Governo Obama e os climatologistas”, disse
a cientista, “é que se você disser coisas alarmantes, você vai ganhar
muita verba. Parece que é assim que as coisas funcionam e isso é muito,
muito pernicioso para a ciência”.
“As
mudanças climáticas antropogênicas”, acrescentou Curry no depoimento
escrito, “são uma teoria na qual o mecanismo básico é bem entendido, mas
cuja magnitude é altamente incerta. Os cientistas concordam que as
temperaturas da superfície aumentaram desde 1880” e que o ser humano
teve parte nisso por emitir gases de carbono. “Contudo, há discordância
considerável a respeito das questões mais importantes: se o aquecimento
foi dominado por causas humanas em vez de variabilidade natural, o
quanto o planeta vai se aquecer no século XXI, e se o aquecimento é
‘perigoso’”.
Em entrevista mais recente ao intelectual francês Guy Sorman,
em 2019, Judith Curry reiterou essa mensagem e asseverou: “alguns acham
reconfortante acreditar que nós dominamos o assunto” do clima e “nada
chateia mais cientistas que a incerteza”. Desde sua aparição no
Congresso, ela deixou a academia. “Independência mental e climatologia
se tornaram incompatíveis”, comentou.
Pode
ser que a maré de alarmismo encontre resistência do próprio IPCC. Desde
o mês passado, o órgão tem um novo diretor, o britânico Jim Skea,
professor de energia sustentável do Imperial College com quatro décadas
de experiência. Na primeira entrevista no cargo à revista Der Spiegel,
Skea disse que “não devemos nos desesperar e cair num estado de choque” a
respeito da meta de limitar o aquecimento a 1,5°C desde a era pré-industrial.
A outro veículo alemão, a agência DPA, ele acrescentou que “se você
comunicar constantemente a mensagem de que estamos fadados à extinção,
isso paralisa as pessoas e as impede de tomar as medidas necessárias
para lidar com as mudanças climáticas”. “O mundo não vai acabar”,
concluiu, “mas será um mundo mais perigoso”.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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