Com a proximidade de um cessar-fogo dos ataques mútuos, as contas já começam a ser feitas e nem sempre são o que parecem ser. Vilma Gryzinski:
Se os céus ajudarem, haverá um cessar-fogo na fase atual do conflito entre Israel e Hamas. O que dá para ser avaliado até agora:
1-
Israel ganha no campo de batalha e perde a guerra da opinião pública. É
um fato da vida. Tem sido assim há muitos anos e não vai mudar agora.
Torcer
contra Israel virou moda, entre outros meios, no TikTok – um aviso para
os israelenses, tão hábeis no mundo digital, que precisam ficar mais
ligados.
2-
As Forças de Defesa de Israel tiveram entre seus objetivos táticos e
estratégicos decapitar a liderança dos grupos armados em Gaza,
desmantelar pelo menos uma parte da rede de túneis de uso militar que se
entrecruzam no território e garantir alguns anos de trégua. Foram
objetivos apenas parcialmente alcançados.
Dos
mais de 220 mortos em Gaza, os militares israelenses dizem que 120 eram
combatentes do Hamas e 35 da Jihad Islâmica Palestina. É impossível
confirmar estes números, mas as perdas foram pesadas.
Pelo
menos cinco líderes do alto escalão tiveram suas casas bombardeadas – e
sem aviso prévio, como Israel faz em outros ataques a edificações.
3-
Mas o alvo mais procurado escapou. Israel tentou pelo menos duas vezes,
na semana passada, eliminar o mais importante comandante da ala militar
do Hamas, Mohammed Deif. Sem sucesso.
Quanto
mais sobrevive, mais ele se torna uma figura legendária. Em ataques
anteriores ao conflito atual, Deif perdeu um olho e os movimentos das
pernas e de um braço. Também perdeu uma esposa e dois filhos pequenos.
Quando
explodiram os choques entre palestinos e policiais israelenses na
Esplanada das Mesquitas, os manifestantes gritavam: “Deif, exploda
Telavive”.
Bem que ele gostaria, mas não tem os meios. Por enquanto, só o fato de continuar vivo o torna um vencedor.
4-
“Explodir Telavive” e outras cidades onde os israelenses judeus são
maioria, ou pelo menos inflingir danos maiores, seria mais fácil se
Israel não tivesse a Cúpula de Ferro, as baterias de mísseis que
calculam onde os foguetes disparados de Gaza vão cair e, se a trajetória
indicar um lugar habitado, os interceptam no ar.
Com
90% de acerto – o que explica o fato de que mais de quatro mil ataques
com projéteis terem provocado o lamentável, mas reduzido número de doze
mortes -, os mísseis são uma defesa cara. Cada bateria – composta por um
caminhão com o lançador, outro com o sistema de radar e um terceiro com
a estação de comando, cobrindo uma área de 60 quilômetros quadrados –
custa 50 milhões de dólares. Israel tem dez baterias. O custo por míssil
é 40 mil dólares.
É claro que proteger a população e a infraestrutura nacional não tem preço.
A
Cúpula de Ferro é também uma garantia de que o conflito não se torne
uma guerra total. Caso os militantes islâmicos matassem dezenas de
israelenses por dia, seria inevitável que Israel lançasse uma invasão
por terra de dimensões muito maiores do que tudo o que foi visto até
agora, com um índice aterrador de mortes e destruição.
Dessa maneira, o bem sucedido sistema de defesa também garante, estranhamente, a sobrevivência do Hamas em Gaza.
5-
Vários analistas dão o Hamas como vencedor numa esfera vital: a opinião
pública dos palestinos, tanto os moradores dos territórios ocupados
como os que têm cidadania israelense.
O
perdedor, obviamente, é Mahmud Abbas, o presidente quase vitalício da
Autoridade Palestina, mais uma vez desautorizado pelos fatos e reduzido a
um papel irrelevante.
Numa
das muitas ironias desse conflito, Abbas, que está com 85 anos e sem
nenhuma vontade de largar do poder – cancelou a eleição que haveria
agora em maio, a primeira desde 2005 -, está sendo punido por ser,
comparativamente, uma força moderada.
Árabes-israelenses
atacaram vizinhos judeus em cidades onde havia uma convivência
relativamente equilibrada, como Lod, e fizeram carreatas com bandeiras
do Hamas.
É um desdobramento no qual Israel tem muita coisa a perder, no curto, médio e longo prazos.
6-
No prazo curtíssimo, Benjamin Netanyahu saiu ganhando. Uma coalizão de
oposição estava a 24 horas de firmar um acordo que o tiraria do governo
quando começaram os bombardeios.
Foi
tudo suspenso e o primeiro-ministro passou a negociar, para trazer para
seu lado, com um dos partidos que antes estava fechando com a frente
oposicionista.
Em
momentos de crise, Bibi sempre se sai bem: demonstra liderança e
firmeza, exibe uma unidade inabalável entre governo e establishment
militar, toma decisões tendo em vista a defesa da nação e não seus
interesses pessoais.
Tudo
isso, obviamente, se esvai assim que a guerra acaba e a política volta
para o estado de conflagração que já dura anos, alimentado pela
indefinição eleitoral que não dá a nenhum dos possíveis blocos maioria
para formar um governo.
7-
O Irã também sai como vencedor. Conseguiu reconstituir os arsenais do
Hamas em níveis que surpreenderam até o comando israelense, geralmente
amparados por volumes avassaladores de inteligência sobre o inimigo –
muitas críticas já estão rolando nesse meio, antes mesmo da suspensão
das hostilidades.
Os
mísseis iranianos não são nenhuma maravilha tecnológica, mas têm
quantidade suficiente para intimidar a população e funcionar, também,
como arma de propaganda. Num dos piores ataques, o Hamas disparou 130
mísseis contra Telavive e imediações em questão de minutos.
O
papel incendiário do Irã, sobejamente conhecido, não abalou o governo
de Joe Biden, disposto a fazer concessões para conseguir reconstituir o
acordo que procura limitar, sem muitas garantias, o desenvolvimento de
armas nucleares iranianas.
O
próprio Biden apoiou, com razão, o direito de Israel a se defender e
responder a ataques indiscriminados contra a população civil, manteve a
“muralha americana” na ONU e resistiu à ala mais de esquerda do Partido
Democrata que queria sangrar Israel. Sem grande estardalhaço, pressionou
Netanyahu a aceitar um cessar-fogo.
Não teve uma atuação decisiva, longe disso, mas poderia ter sido pior.
A
quarta guerra de Gaza será lembrada pelas cenas impressionantes
mostrando as salvas de foguetes disparadas pelos militantes islâmicos e
os mísseis da Cúpula de Ferro interceptando-os no céu noturno.
Parecem
ficctícias, como num game, mas a realidade é triste e brutal. E está
fadada a se repetir. Nesse sentido, as expectativas de uma solução de
amplo alcance do conflito palestino-israelense são as maiores
perdedoras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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