Quais os parâmetros morais e médicos usados pela sociedade para decidir o que constitui uma droga lícita e uma ilícita? Via Gazeta do Povo, Bruna Frascolla:
Lá
em 2010, nas priscas eras em que os esquerdistas mais caricatos
brigavam com o PT, o governo Jaques Wagner lançou uma campanha contra o
crack com o seguinte slogan: "Crack é cadeia ou caixão". Aí,
naturalmente, houve gritaria dessa esquerda contra Wagner. O outdoor
ainda trazia um dedão do pé pra fora na bandeja do necrotério.
Por
mais que conselhos porventura reclamem, a frase chama a atenção por ser
perfeitamente concorde bom o bom-senso. Ex-cracudo é mais difícil de
achar do que ex-prostituta. Até porque a prostituição em si mesma não
mata; as prostitutas podem envelhecer e uma hora se aposentam. A menos
que achem uma clientela freudiana com tara pela avó, que nesse mundo tem
de tudo. Mas quem vai achar esses cracudos idoso daqui a umas décadas?
Vão, com toda probabilidade, estar mortos.
A
frase de que crack é caixão ou cadeia é evidente. É evidente para mim, é
evidente para você, é evidente para o governador Jaques Wagner. E não
pode deixar de ser evidente para quem resolve experimentar a primeira
pedra.
Não
seria o crack então uma forma deliberada de suicídio atenuada? Vejam
que o perfil social do cracudo é bastante heterogêneo. É falsa a
explicação de que a pobreza leva ao crack, porque nem todo cracudo é de
família pobre e nem todo pobre é cracudo.
Drogas para ficar ligado
Talvez
haja um tipo só que possamos hesitar em rotular como suicida. É quem
começa a usar crack com o propósito determinado de ficar acordado por
longas horas. Acontece que existem mil drogas, lícitas e ilícitas,
capazes de fazer isso. O crack se torna atraente por causa do custo: é
barato, então o caminhoneiro usa para passar horas e mais horas na
estrada sem correr o risco de cair no sono. É uma péssima escolha, mas é
uma escolha que podemos compreender sem apelar para o suicídio
deliberado.
No caso do crack, há então gente que use apesar do vício e gente que use por causa do vício.
Gente
endinheirada, quando quer virar a noite estudando, compra ritalina, um
remédio de prescrição que quem quer consegue. Outra coisa que a ritalina
tem em comum o crack é que ela vicia. Assim, há que se perguntar também
se não há gente que compre ritalina por causa do vício, em vez de
apesar do vício. Encher a cara de ritalina e virar a noite consumindo
várias drogas numa boate não é coisa de quem quer viver muito.
Há
ainda outra coisa em comum entre a ritalina e o crack. Este é um
derivado da coca. Cocaína e ritalina foram introduzidos na população por
médicos. O dr. Freud era um tremendo usuário de cocaína e achou, por um
tempo, que os sentimentos que a droga traziam poderiam ser usados para
curar problemas mentais. Perante os resultados desastrosos, ele
desistiu. Outro médico que usava cocaína em si próprio e nos pacientes
foi o dr. William Halsted. Servia-lhe bem como anestésico até deparar-se
com efeitos desastrosos.
É
curioso que tenham sido necessários efeitos colaterais desastrosos para
que Freud deixasse de considerar o estado mental de um drogado algo bom
em si mesmo, uma cura. A humanidade se droga desde que existe, mas nem
mesmo um alcoólatra acharia que o estado mental de um bêbado seja
considerado um estado ideal de normalidade. A humanidade se drogava em
ocasiões festivas e em ritos religiosos, bem longe de qualquer situação
que normalizasse o estado mental alterado.
Assim
sendo, tenho duas perguntas. A primeira é: se a cocaína não tivesse
efeitos colaterais físicos graves, será que o estado mental
proporcionado por ela poderia ser considerado sadio? Se Freud achou que
sim, é possível que seus discípulos também achassem. E se os seus
discípulos também achassem, é possível que a psiquiatria e a psicologia
os acompanhassem. Aí você, perante essa normalidade, entraria num
consultório e diria “doutor, não me sinto eufórico hoje!”, ganharia um
diagnóstico e receberia uma receita de cocaína.
A
segunda pergunta é: se algo assim acontecesse nos dias de hoje, com
drogas de efeitos colaterais físicos menos desastrosos, como
descobriríamos que há algo muito errado?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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