O retorno da contribuição obrigatória apenas aumentará o ranço dos trabalhadores com sindicatos que muitas vezes não os representam adequadamente. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
O governo Lula quer recriar o imposto sindical obrigatório
ou alguma outra forma de financiar os sindicatos — por exemplo, por
meio de uma taxa negocial, uma comissão que os trabalhadores teriam que
pagar ao sindicato quando este obtém vantagens ou reajustes salariais
nas negociações com os patrões. A contribuição compulsória aos
sindicatos, que equivalia ao salário de um dia de trabalho por ano do
trabalhador, foi extinta na reforma trabalhista aprovada durante o
governo de Michel Temer, em 2017. A nova taxa aventada pelo ministro do
Trabalho, Luiz Marinho, daria uma mordida ainda maior na renda dos
trabalhadores: 1% do seu rendimento anual, o que equivaleria a uma
contribuição três vezes maior do que a do antigo imposto sindical. Em
vez disso, para fortalecer os (bons) sindicatos de trabalhadores, o
governo deveria aplicar a lógica do livre mercado.
Atualmente,
no Brasil, os sindicatos têm monopólio de representação dos
trabalhadores. Só pode existir um para cada categoria profissional em
cada localidade (municípios, estados e em nível nacional). Ou seja, não
existe concorrência entre sindicatos — como existe concorrência entre
empresas em um contexto de livre mercado. Com isso, muitos sindicatos se
acomodaram em sua condição de representantes únicos de uma categoria em
determinado local. Em vez de mostrar serviço para atrair gente disposta
a se sindicalizar e a contribuir voluntariamente em troca de conquistas
coletivas (e individuais, como veremos mais à frente), seus dirigentes
ficam sentados esperando o dinheiro da contribuição obrigatória pingar
nos cofres de suas entidades.
A
queda brutal na receita dos sindicatos desde a reforma trabalhista é
uma prova de que o serviço que a maioria deles prestava aos
trabalhadores era pífio. Em 2017, ano da reforma, sindicatos,
federações, confederações e centrais sindicais arrecadaram 3,6 bilhões
de reais. Cinco anos depois, a receita não passa de 70 milhões de reais.
Ou seja, os trabalhadores não veem vantagem em contribuir para os
sindicatos.
Os
defensores da volta do imposto sindical dizem que, sem ele, os
sindicatos perdem receita porque os trabalhadores sabem que, mesmo não
contribuindo voluntariamente, serão beneficiados por qualquer negociação
coletiva bem sucedida da mesma forma que os sindicalizados que pagam
regularmente. Esse é um dilema conhecido na ciência política.
No
livro A Lógica da Ação Coletiva (Edusp, 2015), de 1965, o economista
americano Mansur Olson desenvolveu uma teoria da ação coletiva, ou seja,
de como grupos de pessoas, de empresas ou de entidades se organizam
para defender seus interesses comuns. São os chamados grupos de pressão
ou de interesse. Um dos paradoxos na formação desses grupos, segundo
Olson, diz respeito justamente ao incentivo que seus membros têm para
contribuir para o esforço coletivo, já que isso tem um custo individual
(de tempo ou dinheiro, por exemplo). No caso de uma associação
empresarial, uma conquista setorial (a aprovação de uma lei que reduz
imposto para a compra de carros, por exemplo) favorece também os
competidores. No caso de um sindicato, o esforço de outros trabalhadores
para obter uma conquista favorece também quem não mexeu uma palha para
ajudar.
Se
o fato de um membro deixar de dar a sua contribuição, enquanto os
outros o fazem, não o impede de se beneficiar do resultado da ação
coletiva, o que poderia incentivá-lo a participar ou a contribuir?
Voluntarismo? Ideologia? Patriotismo? Laços sociais (amizade)? Olson
afirma que é por meio de estratégias de coerção (ainda que sutis, como a
impossibilidade de exercer uma profissão se não for associado ao grupo)
ou ao oferecer outros serviços não-coletivos (ou seja, vantagens
individuais), que as organizações garantem o engajamento ou contribuição
de seus membros.
Outro
dilema que acomete os sindicatos é a distinção entre grupos pequenos e
grandes. Se os indivíduos estão preocupados com o próprio bem-estar, em
grupos grandes eles não têm incentivos para assumir os custos para agir
em prol do benefício coletivo. Por outro lado, ainda que os sindicatos
geralmente sejam grupos grandes (com muitos membros), eles têm uma
característica inclusiva. Ou seja, a entrada de novos membros não reduz
os benefícios coletivos (em outros contextos, existe uma fração do ganho
total que cada membro poderá obter) e, além disso, pode reduzir os
custos para obtê-los.
O
desafio de convencer os trabalhadores a se sindicalizar e contribuir
voluntariamente, porém, permanece mesmo diante do fato de que a entrada
de novos membros não reduz os benefícios coletivos e ainda por cima
dilui os custos individuais. Afinal, esses são argumentos para que os
sindicatos busquem atrair novos integrantes. Mas qual seria o argumento
para influenciar na decisão individual do trabalhador em se
sindicalizar? Questões sociais (laços de amizade, status, etc.) podem
ser um fator de incentivo à participação ou contribuição, mas Olson
demonstra ele funciona melhor em grupos pequenos.
Em
um contexto de concorrência entre sindicatos, em uma lógica de livre
mercado, sem monopólio de representação (o que dificulta o convencimento
por coerção), os dirigentes precisam se esforçar para oferecer
vantagens individuais, além das coletivas, aos trabalhadores que
aceitarem se sindicalizar.
Muitos
sindicatos brasileiros já fazem isso, por exemplo estabelecendo
parcerias com planos de saúde, clubes e instituições de ensino para
oferecer descontos aos associados, disponibilizando assessoria jurídica
não apenas para ações coletivas, mas também para resolver questões
trabalhistas individuais, ou realizando eventos sociais e de lazer. Mas
ainda há muito a melhorar nesses serviços — seja em qualidade, seja em
variedade.
O
fim da unicidade sindical e a lógica do livre mercado é o melhor
caminho (árduo, é verdade) para fortalecer os sindicatos. O retorno da
contribuição obrigatória apenas aumentará o ranço dos trabalhadores com
sindicatos que muitas vezes não os representam adequadamente.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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