André Lajst explica as origens do conflito centenário entre os fundamentalistas islâmicos e a maior democracia do Oriente Médio. Entrevista à revista Oeste:
A
escalada do conflito entre Israel e o Hamas atraiu a atenção do mundo
para um embate histórico, que remonta ao século 19. Jornalistas,
analistas políticos e acadêmicos ainda tentam compreender os porquês dos
constantes confrontos protagonizados pelo Exército israelense e pelo
grupo terrorista que controla com mão de ferro a Faixa de Gaza.
Na
mais recente onda de conflitos, iniciada em 10 de maio deste ano, os
fundamentalistas islâmicos lançaram 3.700 foguetes contra o território
israelense, assassinando 12 pessoas e ferindo 333. Os ataques de Israel,
por sua vez, mataram 232 palestinos e feriram outros 1.530. Depois de
11 dias de enfrentamento, o governo de Israel e as lideranças do Hamas
anunciaram um cessar-fogo mútuo e simultâneo, colocando um ponto-final
às hostilidades.
Para
falar sobre o assunto, Oeste entrevistou o cientista político André
Lajst, 35 anos, diretor-executivo da StandWithUs Brasil, uma instituição
que combate o antissemitismo (aversão aos semitas, especialmente aos
judeus) e o antissionismo — movimento político que se opõe à existência
do Estado de Israel. Nascido em São Paulo, Lajst é neto de um
sobrevivente do Holocausto.
Qual é a origem histórica do conflito entre Israel e Palestina?
Israel
não tem conflito per se com a Palestina. Ocorreram, no passado,
confrontos árabe-israelenses por haver rejeição, dos árabes, à
existência de Israel como um Estado judeu independente na região da
Palestina. Ao longo dos últimos 70 anos, o número de atores contrários à
existência de Israel tem diminuído. A guerra árabe-israelense, no
sentido de países contra países, acabou. Hoje em dia, existem apenas
alguns grupos fundamentalistas que não reconhecem o direito de Israel
existir, incluindo o Hamas, a Al-Qaeda, o Hezbollah e a Jihad Islâmica.
Podemos dizer que esse conflito começa entre 1860 e 1880, quando
realmente houve o início de um movimento nacional pela soberania judaica
na região, sobretudo após o surgimento do movimento sionista. Essa
iniciativa ganhou força e culminou na fundação do Estado de Israel.
O que é o Hamas?
Trata-se
de um movimento de resistência islâmica. Uma organização fundada na
década de 1980, com objetivo de destruir o Estado de Israel e criar um
país 100% islâmico na região da Palestina. A ideia do Hamas é que o Islã
controle a política nacional.
Qual foi o estopim para a deflagração do mais recente confronto entre Israel e Hamas, iniciado em maio deste ano?
O
estopim foi o Hamas ter atirado sete foguetes contra Jerusalém. Isso
ocorreu no domingo 12 de maio, data em que Israel celebrava a
reunificação da cidade depois da conquista da parte oriental e da Cidade
Velha, onde está o local mais sagrado para o judaísmo. O Hamas usou
como pretexto as manifestações que estavam acontecendo em Jerusalém
desde abril por causa de vídeos que circularam nas mídias sociais
mostrando árabes esbofeteando judeus ortodoxos. Além disso, houve uma
questão judicial no bairro árabe Sheikh Jarrah: duas famílias palestinas
refugiadas poderiam ser evacuadas das casas onde moram, cujos
proprietários são judeus. Esses eventos motivaram protestos que se
alastraram até a mesquita de Al-Aqsa e geraram ondas de violência em
Jerusalém.
Existe
a possibilidade de Israel realizar uma incursão definitiva em Gaza, a
fim de conter os terroristas e delegar o poder daquele território à
Autoridade Nacional da Palestina?
Líder
israelense algum gostaria de fazer isso, pois a operação duraria muito
tempo e causaria a morte de milhares de pessoas. Além disso, a
Autoridade Palestina provavelmente não apoiaria a ação — não pela
possibilidade de assistir à destruição do Hamas, mas por não conseguir
obter apoio da população palestina para governar Gaza após uma incursão
israelense. No fim, isso soaria como se a Autoridade Palestina estivesse
compactuando com Israel. Por mais que, secretamente, essa organização
apoie a destruição do Hamas, ela jamais poderia tornar esse desejo
público. E, ainda que Israel conquistasse Gaza, teria de ficar por lá e
controlar a região, de maneira a prover serviços para a população
palestina — algo em que Israel não tem interesse, já que saiu de Gaza em
2005.
Quais entraves impedem a pacificação do conflito entre Israel e Palestina?
Os
principais entraves são as negociações, que estão estagnadas. Existe
rejeição do lado palestino a negociar com Israel, assim como há
desinteresse do governo israelense de negociar um acordo com as forças
palestinas, uma vez que as exigências dos árabes não podem ser
cumpridas. De toda maneira, não há conflito belicoso entre Israel e
Palestina — pelo contrário, a Autoridade Palestina, que governa a
Cisjordânia, coopera com Israel em questões de segurança. O conflito
belicoso é entre Israel, Hamas e Jihad Islâmica.
Palestina e Israel podem coexistir, ambos como Estados independentes?
Podem
coexistir, sim, caso firmem um acordo em que ambos concordem em cessar o
conflito. Para que isso ocorra, Israel teria de controlar as fronteiras
e o espaço aéreo. Dessa maneira, os palestinos teriam um lar nacional,
com continuidade territorial.
Como é a relação entre israelenses e árabes em Israel?
A
convivência entre israelenses e árabes é muito boa. Os árabes são
nacionais israelenses, eles nasceram em Israel. Isso é importante para o
país, tendo em vista que eles estão cada vez mais integrados na cultura
local. Existem, no entanto, problemas com algumas partes da sociedade
árabe-israelense, sobretudo setores mais radicais. Esses cidadãos são
influenciados por fundamentalistas islâmicos que não aceitam a
existência de Israel, mesmo dentro do território israelense. De toda
maneira, sempre existiu convivência social harmônica em Israel. Os
partidos árabes participam da política nacional e os árabes eleitos
podem compor o governo de Israel.
Embora seja um país pequeno, com apenas 9 milhões de habitantes, Israel possui um dos exércitos mais bem preparados do mundo.
O
Exército de Israel tem esse poder bélico em razão das ameaças que o
país sofreu ao longo das últimas sete décadas. As guerras
árabe-israelenses impeliram a necessidade de Israel desenvolver maestria
tecnológica, visto que o país não conseguiria obter mais homens, armas,
tanques e aviões por questões financeiras. Israel procurou, então, ter
mais qualidade que quantidade — essa foi a razão do boom tecnológico.
Esse avanço se deve também às reformas econômicas que transformaram a
economia do país. Israel ganhou poder econômico, que resultou em poder
de inteligência. Por consequência, ganhou poder militar e político.
Essas questões, somadas à queda da União Soviética, o principal
fornecedor de armas para os países árabes, tornaram Israel hegemônico em
poder bélico na região.
Um dos exemplos é o Iron Dome, o sistema antimíssil de Israel. Como ele funciona?
Israel
criou um sistema de defesa muito diversificado. Ele é composto de
alarmes que tocam para que a população se esconda, bunkers ou protetores
públicos, em caso de os cidadãos estarem nas ruas, e um sistema
antimíssil que atinge foguetes inimigos antes de eles atravessarem o
espaço aéreo de Israel. O país possui alguns sistemas antiaéreos: o Iron
Dome, que destrói foguetes como os do Hamas, que são difíceis de abater
no ar, porque são muito rápidos; o Red Carpet, que serve para deter
mísseis de médio e longo alcance, como os do Hezbollah, maiores e mais
sofisticados que os do Hamas; e o Arrow, que serve para destruir
foguetes intercontinentais. Os sistemas antiaéreos funcionam,
basicamente, da mesma forma: primeiro, um radar detecta a trajetória e o
local de queda do foguete rival. Caso o alvo dos inimigos seja um local
urbano, povoado, o sistema lança um míssil que abate o foguete invasor
no ar, de maneira que os destroços caiam em locais descampados.
De que maneira os próprios muçulmanos podem conter a sanha terrorista dos fundamentalistas islâmicos?
Árabes
moderados deveriam se posicionar contra os fundamentalistas islâmicos,
de maneira a fazer com que os radicais não vejam a si próprios como
representantes do Islã. Os fundamentalistas são uma voz pequena, radical
e ilegal dentro dos países. Quanto mais os árabes moderados adotarem a
postura de repreender os fundamentalistas, mais fácil será o combate
contra os radicais.
Qual é sua avaliação sobre a cobertura midiática brasileira em relação aos conflitos que envolvem Israel e seus rivais árabes?
Existem
problemas na cobertura midiática em geral, não apenas na brasileira, de
tentar ser neutro e imparcial num conflito em que não há
imparcialidade. Não se trata de confronto entre duas nações — há o
embate entre um grupo terrorista e um Estado democrático. Claro que as
notícias têm de ser divulgadas, mas, quando são publicadas de modo a
enaltecer o sofrimento do lado mais fraco, acabam por mascarar o direito
de defesa do país democrático que luta pela soberania e pela defesa dos
civis que estão sendo atacados por terroristas, que, ironicamente, usam
civis como escudos humanos. Há muita desinformação, falta de
conhecimento e, em alguns casos, antissemitismo e viés anti-Israel na
cobertura midiática.
Seu avô é sobrevivente do Holocausto. O que ele contava daquela época?
Meu
avô fugiu de um campo de extermínio que matava judeus em câmaras de gás
tão logo eles chegavam de trem. Ele misturava as cinzas dos mortos com a
terra depois de as vítimas serem queimadas em fornos industriais. Meu
avô ficou durante seis meses no campo de extermínio. Ele contava que
teve de matar um homem da Schutzstaffel (SS), a organização paramilitar
ligada ao Partido Nazista, com uma facada nas costas. Estou aqui,
conversando com vocês, graças a essa ação. Então, trata-se de algo que
me orgulha, pois meu avô teve a bravura e a coragem de se levantar
contra a opressão e o extermínio de um povo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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