O presidente que emperra a vacinação de crianças é o mesmo do desemprego, da inflação e do empobrecimento. Artigo de Rolf Kuntz para o Estadão:
Mais
do que nunca, apesar de Bolsonaro, Queiroga e seus assemelhados, é
preciso insistir nos votos de feliz ano novo, mesmo diante da
perspectiva de mais 12 meses de irresponsabilidade, incompetência e
desmandos. É preciso manter a esperança e fazer o possível para
dificultar o avanço da perversão e da barbárie. O pior presidente da
história brasileira encerrou 2021 emperrando a vacinação de crianças
contra a covid-19. Já havia retardado, em 2020, a vacinação de adultos,
num jogo sinistro com centenas de milhares de vidas. Desta vez, além de
questionar a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), cobrou os nomes de quem participou da decisão. Com seu
exemplo, incitou militantes do ódio a ameaçar diretores da agência.
Obediente a seu amo, o ministro da Saúde – sim, da Saúde – anunciou uma
consulta pública sobre a imunização das crianças, como se esse fosse o
meio de resolver uma questão técnica e científica.
Ao
dificultar essa vacinação, o presidente Bolsonaro acrescentou um
capítulo especial a seu currículo tenebroso. Até aí, havia ameaçado as
crianças de forma indireta, empobrecendo sua família, comprometendo sua
educação e pondo em risco seus pais. O defensor da cloroquina, do kit
covid e do famigerado tratamento precoce é o grande responsável, também,
pela estagnação econômica, pela inflação acima de 10% e pelo desemprego
acima dos padrões internacionais. O mesmo desgoverno produz o desastre
sanitário, a destruição das florestas, o desarranjo dos negócios, a
explosão dos preços e o reaparecimento da fome.
É
preciso insistir, apesar de tudo, em desejar e buscar um feliz 2022,
mas sem autoengano. As projeções indicam para o próximo ano um
crescimento econômico na faixa de zero a 0,5%. A inflação de 2021 deve
ter sido quase o dobro do teto da meta. A meta é 3,75% e o limite
superior de tolerância, 5,25%. Para o próximo ano os dois sinalizadores
são 3,50% e 5%, mas já se previu, na semana passada, uma alta de preços
de 5,03%. Tentando frear os preços, o Banco Central (BC) já elevou os
juros básicos a 9,25%. Em fevereiro a taxa deverá chegar a 10,75%. Em
dezembro estará provavelmente acima de 11,25%.
Com
inflação disparada, renda familiar corroída e juros muito altos, o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dificilmente será superior
àquele 0,5% já estimado. Com isso, as condições de trabalho continuarão
muito ruins, mesmo com alguma redução do desemprego. O último
levantamento, referente ao trimestre móvel encerrado em setembro,
indicou 13,5 milhões de desocupados, 12,6% da população economicamente
ativa. Nos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a média recuou de 5,8% em setembro para 5,7% em
outubro. A organização é formada principalmente por países desenvolvidos
e alguns emergentes, incluídos Turquia, Chile, Colômbia, Costa Rica e
México.
A
economia brasileira continuará em excessiva dependência do agronegócio,
o segmento mais dinâmico e mais competitivo da produção nacional. A
indústria já ia mal antes do período Bolsonaro, piorou a partir de 2019 e
nada se fez, nestes quase três anos, pela recuperação do setor
industrial.
Nem
se pode, a rigor, falar de uma política econômica. Não há planos, nem
metas, nem programas. A única reforma relevante, desde o começo do atual
mandato, foi a da Previdência, um assunto já encaminhado pelo
presidente Michel Temer. Na área econômica federal, só dois organismos
demonstraram eficiência e alguma clareza de objetivos neste período – o
Ministério da Agricultura e o Banco Central.
A
maior parte da administração central tem padrão compatível com as
qualidades do presidente. Os problemas climáticos de 2021 estavam
previstos no começo do ano, mas nada ou quase nada se fez para um
enfrentamento ordenado e eficiente da redução da água em reservatórios e
da crise energética. Na área da saúde, os cuidados com a pandemia
dependeram basicamente dos governos estaduais e municipais. As
intervenções do presidente foram em geral marcadas pelo negacionismo,
pela rivalidade com governadores e pelo empenho em manter a comunicação
com os militantes do ódio.
A
resistência, pelo menos inicial, à vacinação de crianças é compatível
com o comportamento mantido até agora pelo presidente e por ministros da
área. “A pressa é inimiga da perfeição”, disse o ministro Marcelo
Queiroga, fiel continuador do general Eduardo Pazuello, num patético
esforço de justificação. No seu caso, a imperfeição decorre muito mais
da incapacidade administrativa, da subserviência a um chefe despreparado
e do aparente esquecimento dos deveres de médico. Dois colegas de
profissão, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o antecederam no
posto, na gestão Bolsonaro, e rejeitaram as ideias do presidente sobre
como agir na pandemia. O ministro mais duradouro foi Pazuello, famoso
como pregador da obediência. Será lembrado também pela inércia de seu
ministério enquanto pacientes de covid morriam sem oxigênio em Manaus.
Esse padrão permanece e permanecerá, tudo indica, definindo o desgoverno
bolsonariano.
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