O Grupo Treze, ou Trzynastka, atuava infiltrando espiões nos grupos judeus insurgentes, que debatiam formas de reagir à opressão nazista no Gueto de Varsóvia. Os rebeldes eram então chantageados ou agredidos. Tiago Cordeiro para a Gazeta do Povo:
Político
com formação em engenharia, o judeu polonês Adam Czerniaków acreditava
que poderia fazer a diferença e cuidar de seu povo negociando com os
nazistas. Membro do Senado da Polônia desde 1930, em 1939 ele aceitou o
cargo de chefe do Conselho Judaico, o Judenrat, responsável por
gerenciar as atividades do Gueto de Varsóvia.
De
um lado, ele precisava acatar as orientações alemãs e implementar
políticas de contenção dos insatisfeitos — posicionou-se de forma
contrária às tentativas de rebelião armada, por exemplo, por acreditar
que ações violentas só aumentariam a repressão.
De
outro, tentava negociar melhores condições de vida, especialmente na
alimentação. Afinal, eram 400 mil pessoas vivendo espremidas em uma área
de apenas 3.400 metros quadrados. Algumas de suas reuniões eram
filmadas, para que os alemães demonstrassem que o gueto contava com o
apoio de lideranças judaicas.
Em
23 de julho de 1942, Czerniaków desistiu de continuar tentando
convencer os nazistas a tratar os judeus com dignidade. Ao perceber que
seria obrigado a produzir listas de pessoas que seriam enviadas para os
campos de extermínio, num ritmo de 6 mil vítimas por dia, incluindo
crianças, ele ingeriu uma cápsula de cianeto e se matou.
Deixou
um bilhete para a esposa em que dizia: “Pediram-me para matar o meu
povo e as minhas crianças com minhas próprias mãos, mas isso é algo que
simplesmente não posso fazer. Tentei de tudo, mas agora só me resta
morrer!” No dia seguinte, as deportações começaram.
Estima-se
que 350 mil dos judeus mantidos no gueto seriam mortos antes da
rendição da Alemanha na Segunda Guerra. O político polonês deixou uma
coleção de diários, publicados posteriormente, e sua história foi
relatada no filme Insurreição, de 2001 – seu papel foi interpretado por
Donald Sutherland.
O
caso de Adam Czerniaków ilustra a inviabilidade de negociar com os
nazistas. Afinal, eles tinham planos claros, declarados desde a década
de 1920, de exterminar os judeus da face da terra. Colocado no mesmo
posto, mas na Lituânia, Jacob Gens se viu diante dos mesmos dilemas.
Adotou
uma estratégia mais polêmica, que incluía sugerir a substituição de
nomes incluídos nas listas de assassinatos ou deportações — nestas
trocas, ele tentava salvar vidas de pessoas que consideravam mais
inocentes, como crianças. Gens acabou sendo morto à bala em 1943, dias
antes de o gueto ser encerrado e a maioria de seus moradores enviados a
campos de extermínio. Não teve a chance de ver a concretização de seu
maior sonho: a reinstalação de um estado autônomo de Israel.
Mas
nem todos os judeus que tentaram se relacionar, de alguma forma, com os
alemães tinham as boas intenções de Czerniaków ou de Gens. Aliás, em
suas origens, o Partido Nazista contou com o apoio da Associação dos
Nacional-Judeus Alemães, fundada em 1921 por um antissemita de origem
judaica chamado Max Naumann. Ele dirigiu o grupo até 1926, e novamente
entre 1933 e 1935, quando o governo de Adolf Hitler proibiu a existência
da instituição.
Naumann,
que defendia a aniquilação dos judeus do Leste Europeu e a incorporação
dos judeus alemães ao ideário nazista, chegou a ser preso pela polícia
alemã, numa época em que ele defendia, em artigos na imprensa, que os
judeus eram bem tratados na Alemanha.
Apoio ao opressor
Muitos
outros colaboracionistas apoiaram o regime nazista. Judeus que
trabalhassem em hospitais e fábricas alemãs foram os últimos a seguir
para campos de extermínio. Por alguns anos, os membros da Polícia
Judaica do Guetos, uma organização paramilitar mantida pelos nazistas
para reforçar a repressão sem utilizar soldados alemães que podiam ser
enviados para o esforço de guerra, contaram com uma série de
privilégios, para si e para suas famílias.
Nos
campos de extermínio, a mesma estratégia de reduzir a necessidade de
homens alemães foi utilizada com sucesso. Os guardas convocados entre os
presos, inclusive judeus, eram chamados de kapos. Contavam com
alimentação melhor, assim como quartos um pouco mais espaçosos, e
escapavam dos maus tratos. Esses guardas utilizavam uma braçadeira ou um
crachá. Em geral, não tinham direito a porte de arma.
Depois
da Segunda Guerra, muitos dos guardas de campo de concentração teriam
dificuldades em ser aceitos pela comunidade judaica. Foi o caso da
ativista comunista polonesa Eliezer Gruenbaum, que lutou na Guerra Civil
Espanhola, foi presa por suas atividades políticas e atuou como kapo em
Auschwitz. Acusada de colaborar com os nazistas, ela se defenderia
alegando que a própria comunidade preferia que os guardas fossem judeus,
uma forma de tentar reduzir os episódios de violência.
Outros
colaboracionistas agiam de forma extraoficial. O chamado Grupo Treze,
ou Trzynastka, atuou infiltrando espiões nos grupos insurgentes, que
debatiam formas de reagir à opressão nazista no Gueto de Varsóvia. Os
rebeldes eram então chantageados ou agredidos.
Liderado
pelo judeu Abraham Gancwajch, o grupo ainda mantinha um bordel dentro
do gueto. Funcionar como uma polícia secreta de apoio aos nazistas não
ajudou muitos desses colaboradores, que acabariam executados em algum
momento. Gancwajch fundaria ainda um outro grupo, o Żagiew, que chegou a
manter mais de mil judeus que atuavam como espiões a serviço da
Gestapo, a polícia secreta nazista.
Espiã freelancer
Outros
judeus buscariam proteção em meio à Alemanha nazista agindo sozinhos.
Stella Goldschlag, por exemplo, alcançou espaço entre as lideranças do
partido com seu esforço individual de investigar e denunciar judeus que
tentavam se esconder da perseguição.
Sua
família de classe média havia sido vítima de perseguição. O pai,
Gerhard Goldschlag, perderia o emprego por ser judeu, e em 1938
tentaria, sem sucesso, tirar a esposa e os filhos da Alemanha. Submetida
a trabalhos forçados em uma fábrica, em 1942 Stella conseguiu forjar
documentos para omitir sua origem judaica. Loira e de olhos azuis,
tentou se passar por ariana.
Não
deu certo, e ela acabou presa em 1943, junto dos pais. Torturada e
ameaçada de ver os pais serem assassinados, ela concordou em atuar como
espiã. Começou a circular em Berlim, dizendo que havia escapado dos
nazistas, e então passou a se encontrar com amigos judeus.
As
informações que coletava eram fornecidas à Gestapo, que também
comunicava pistas de pessoas para que ela investigasse, aproveitando de
seu acesso à comunidade judaica. Estima-se que a jovem provocou algo
entre 600 e 3 mil prisões de judeus.
A
promessa feita pelos nazistas, de que sua família seria poupada caso
ela colaborasse, não foi cumprida. Os pais foram levados ao campo de
Theresienstadt, e dali para Auschwitz, onde morreram.
Seu
marido e toda a família também seriam enviados a Auschwitz. Stella
continuaria colaborando com a Gestapo até março de 1945. E casaria-se
uma segunda vez, também com um judeu colaborador dos nazistas, Rolf
Isaaksohn. Cometeria suicídio em 1994, lançando-se da janela de seu
apartamento em Freiburg.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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