O jantar que lembrou um saidão de Natal da Lava Jato avisa: Alckmin esqueceu o que Lula fez nos últimos 15 anos. Augusto Nunes para a revista Oeste:
O
jantar estrelado por Lula, com Geraldo Alckmin caprichando no papel de
principal coadjuvante, foi uma espécie de encontro dos beneficiários do
saídão de Natal da turma da Lava Jato, engrossado por representantes do
Clube dos Bandidos de Estimação do Supremo Tribunal Federal e da
Associação dos Culpados Condenados à Eterna Impunidade, além de
veteranos do Mensalão e do Petrolão. E confirmou aos berros a teoria
formulada pelo jornalista Ivan Lessa: a cada 15 anos, o Brasil esquece o
que aconteceu nos 15 anos anteriores. A troca de afagos retóricos entre
os dois velhos desafetos, por exemplo, atestou que nenhum deles se
recorda da pancadaria verbal que agitou a campanha presidencial de 2006.
Num debate na Band, por exemplo, o tucano que deixara o governo de São
Paulo para entrar na corrida rumo ao Planalto valeu-se do escândalo do
Mensalão, devassado entre junho e outubro do ano anterior, para colar na
testa de Lula o selo de corrupto. Candidato a um segundo mandato, o
chefão do PT acusou o adversário de abortar CPIs em gestação para
impedir o esclarecimento de bandalheiras regionais.
Os
sorrisos e abraços registrados no restaurante em São Paulo avisam que
os dois também esqueceram o que andaram fazendo e dizendo nos verões
seguintes (e também nas primaveras, nos outonos e nos invernos). Alckmin
colecionou temporadas no Palácio dos Bandeirantes alertando para o
perigo: em São Paulo, o PT não lançava candidatos; lançava ameaças.
Nenhum exagero. O mais importante Estado brasileiro correu o risco de
ter no governo casos de polícia como José Dirceu, José Genoino e o
próprio Lula, fora o resto. Os petistas replicavam com o mantra que
comparava o inimigo a um picolé de chuchu, com as sucessivas exumações
do “mensalão mineiro”, protagonizado por oficiais graduados do PSDB, e
com tentativas de equiparar os feitos de um Paulo Preto aos assombros
produzidos pelo alto comando do partido que virou bando.
Na
campanha de 2018, novamente em busca da Presidência, Alckmin demonstrou
que suas memórias do PT continuavam frescas. “Os brasileiros não são
tolos”, avisou num discurso. “Vejam a audácia dessa turma. Depois de ter
quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja: quer
voltar à cena do crime. Será que os petistas merecem uma nova
oportunidade?”. Claro que não, enfatizou. “Lula será condenado nas urnas
por ter sucateado a nossa saúde, pelo desgoverno, pela destruição da
Petrobras, por jogar brasileiros contra brasileiros.” Essa catilinária,
como todas as outras, perdeu o prazo de validade quando alguém teve a
ideia surpreendente: que tal uma chapa encabeçada por Lula com Alckmin
como candidato a vice? Foi essa parceria tão improvável quanto
indecorosa que juntou quase 500 pessoas num jantar organizado por
advogados que lutam pelo estancamento da sangria que inquietava Romero
Jucá, sonham com a prisão de todos os brasileiros que aplaudiram o
desempenho da Lava Jato e consideram a corrupção essencial para o
crescimento da economia nacional.
(Pausa
para a visita de lembranças longínquas. Como no resto do mundo, na
Taquaritinga em que vivi até o fim da adolescência ocorriam combinações
estranhas, alianças bizarras, malabarismos eleitoreiros de alta
periculosidade. Mas também para essas acrobacias havia limites,
demarcados pelo sentimento da honra. Era a vergonha na cara que riscava a
difusa fronteira que separa a crítica feroz da infâmia intragável.
“Vejamos o exemplo elementar: um homem íntegro não pode admitir que o
qualifiquem de ladrão”, ensinava o advogado Carlos Pastore, que inibia
com uma advertência soberba quem cruzasse a linha inviolável:
“Considere-se proibido de me saudar”. Se não reagissem com altivez à
ultrapassagem dessa barreira, políticos gravemente insultados perdiam o
respeito da própria família, começando pela mulher, dos amigos e dos
eleitores.)
Era
o que aconteceria a Lula e Alckmin se tivessem promovido na velha
Taquaritinga o jantar de domingo passado. Lula garantiu que sempre
respeitou Alckmin. O ex-governador jurou que vê em Lula um democrata
exemplar. Janja, a namorada do candidato a um terceiro mandato,
confraternizou com Lu, candidata a vice-primeira-dama. E a ocupação das
mesas evocava a definição do crime de formação de quadrilha ou bando
resumida no artigo 288 do Código Penal: “Associarem-se três ou mais
pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. Em que mais poderia
estar pensando uma trinca formada por Omar Aziz, Renan Calheiros e
Randolfe Rodrigues, sempre unidos na missão de transformar cadáveres em
cabos eleitorais involuntários? Estaria preocupada com os destinos da
nação a roda que reunia Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante, Paulinho da
Força e Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians?
Às
vésperas de outro ano eleitoral, todos acordam e dormem buscando a
melhor maneira de extrair das urnas de 2022 um cargo vistoso, um
gabinete de bom tamanho e gordas verbas federais. Esses atrativos
justificam a presença no restaurante de deputados, prefeitos e
governadores de diferentes partidos. Estava lá até Arthur Virgílio Neto,
que acabou de fracassar nas prévias promovidas pelo PSDB para a escolha
do candidato ao Planalto. A exemplo de Alckmin, o ex-senador e
ex-prefeito de Manaus está caindo fora do ninho cada vez mais inóspito. O
que se desconhecia é a disposição amnésica de Virgílio.
Organizadores do "jantar da democracia" |
Há 15 anos, ele prometia no Senado punir com “uma surra” o conjunto da obra de Lula. Repetiu a ameaça com tamanha insistência que o presidente baixou no Amazonas para dedicar-se pessoalmente a impedir a reeleição do inimigo. Afastado do Senado, Virgílio parecia um pote até aqui de mágoa antes de aparecer no jantar. O sorriso fácil avisou que a fila puxada por Alckmin vai crescendo. Nela só existem vagas para quem faz de conta que, de 2006 para cá, não houve o julgamento do Mensalão, a Lava Jato, o Petrolão, a prisão de Lula. É tanta coisa que é melhor esquecer.
O
prêmio a dividir é o posto de vice de um titular que, se eleito,
assumirá a chefia do governo com 77 anos de idade. A questão biológica
favorece Alckmin, um quase setentão. Em 2002, o PT recitava que a
“esperança vencera o medo”. Passados 20 anos, o medo cresceu. A súbita
conversão de um fundador do PSDB mostra que desta vez a esperança venceu
a vergonha.
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