Meu colega Diogo Schelp acompanhou de perto a ascensão do chavismo e é a partir da observação daquele fenômeno que ele vê semelhanças entre o comandante venezuelano e o capitão brasileiro. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
A
pulga está aqui sussurrando no meu ouvido que talvez, só talvez, eu
esteja bancando o inocente útil num jogo muito sórdido que culminará com
uma rasteira de Jair Bolsonaro na democracia. Meu bom amigo Jorge, por
exemplo, além de adversário fácil-fácil em nossas partidas de squash, é
desses que têm certeza de que amanhã ou depois Bolsonaro dará um golpe e
implantará no Brasil uma espécie de chavismo à direita.
A
visão do Jorge é compartilhada por meu colega Diogo Schelp e por muitos
outros observadores do poder cujo trabalho acompanho com admiração.
Longe de ser um esquerdista histérico, daqueles seduzidos pelo fascismo
imaginário que permeou os primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro,
Schelp acompanhou de perto a ascensão do chavismo e é a partir da
observação daquele fenômeno que ele vê semelhanças entre o comandante venezuelano e o capitão brasileiro.
Alguns dos sinais recentes da existência de um protobolsochavismo (para dar uma de Márcia Tiburi aqui) seriam as motociatas,
a cooptação das Forças Armadas (no caso da não-punição ao ex-ministro
Pazzuelo) e até uma mudança na forma de indicar os membros do Tribunal
de Contas da União. Isso sem falar na retórica exaltada e as insistentes
alegações de fraude eleitoral por parte do presidente.
A
tudo ouço com uma mistura de surpresa e preocupação. Às vezes, depois
de tomar o Toddynho que antecede o sono, me pergunto se sou cego ou
ignorante. Uma espécie de Pedro Bó que escreve razoavelmente bem. Fico
remoendo acontecimentos e falas, fazendo associações e conjecturas,
ligando os pontinhos a fim de chegar à conclusão fatídica de que vivemos
tempos pré-totalitários e, em breve, todos teremos de bater continência
para a passagem de Bolsonaro I, Il Mito.
Princípio da Incompetência Generalizada
Mas
não consigo. Correndo o risco de parecer ainda mais bocó, tenho reagido
a esses prenúncios de ditadura com dois argumentos que, se não são
exatamente à prova de falhas, bastam para me assegurar de que, por mais
que se discorde de tudo o que Bolsonaro faz e por mais ruidoso que seja o
governo dele, a situação ainda está dentro da tradição democrática
brasileira – esse castelinho de pau-a-pique construído no improviso, com
paredes de papelão, teto de zinco e aquele chão de estrelas
imortalizado pelo sambão.
Antes
de mais nada, minha esperança se baseia no que chamo jocosamente de
Princípio da Incompetência Generalizada (PIG). Isto é, Bolsonaro é um
presidente simples, atrapalhado, aqui meio perdido e ali meio
deslumbrado – características que o tornam incompetente para bancar o
Chávez tupiniquim.
E
ainda bem, porque é necessário mais do que apenas ímpeto totalitário,
retórica à la Figueiredo e nojinho pelas instituições para se dar um
golpe de Estado. Até porque isso tudo Lula também tem. É preciso, por
exemplo, capacidade de articulação e liderança e um carisma
inquestionável para dar respaldo popular ao aspirante a ditador. A
Bolsonaro, me parece, faltam essas coisas todas.
Volúpia do Oráculo
O
outro argumento diz respeito às motivações por trás desse pessimismo
político todo. E não, não estou sugerindo aqui qualquer tipo de
motivação espúria. Me refiro a características triviais que nos tornam
humanos com visões necessariamente diferentes do mundo. Como, por
exemplo, o inegável prazer (emocional e intelectual) de se portar como
um bem-sucedido oráculo.
Digamos
que você faz uma dessas previsões políticas catastróficas. Aqui e ali,
vai plantando as sementinhas de um medo que também é seu. Se o
presidente aparece andando de moto, você recorre aos livros de história
para falar de Mussolini. Se procura aconselhamento fora das instâncias
burocráticas, forja expressões como “gabinete paralelo”. Se ele expressa
desconfiança quanto à legitimidade do voto, você diz que ele está
preparando a desculpa para o golpe.
Agora
digamos que você esteja totalmente errado nesses apontamentos. O que
você perde com isso? Absolutamente nada. As crises vão se sucedendo, os
dias vão passando e os erros do oráculo vão sendo esquecidos. Mas se
suas previsões se mostrarem corretas e Bolsonaro um dia vier a implantar
um bolivarianismo verde-e-amarelo por aqui, ah, nesse caso seu capital
emocional e intelectual dispara no livre-mercado das ideias.
Mas
essa “volúpia do profeta” nem é o pior. O pior é que, assim que você
faz uma previsão pessimista dessas, apostando alto na chance de chegar
um dia em que poderá falar “eu avisei!”, você instintivamente começa a
torcer para que sua profecia se realize e o chavismo imaginário passe a
ser uma realidade contra a qual você seguramente vai lutar.
Prudência e mansidão
De
minha parte, e apesar da voz irritante da pulga no ouvido (parece a
Xuxa cantando “Ilariê”), tendo a me apegar a dois princípios. Primeiro, o
da prudência. Observo muito, ouço mais ainda, leio menos do que
gostaria e, quando tenho a oportunidade de perguntar, pergunto. E
sobretudo cuido para que essa minha tendência ao otimismo esclarecido
não se transforme em panglossismo.
Depois,
o da mansidão. Porque, se for para fazer uma aposta mesmo, aposto
minhas parcas fichas na capacidade de suportarmos o que quer que o
futuro nos reserve, seja a fantasiosa ditadura bolsonarista de
inspiração chavista, seja a ditadura disfarçada de democracia do PT.
Afinal, e apesar da epidemia de indignação e ansiedade que assola todos
os lados desse labirinto político, a verdade é que, como já disse um
aforista bissexto, a história não está nem aí para o cotidiano.
* Este texto foi escrito ao som de “A Festa dos Insetos”, de Gilliard.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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