O grande jornalismo se aproximou das redes sociais no que elas têm de pior: na superficialidade, no imediatismo, no opinionismo e na adesão a uma agenda ideológica. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
O
Reuters Institute publicou esta semana o conceituado relatório “Digital
News Report 2021”, que monitora já há 10 anos o comportamento do
consumidor de notícias ao redor do planeta. Alguns resultados deveriam
ser alarmantes para as grandes empresas de comunicação, particularmente
no Brasil, mas tudo indica que elas continuarão alheias aos sinais do
colapso que se aproxima.
Por
exemplo, o relatório revela que o percentual de brasileiros que pagam
para ler conteúdos jornalísticos online despencou de 27% para 17% em
apenas um ano. Pior ainda é a situação do jornalismo impresso: somente
12% dos brasileiros citaram jornais e revistas de papel como fonte de
informação (contra 23% no ano passado). Em outras palavras, os modelos
de negócio vigentes – pelo menos aqueles que envolvem assinaturas como
receita relevante – estão em queda livre.
Diferentes fatores ajudam a entender essa queda assustadora.
Em
primeiro lugar, parece evidente que o fenômeno das redes sociais
produziu uma mudança real de paradigma na relação dos leitores com as
notícias. Criou-se um cenário no qual todos produzem conteúdos para
todos, 24 horas por dia, sete dias por semana. Como ninguém tem tempo
para consumir tudo que se publica, o excesso de oferta consolida um novo
modelo, de “jornalismo” à la carte, que fornece incessantemente
notícias e opiniões customizadas para todos os gostos, sobre qualquer
assunto.
Por
exemplo, para uns Bolsonaro já está reeleito, para outros ele cai na
semana que vem. Basta pensar também na cobertura da pandemia: o leitor
que atribui ao governo a responsabilidade pelas mortes por Covid 19 tem
ao alcance do mouse toneladas de artigos, pesquisas e reportagens que
confirmam sua opinião.
Mas
o leitor que isenta o governo de culpa também tem: esta semana mesmo
foi divulgado que a Universidade de Oxford está pesquisando a eficácia
da Ivermectina como tratamento para Covid. Para quem passou as últimas
semanas elogiando Renan Calheiros e a CPI por massacrarem médicos que
defenderam o tratamento precoce, basta ignorar solenemente a notícia.
Ninguém vai cobrar coerência de quem luta pelo nobre objetivo de sabotar
o governo. Desnecessário dizer, se amanhã descobrirem que a Ivermectina
é eficaz, ninguém vai pedir desculpas: não se pede desculpa a
genocidas.
Mas
o fato é que os grandes veículos de comunicação já não detêm o
monopólio da informação de outrora. O chamado “quarto poder” se
pulverizou. É um processo lento, mas irreversível. O antigo modelo, no
qual poucos produziam conteúdos para muitos, vive uma crise estrutural,
da qual ainda não descobriu como sair.
No
relatório do Instituto Reuters, as redes sociais já aparecem à frente
da televisão como “fonte de notícias” para os brasileiros. O que
sinaliza uma confusão reveladora: as pessoas deixaram de fazer distinção
entre jornalismo e mera produção/divulgação de conteúdos opinativos.
Notícia passou a ser tudo aquilo que se divulga, seja fruto de uma
apuração rigorosa, seja uma opinião do blogueiro da vez.
Mas
a mudança de comportamento dos consumidores de conteúdos não deve ser
atribuída exclusivamente a inovações tecnológicas, nem é uma
consequência necessária da explosão das redes sociais. Aqui vai uma
interpretação altamente pessoal: isso está acontecendo porque os grandes
veículos de comunicação caíram em uma armadilha.
Em
vez de apostar na qualidade e no rigor e em vez de mobilizar seus
recursos para investir em jornalismo de qualidade, com apurações e
rigorosas e tendo a imparcialidade como um horizonte – já que não existe
imparcialidade absoluta – is grandes jornais e revistas ficaram com
inveja do engajamento alcançado por youtubers e blogueiros (e agora
tiktokers) sem qualquer formação e decidiram emular e se deixar pautar
por eles. Na minha humilde opinião, foi uma decisão errada. Se
perseverarem nesse caminho, o futuro será sombrio.
O
grande jornalismo se aproximou das redes sociais no que elas têm de
pior: na superficialidade, no imediatismo, no opinionismo, até numa
certa irresponsabilidade no tratamento dos fatos, sem falar na clara
adesão a uma agenda ideológica que contraria os valores dos brasileiros
comuns. Não optaram por fazer melhor algo que só ele pode fazer, mas por
competir fazendo algo que outros fazem melhor.
Nessa
competição por agendar os assuntos que serão discutidos pela sociedade,
os grandes jornais desceram ao nível do blog do Felipe Neto e outros
influencers, que se tornaram, vejam só, exemplos de grandes
profissionais a seguir.
O
resultado é que essas empresas estão perdendo o seu principal capital: a
credibilidade. Aliás, somente em um cenário de crise de confiança dos
leitores é possível explicar o fenômeno das agências de checagem – só
faltou entenderem que essas agências já nasceram sem qualquer
credibilidade, já que ninguém checa as checagens das agências de
checagens, geralmente dominadas por gente despreparada e ideologicamente
motivada.
Resumindo:
em vez de buscar se diferenciar do que é oferecido gratuitamente no
Facebook, no Twitter, nos grupos de WhatsApp, no Instagram e em blogs de
subcelebridades as mais diversas, as empresas de jornalismo adotaram a
estratégia de imitar, na forma e no conteúdo, aquilo que é oferecido
nessas plataformas.
O
resultado óbvio é que o cidadão comum deixa de ter motivo para pagar
por “notícias”, uma vez que opinião, torcida e palpite ele tem de graça
nas redes sociais.
É
por isso que os grandes veículos estão vivendo não somente uma crise
financeira, mas também uma crise de identidade. Naturalmente, esse
processo é agravado pela polarização política: em uma sociedade rachada
entre dois grupos antagônicos, a tendência é cada um buscar ler somente
aqueles conteúdos que confirmem suas opiniões e valores: é o chamado
“viés de confirmação”.
Aqui,
mais uma vez, seja na cobertura da pandemia, da política ou da CPI, o
que importa é ler quem tem a mesma opinião que a minha, não interessa se
em um grande jornal, em um potal pago ou no blog gratuito da
celebridade da vez. Mas nada de bom pode vir da surdez deliberada ao que
diz e pensa o “outro lado”, da cegueira aos valores e opiniões de
minorias barulhentas e maiorias silenciosas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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