É preciso ter um tipo de talento para ser idiota, perverso, perigoso, ingênuo, juvenil, arrogante e chato ao mesmo tempo. Theodore Dalrymple para a nova edição da revista Oeste:
Se
você quer ser um guru, uma boa forma de começar (isto é, se você for
homem) é deixar crescer uma barba longa, bagunçada e desgrenhada. Assim
como o poder de Mao Tsé-tung veio do cano de uma arma, para uma parcela
surpreendente da população, a sabedoria ou a verdade emanam do movimento
de uma barba. Sabedoria e barbas (considerando que as barbas não sejam
arrumadas) caminham juntas como morangos e creme. Barbas são o slogan
publicitário do sábio, ou do suposto sábio.
Isso
sem dúvida explica por que Paulo Freire, talvez o intelectual
brasileiro de seu tempo mais famoso internacionalmente, teve o tipo de
barba em que, ou até com a qual, pássaros podiam fazer seu ninho. De que
outra forma ele seria, nas palavras da Wikipedia, “considerado um dos
pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial”?
Com
frequência é dito que muitos bons livros são esquecidos, mas que nenhum
livro ruim é lembrado. Isso obviamente não é verdade, e a prova dessa
inverdade é que a obra mais famosa de Paulo Freire, Pedagogia do
Oprimido, ainda está em catálogo e, presumivelmente, ainda é comprada e
lida em países de língua inglesa meio século depois de seu lançamento.
Ainda que o livro seja excepcionalmente ruim, não se pode dizer que ele
não revele talento: porque é preciso ter um tipo de talento para ser
idiota, perverso, perigoso, ingênuo, juvenil, arrogante e chato ao mesmo
tempo. Se os desagradáveis não conseguem se controlar, eles têm pelo
menos a obrigação de ser interessantes: esse é o único pequeno serviço
que eles podem prestar ao mundo.
Contudo,
não tenho conhecimento de Paulo Freire como homem. Estou totalmente
preparado para acreditar que ele teve muitas virtudes pessoais, como
charme, inteligência e gentileza nas relações pessoais, e assim por
diante. Ele pode mesmo ter sido um professor carismático, mas nenhuma
virtude pessoal consegue disfarçar a completa sordidez de seu livro, que
segue intocado pelo senso comum ou pela conscientização dos desastres
que suas ideias podem causar, aliás, já causaram, se levadas a sério.
Dentro de todo guru existe um ditador tentando se soltar.
Vamos
usar como exemplo apenas um tema que perpassa o livro: que o propósito
da educação deveria ser o de humanizar o oprimido. Ainda que ele pareça
não notar, essa ideia contém em si a mesma atitude que ele tanto
denuncia nos outros: a redução de pessoas a objetos, sua desumanização. O
fato é que, enquanto você pode tratar as pessoas como objetos, elas não
podem ser ou se tornar objetos e, portanto, não podem precisar de
humanização. Elas continuam sendo seres humanos não importa o que você
faça com elas, e é exatamente por isso que tratar os seres humanos de
forma abominável é abominável.
Durante
minha vida, tive contato com uma grande variedade de seres humanos em
uma grande variedade de circunstâncias. Estive em festas literárias e em
guerras civis (as duas às vezes podem se parecer mais do que se
imagina). Conversei com assassinos condenados em prisões e com freiras
santificadas em missões africanas. Nunca me ocorreu que ninguém que
conheci fosse menos que totalmente humano, ou seja, que precisasse ser
tornado mais humano. Claro, não vou dizer que gostei de todo mundo que
conheci, ou que achei que todo mundo que conheci fosse igualmente bom.
Mas nunca pensei que ninguém que conheci fosse menos que uma pessoa ou,
como Freire chama de maneira tão charmosa (pelo menos na tradução para o
inglês), semi-humano.
Não
importa quais sejam suas outras virtudes, Freire não é muito bom em
pensar, pelo menos em minha opinião. Por exemplo, ele cita com admiração
e aprovação a seguinte passagem do psicanalista e filósofo alemão Erich
Fromm, o homem que tentou misturar o azeite do freudianismo com o
vinagre do marxismo, como outros tentam preparar um molho de salada:
O prazer da completa dominação de outra pessoa (ou outra criatura animada) é a própria essência do impulso sádico. Outra maneira de formular o mesmo pensamento é dizer que o objetivo do sadismo é transformar o homem em uma coisa, algo animado em algo inanimado…
Agora,
para qualquer mente minimamente analítica (algo que, claro, Freire não
tinha) isso é obviamente besteira. Um sádico, e a única exceção possível
é um escultor moderno, não tortura uma pedra: ele deseja causar dor ou
sofrimento e gosta do resultado, de modo que o inanimado não interessa
para ele, pelo menos na realização de seus desejos sádicos. O garoto
sádico arranca as patas e as asas de uma mosca viva, não morta, porque
imagina que a mosca é capaz de sofrer. Conforme se torna mais
sofisticado em sua zoologia, ele pode “avançar” para criaturas mais
conscientes e “chegar” ao homem: mas ele nunca se assemelha ao que Fromm
descreve, e ao que Freire aceita sem críticas. Acreditar que uma grande
massa de pessoas precisa ser humanizada, como Freire sugere, é um
convite a tratá-las à moda Fromm ou, na melhor das hipóteses, como
animais de rebanho, e não como humanos ex officio.
Existem
contradições mais elementares no livro felizmente curto, mas sem dúvida
muito entediante, de Paulo Freire (não se pode dizer que todos sejam
breves e chatos). Por exemplo, ele critica todos os tipos de educação
além da que ele propõe — até Freire, ninguém pode ser considerado
formado, uma atitude de impressionante arrogância, e ignorância, da
parte dele — porque eles dicotomizam. Freire parece não notar que ele é
um grande dicotomizador, se não da genialidade, pelo menos da completa
simplicidade, uma vez que seu livro todo depende da divisão da
humanidade em oprimido e opressor, como se as sociedades modernas
consistissem em Genghis Khan, de um lado, e uma pilha de caveiras, do
outro. [Em 1240, sob o comando de Khan, os mongóis bateram na porta de
Kiev, a atual capital da Ucrânia, e mataram 48 mil dos 50 mil
habitantes, erguendo uma pirâmide de caveiras.]
Sou um oprimido ou sou um opressor? De acordo com Paulo Freire, preciso ser um ou outro. Não estou tão mal de vida, mas não sou um oligarca. Tive o inefável privilégio de poder arruinar minha própria vida, em vez de alguém tê-la arruinada por mim, mas nunca fui muito poderoso. Na visão de mundo de Freire, não existe ironia, quanto mais um sentimento de tragédia. Ele acredita em algo chamado de libertação, sem mencionar em relação a quê, que pode ser os dois, total e permanente. Não é possível ser mais superficia
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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