Um governo com partidos de direita, de esquerda, de centro e, para completar, um islamista, tem tudo para dar errado - será que vai desafiar a lógica? Vilma Gryzinski:
O
obituário político de Benjamin Netanyahu até já criou teias na memória
dos computadores dos jornalistas que cobrem o Oriente Médio: cada vez
que o obstinado primeiro-ministro parece que vai cair, consegue, mais
uma vez, dar nó em pingo d’água.
O
homem que pode tirar Netanyahu do governo mais duradouro de Israel (de
1996 a 1999, de 2009 até agora) é Yair Lapid, o líder do maior partido
de oposição, o Yesh Atid – Existe um Futuro, que ele fundou ao deixar o
jornalismo para entrar na política.
Para
que um futuro como planeja realmente exista, Lapid tem até quarta-feira
para montar uma coalizão que, pela lógica, é completamente impossível,
com três partidos de direita, dois de esquerda, dois de centro e um,
mais surrealmente ainda, saído da principal corrente islamista do
eleitorado palestino.
Lapid
quer tanto que a contraditória coalizão dê certo que abriu mão até de
ser primeiro-ministro na fase inicial do governo que tenta montar.
Passou o lugar para Naftali Bennett, o carismático político da direita
religiosa sionista que estaria muito mais à vontade num governo com Bibi
se já não tivesse feito isso, tendo saído odiando o primeiro-ministro.
Só
administrar a ambição de Bennett já seria trabalho suficiente, mas como
fazer isso e, ao mesmo tempo, conciliar as irredutíveis posições de
direita pura e dura do possível primeiro-ministro com as exigências de
Mansour Abbas, o líder do partido Raam, identificado com a linha da
Irmandade Muçulmana?
Seria, com os descontos devidos, como ter Lula e Bolsonaro no mesmo governo.
Israel
tem um sistema parlamentarista que funciona bem para representar as
posições político-religiosos extremamente diversas de uma população que,
simultaneamente, parece ter saído da Europa Central do século 18 ou do
Vale do Silício da vanguarda do 21, mas tem funcionado mal para criar um
governo viável.
Em dois anos, quatro eleições deixaram o problema do mesmo tamanho.
A
fragmentação não dá maioria para ninguém e os governos de coalizão são
intrinsicamente frágeis. O que Lapid está tentando montar, pela
convivência entre os opostos, é mais vulnerável ainda.
Mas
Lapid tem a vantagem de ser mais alinhado com as posições do governo
Joe Biden. Os Estados Unidos são a aliança de importância existencial
para Israel e Lapid, que é partidário de um estado palestino e da
devolução de parte dos territórios ocupados, poderia sonhar em ter com
Biden a mesma sintonia que existiu entre Netanyahu e Donald Trump.
Aviso:
ele é partidário teoricamente. Na prática, qualquer coisa que envolva
um futuro estado palestino tem que passar por cima de uma torre
babilônica de obstáculos – e também de Naftali Bennett.
Como
ex-jornalista de televisão Lapid é extremamente articulado e fala de
forma tão peculiar e prolongada que foi criado até um aplicativo, o
Lapidrônomo, que “traduz” qualquer assunto para o jeito dele se
expressar. Lapid disse que acha engraçado.
Ele
já escreveu livros e peças de teatro, fez papéis pequenos no cinema e
encantou o público feminino com sua estampa máscula durante os anos em
que apresentou o principal programa de entrevistas da televisão
israelense.
Seu
próprio partido representa camadas da população urbana que não suportam
a influência dos partidos religiosos em todos os assuntos do país e
aspiram a uma solução que dê paz e segurança ao país, mas também não
abraçam a esquerda e nem querem mini-estados terroristas ao redor de
Israel.
Por
enquanto, Naftali Bennett, com sua personalidade ofuscante de
multimilionário por esforço próprio e ex-operações especiais, estará no
centro das atenções. Ele seria o primeiro-ministro nos dois primeiros
anos do governo que está sendo desenhado por Lapid. Foi uma concessão
para abrir Bennett e seus seis deputados.
Se
a coisa durar dois anos, o que não parece extremamente provável,
chegaria a vez de Yair Lapid. Na política, em qualquer lugar, dois anos
são uma eternidade. Em Israel, são uma eternidade e meia.
“De
tempo em tempo, precisamos parar e repensar tudo”, já disse ele num de
seus lapidismos. “Toda a história é feita de pessoas que tinham certeza
que sabiam a verdade, mas esqueceram que a verdade tem uma aborrecida
tendência a mudar ocasionalmente sem que percebamos”.
Agora, Lapid vai ter que mostrar isso na prática.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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