A farra das legendas irrelevantes também é financiada pelos pagadores de impostos. Augusto Nunes via Oeste:
Quatro
vezes prefeito de Taquaritinga, meu pai estreou em campanhas eleitorais
no fim de 1947 e só deixou de lutar por votos no crepúsculo de 1986,
quando a morte o impediu de completar o último mandato. Fiquei fora da
primeira campanha por um impedimento incontornável: ainda não tinha
nascido. Não perdi nenhuma das batalhas seguintes, aplaudindo no meio da
plateia ou arengando no palanque. Ouvi muito foguetório, muito
palavrório, muita marchinha laudatória, muita salva de palmas, muito
grito de “apoiado!” (além de muito insulto ao candidato adversário).
Também vi todo tipo de santinho, faixa, cartaz, retrato ou reprodução de
cédulas preenchidas (além do indispensável bêbado de comício e do
igualmente essencial moleque pendurado a 2 metros do microfone,
garantindo com poderosas aspirações que a coriza permanecesse entre o
nariz e a boca). Mas nunca vi nem ouvi uma única e escassa referência ao
partido que abrigava aquela gente aglomerada na carroceria do caminhão.
Meu
pai foi filiado ao PTB, ao PTN, ao MDB e ao PMDB. O resultado da
eleição teria sido o mesmo caso fosse candidato pelo BNDES ou pelo FBI.
Brasileiro não vota em partido, sobretudo em eleições municipais.
Escolhe uma pessoa, seja qual for a sigla que habite. Foi assim antes do
bipartidarismo inventado pelo regime militar. Continuou a ser assim nos
tempos em que grupos distintos tiveram de espremer-se em sublegendas da
Arena e do MDB. E assim será até que apareçam partidos de verdade, como
os que existem nas democracias maduras. Nessas paragens, os que
efetivamente importam são dois ou três. Nos Estados Unidos, por exemplo,
o eleitorado se dá por satisfeito com o permanente duelo entre o
Partido Democrata e o Partido Republicano — o que não exclui a
existência de legendas liliputianas nem proíbe o lançamento de
candidaturas avulsas. Democratas e republicanos abrigam correntes que
disputam nas eleições primárias o direito de indicar o candidato à
Presidência. Consumada a escolha, os grupos desavindos se unem no
esforço para derrotar o inimigo principal na corrida rumo à Casa Branca.
O
Brasil é um deserto de partidos reais infestado por 33 siglas. Duas
delas quase conseguiram tornar-se adultas: o PT e o PSDB. Tanto o
Partido dos Trabalhadores quanto o Partido da Social Democracia
Brasileira fracassaram por excesso de corporativismo, falta de vergonha e
escassez de condutores de multidões. Depois que os militantes engoliram
sem engasgos a roubalheira do Mensalão e a ladroagem do Petrolão, o PT
virou uma seita cujos devotos enxergam seu único deus num corrupto
condenado duas vezes em segunda instância. Como o chefe é maior que a
legenda por ele cavalgada, já não existe o petismo. O que há é o
lulismo, da mesma forma que houve o janismo, o ademarismo ou o
getulismo. Esses ismos acabam quando morre quem os gerou.
O
PSDB assemelhou-se a um partido de verdade nos trabalhos de parto e
durante a primeira infância. A escolha do tucano como símbolo
inspirou-se no elefante dos republicanos ianques e no burro dos
democratas. Fundado em junho de 1988 por dissidentes de um MDB submerso
no pântano da corrupção, a sigla resultante da diáspora de políticos
honestos deixou o partido de origem com cara de Quércia — e
transformou-se numa espécie de opção pela honradez. Fortalecido pelos
dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, o PSDB parecia
a caminho da maioridade até dezembro de 2005, quando cometeu o primeiro
de dois grandes equívocos que o tornariam igual a todos os outros.
Confrontados com a descoberta do mensalão mineiro, os caciques do PSDB
não tiveram suficiente coragem para afastar da presidência nacional do
partido o ex-governador Eduardo Azeredo.
Dez
anos depois, o desastre foi reprisado pela absolvição de Aécio Neves,
no mesmo dia da divulgação da conversa telefônica com Joesley Batista
que escancarou Mr. Hyde escondido sob o jaleco do Dr. Jekyll. Graças à
desastrosa reincidência, o PSDB hoje é o partido que poderia ter sido e
não foi. Jamais será, constatou-se neste 21 de novembro. Pode governar o
país uma tribo incapaz de promover uma eleição doméstica com menos de
50 mil votantes? Não pode, responderia se soubesse falar qualquer tucano
da linhagem que vive na mata e só abre o bico para alimentar-se. A
variante loquaz e engravatada que é vista em cidades ainda acha que sim —
e vai tentar concluir neste domingo a escolha do candidato ao terceiro
lugar na eleição de 2022.
A
votação foi interrompida ainda em seu início pelo colapso do aplicativo
concebido por sumidades de uma universidade gaúcha. Nenhum dirigente
fez a gentileza de esclarecer o que houve, ninguém tampouco procurou
justificar o preço do fiasco: a modernidade consumiu R$ 1,5 milhão. Os
grão-tucanos limitaram-se a encomendar um segundo aplicativo a outro
especialista — e vida que segue. É compreensível que os partidos
brasileiros torrem dinheiro sem remorso nem medo da polícia. Todas as
contas são espetadas nos bolsos dos pagadores de impostos, forçados por
lei a bancar também a farra das siglas inúteis.
Nas
democracias modernas, partidos políticos e duelos eleitorais são
financiados por eventos organizados pelos comitês e contribuições feitas
às claras, sem truques nem camuflagens, por indivíduos ou empresas. O
governo não desperdiça um único centavo. No País do Carnaval, duas
brasileirices — o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral — usam dinheiro
dos pagadores de impostos para bancar as atividades e a sobrevivência de
33 sopas de letras. Entre janeiro e outubro, por exemplo, o Fundo
Partidário distribuiu R$ 783 milhões entre 23 partidos. É compreensível
que os tucanos, presenteados com quase R$ 49 milhões, não percam o sono
com preços de aplicativos. A lista é liderada pelo PSL (R$ 93,5
milhões). Segundo colocado (com perto de R$ 80 milhões), o PT nem
vistoriou a pequena fortuna que patrocinou o giro europeu de Lula, sua
mulher e quatro companheiros. Sobra dinheiro. E em 2022 a verba anual do
Fundo Partidário será engordada pelos bilhões doados a cada dois anos
pelo Fundo Eleitoral.
Em
2020, uma chuva de mais de R$ 2 bilhões irrigou todas as siglas. A fila
dos beneficiários foi puxada pelo PT (R$ 201 milhões) e molhou até o
G-6 formado por meia dúzia de inutilidades, cada uma com direito a R$
1,2 milhão. Nesse buquê de vogais e consoantes figuram o Partido da
Causa Operária (PCO) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
(PSTU), cujos simpatizantes, somados, caberiam numa van. Talvez até
sobrasse lugar para os eleitores da Democracia Cristã (DC), controlada
por José Maria Eymael — aquele mesmo da exasperante musiquinha ouvida no
horário eleitoral nas cinco temporadas em que foi candidato à
Presidência. Eymael já não sonha com o inquilinato no Palácio do
Planalto. Agora prefere ficar em casa durante a campanha, decerto
pensando na melhor maneira de gastar os R$ 4 milhões que o Fundo
Eleitoral lhe reservou. Administrar partidos, reais ou inexistentes,
virou um negócio e tanto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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