Ao distorcer o conteúdo de decisão judicial para reeditar a historieta do golpe, Lula ofende o Congresso e o Judiciário – e alimenta a ideia de que só é democrático o que lhe agrada. Editorial do Estadão:
O
presidente Lula acha que o Brasil deve desculpas e reparações a Dilma
Rousseff. Em entrevista durante sua passagem por Angola, referindo-se à
decisão do Tribunal Regional da 1.ª Região (TRF-1) de arquivar uma ação
de improbidade pelas “pedaladas fiscais”, Lula disse: “A Justiça Federal
absolveu a companheira Dilma da acusação da pedalada”. A afirmação do
presidente petista é mais uma tentativa de desinformar e confundir os
brasileiros. O TRF-1 nem sequer avaliou o mérito da acusação, tampouco
desautorizou a sentença do Congresso que condenou Dilma Rousseff por
crime de responsabilidade em função das pedaladas fiscais.
A
decisão do TRF-1 foi proferida em ação de improbidade administrativa
proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Dilma e
integrantes de seu governo por valerem-se “dos altos cargos que ocupavam
na direção do governo federal para maquiar as estatísticas fiscais com
evidente propósito de melhorar a percepção da performance governamental e
ocultar uma crise fiscal e econômica iminente, ao tempo em que
comprometiam ainda mais a saúde financeira do Estado”. A acusação
baseia-se em irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da
União (TCU), que depois, por unanimidade, reprovou o governo,
determinando que 17 autoridades explicassem as práticas ilegais.
Como
se sabe, o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff refere-se a
esses mesmos fatos, em particular à edição de três decretos de crédito
suplementar sem autorização do Congresso e ao atraso nos repasses de
recursos do Tesouro a bancos públicos para o pagamento de programas
sociais. Autorizada sua abertura pela Câmara, o processo foi julgado
pelo Senado, que condenou Dilma Rousseff por crime de responsabilidade.
Em
2022, a ação de improbidade foi arquivada pelo juízo de primeira
instância. Ele não contestou a decisão do Congresso, antes reconheceu
que a presidente Dilma já havia sido condenada por aqueles mesmos fatos
no âmbito do processo de impeachment. Não cabia, portanto, uma dupla
responsabilização, agora por meio da Lei de Improbidade Administrativa.
“Houve
uma extinção da ação, sem resolução do mérito”, disse ao Estado a
advogada Vera Chemim, mestre em Direito Público Administrativo pela
Fundação Getulio Vargas. “Não é uma questão de inocentar, e sim de
caráter formal e processual.” A decisão do TRF-1 simplesmente rejeitou o
recurso do MPF que havia questionado o arquivamento em primeira
instância.
Em
vez de respeitar os fatos, Lula e o PT querem, no entanto, confundir a
população, dando a entender que a Justiça teria declarado agora que as
pedaladas fiscais não existiram. No conto petista, a decisão do TRF-1
seria a grande prova do golpe. “Entendo que cabe um projeto de resolução
nesse sentido com base na decisão do TRF-1, que deixa claro que o
impeachment foi uma grande farsa, que a história das pedaladas foi uma
armação, literalmente um golpe”, disse a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann, ao jornal Folha de S.Paulo. “O Brasil deve desculpas à
presidente Dilma, porque ela foi cassada de forma leviana”, afirmou
Lula.
A
rigor, essa tentativa de distorção de uma decisão judicial por parte do
PT é uma agressão às instituições democráticas. No processo de
impeachment de Dilma Rousseff, não houve nenhum golpe. O Congresso
aplicou a Constituição e as leis do País. E justamente porque foi uma
condenação perfeitamente válida, a Justiça reconheceu agora que não
cabia instaurar um novo processo pelos mesmos fatos.
Em
vez de acolherem o conteúdo da decisão do TRF-1, Lula e seu partido
preferem fabricar desinformação. E essa manobra não consiste meramente
na invenção de uma versão irreal dos fatos, o que por si só é muito
grave: afinal, Lula está usando um cargo público para distorcer a
compreensão por parte da população de uma decisão da Justiça. Com a
reedição da historieta do golpe, Lula e o PT desautorizam uma vez mais o
exercício de uma atribuição constitucional do Congresso. Alimentam,
assim, a equivocada ideia de que só é democrático o que lhes agrada.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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