A tendência à esquerda começa no cargo mais alto da fundação: a atual presidente é Nísia Trindade Lima, que tem um histórico de ligação com o Partido dos Trabalhadores (PT). Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo:
Na
CPI da Covid no Senado, a secretária de Gestão do Trabalho e da
Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, foi criticada por ter
afirmado, em uma conversa privada, que todos os tapetes da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) têm a imagem do revolucionário comunista Che
Guevara. Ela também gerou reações variadas por, na mesma conversa, ter
dito que havia um "pênis inflável" na porta da organização. Embora a
secretária provavelmente tenha usado de hipérboles, ela posteriormente
enviou à Gazeta do Povo uma fotografia que parece comprovar sua segunda
alegação. A imagem mostra uma campanha de prevenção ao HIV na entrada da
Fiocruz, no Rio de Janeiro. Independentemente das polêmicas levantadas
na CPI, não é possível dizer que a fundação é um órgão puramente
técnico, imune a influências político-ideológicas.
A
tendência à esquerda começa no cargo mais alto da fundação: a atual
presidente é Nísia Trindade Lima, que tem um histórico de ligação com o
Partido dos Trabalhadores (PT). Ela foi eleita para o comando da Fiocruz
em 2017 e, no início deste ano, reconduzida ao cargo. Se a votação for
um termômetro da orientação ideológica dos funcionários da Fundação, a
tendência é clara: Nísia teve 87% dos votos válidos na disputa deste
ano. Os deputados Paulo Teixeira, Afonso Florence e Chico D'Angelo,
todos do PT, chegaram a se reunir com o então ministro da Saúde, Ricardo
Barros, para pedir que ela fosse nomeada - apesar de ter obtido mais
votos, ela poderia, em tese, ser preterida pelo presidente Michel Temer,
que poderia ter optado por qualquer um dos três mais votados.
Curiosamente,
Nísia não tem formação acadêmica na área de ciências biológicas ou
medicina: ela possui graduação e doutorado em Sociologia, com mestrado
em Ciência Política. O segundo colocado na eleição, Rivaldo Venâncio, é
outro militante de esquerda – que protestou contra a prisão do
ex-presidente Lula em 2018.
Mais
recentemente, já sob o governo Bolsonaro, a entidade deu outras pistas
de suas preferências ideológicas. Dentre os projetos mantidos pela
fundação, está ainda o Agenda Jovem – Fiocruz, que produz debates
periódicos. Um dos mais recentes tinha como tema “Como a juventude
resiste e se reinventa", e teve a participação de Júlia Aguiar, uma das
diretoras da União Nacional dos Estudantes (UNE). O mais grave: o
projeto Agenda Jovem é uma parceria da Fiocruz com o Levante Popular da
Juventude, uma organização abertamente marxista. Em sua página na
internet, o Levante se define desta maneira: “Nossa inspiração tem
vínculo profundo com a Esquerda Revolucionária que por meio da
construção de um marxismo vivo deu origem à luta armada contra a
ditadura no Brasil, à Teologia da Libertação, à revolução cubana, à
revolução nicaraguense e outras experiências de libertação nacional na
Ásia e África”. Isto não impediu a Fiocruz de estreitar os laços com o
Levante Popular.
Em
um dos eventos recentes, publicados pela página do Levante Popular da
Juventude, o coordenador de Cooperação Social da Fiocruz, Leonídio
Sousa, escancarou o objetivo do projeto: "Já estamos estabelecendo uma
parceria de alguns anos com o Levante Popular da Juventude e fazendo um
avanço significativo para dentro da Fiocruz, inclusive, na aproximação
entre os campos da saúde e juventude, mas uma aproximação não somente na
construção de campos de conhecimento, mas também da ação política",
disse Sousa. Neste ano, as duas entidades abriram um edital para,
juntas, publicarem um livro.
O
Levante Popular da Juventude se notabilizou pelos protestos agressivos.
O grupo promove o que chama de "escrachos" contra seus adversários. No
começo da década passada, o Levante depredou e pichou casas de supostos
torturadores do regime militar, geralmente com os dizeres "Aqui mora um
torturador". Em 2018, a organização atirou tinta sobre o prédio em que
mora a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. O grupo
também já pichou a casa de João Doria (PSDB) quando ele era prefeito de
São Paulo. Em 2016, o Levante atirou glitter sobre o então deputado
federal Jair Bolsonaro. Em 2012, o grupo havia recebido das mãos da
presidente Dilma Rousseff uma menção honrosa no Prêmio de Direitos
Humanos da Presidência da República.
Fake news contra Bolsonaro
O
posicionamento ideológico também parte dos pesquisadores da Fundação.
Há três meses, a Fiocruz realizou uma transmissão ao vivo em que os
pesquisadores Sonia Fleury e Assis Mafort debateram o “federalismo
brasileiro” e o “contrapoder na Covid-19”. Em sua fala, além de definir o
governo Bolsonaro como “autoritário” e “negacionista”, Sonia afirmou
que o presidente tem o apoio das milícias. "Parte de apoio de suas bases
(...) são os fanáticos bolsonaristas e também os neopentecostais, as
milícias, e todos esses grupos que o apoiam e que exercem um certo
controle moral ou coercitivo sobre a população", disse ela. A
pesquisadora da Fiocruz disse ainda que a família Bolsonaro difundiu o
boato de que a vacina contra a Covid-19 carrega um chip – informação que
é, de fato, falsa, mas que não foi divulgada pelo presidente ou seus
familiares. Sonia criticou “as várias formas absurdas que se usam aí na
família do Bolsonaro para atacar a China, atacar a vacina, dizer que o
vírus foi produzido lá, que a vacina tem chip, enfim, uma série dessas
fake news que foram divulgadas".
A
Fiocruz ainda é uma das organizadoras de uma série de debates batizada
de “Roda de Conversa Universitárixs e faveladxs” - o uso do “x” em vez
do “o” é uma tentativa de adotar uma linguagem neutra, que supostamente
não agride as pessoas transexuais.
Linguajar de esquerda em congresso da Fiocruz
Outro
termômetro da orientação ideológica da Fiocruz é a ata do sétimo e mais
recente congresso interno da entidade, realizado em 2017 – já sob a
gestão da atual presidente, Nísia Trindade Lima. O documento final
contém diretrizes para a atuação da fundação nos anos seguintes. E
inclui trechos com um claro linguajar de esquerda, com ataques ao
“neo-liberalismo” e ao “capital rentista”. Escrevendo durante o governo
Temer, no ano seguinte ao impeachment de Dilma Rousseff, o comando da
Fiocruz afirmou: “A crise econômica, o deslocamento do discurso de
hiperglobalização para nacionalismos protecionistas, a exacerbação de
fundamentalismos, intolerâncias e conflitos e, como grande determinante
disso tudo, o reforço do neo-liberalismo e domínio do capital rentista e
financeiro, são claramente contraditórios com os valores da Agenda
2030”. A Agenda 2030 é uma série de objetivos traçados pela Organização
das Nações Unidas para serem atingidos até o ano de 2030.
O
documento também lamenta o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e
a política fiscal do governo Michel Temer: “Após anos de fortalecimento
da democracia e das instituições democráticas, o país viveu a
interrupção de um mandato presidencial eleito pela maioria e, em
seguida, a radicalização de um programa de governo focado no ajuste
fiscal”, além de criticar “o avanço de projetos neoliberais” mundo
afora.
Uma
das diretrizes aprovadas no congresso de 2017 inclui ataques à “elite
brasileira e internacional”. No trecho, a Fiocruz decide “Participar da
luta pela reorientação da atual política econômica geradora de
iniquidades e contribuir para a elaboração de políticas e programas de
Saúde que tenham como pressuposto uma política econômica e fiscal
progressiva e inclusiva, orientada para a diminuição das desigualdades
sociais e para a promoção do desenvolvimento econômico, tornando claro,
para a população, o que lhe está sendo subtraído pela elite brasileira e
internacional; e divulgar e apoiar a proposta de efetivação de
auditoria independente e cidadã da dívida pública”.
Abastecida
com recursos do Ministério da Saúde, a Fiocruz foi fundada há 121 anos
com a missão de produzir soro e vacina contra a peste bubônica. Era o
Instituto Soroterápico Federal. Já nos seus primeiros anos de
existência, graças ao trabalho do cientista que hoje dá nome à entidade,
Oswaldo Cruz, a instituição expandiu sua atuação, mas manteve a
pesquisa para o combate às doenças, sobretudo as tropicais – que não
eram prioridade para pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos. O
orçamento da fundação para 2021 é de R$ 5,1 bilhões.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou a instituição, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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