São neocínicos porque se comportam como ex-seminaristas em seu primeiro carnaval. Grosseiramente mentem e expõem sua mentira, porque a consideram intrínseca à nova profissão. Fernando Gabeira para O Globo:
O
general Pazuello disse na CPI que estava sem máscara num shopping de
Manaus porque estava precisamente procurando máscara para comprar. Na
manifestação no Rio, ele apareceu sem máscara, foi chamado de “meu
gordinho” por Bolsonaro e saudou “a galera que apoia o presidente”.
Como
explicar essa falta de seriedade no comportamento público de um
general? Pazuello já havia antecipado a explicação na própria CPI.
Questionado
sobre a frase “um manda, o outro obedece”, ele respondeu que isso é
apenas uma coisa de internet. Na opinião dele, a internet é um espaço
onde se pode falar qualquer coisa, sem o mínimo compromisso com a
verdade ou a coerência.
O
general Augusto Heleno, numa convenção do PSL, cantou o seguinte verso:
“Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. Todos riram porque
associaram Centrão a ladrão com rapidez.
Perguntado
sobre isso, depois que Bolsonaro fez um acordo com o Centrão, o general
Heleno sugeriu que o Centrão nem existe mais e que sua frase faz parte
do show da política.
Assim
como o general Pazuello vê a internet como um espaço onde se pode falar
tudo, o general Heleno equipara a política a um show, sem
correspondência com a realidade da vida do país.
Não
é novidade o processo de decadência da política. Promessas,
contradições e cinismo fazem com que as pessoas não só desconfiem, e até
mesmo sonhem com um fim da política. Os franceses criaram até uma
expressão para traduzir essa mistificação: langue de bois, que, em nosso
idioma, se aproxima de falas de um de cara de pau.
Há
alguns anos, num grande volume sobre democracia, seu organizador, Bruno
Latour, registrou um dos prolemas que precipitavam essa decadência: a
suposição de que não importam mais os fatos, mas sim as versões de cada
um.
Ele
citou um momento decisivo, quando Colin Powell, então secretário de
Estado dos EUA, apresentou falsas imagens sobre instalações de armas de
destruição em massa para justificar a intervenção americana no Iraque.
Os
generais cooptados por Bolsonaro chegam à política num momento
delicado. Em vez de buscar fortalecer os aspectos positivos dessa
prática socialmente vital, eles decidiram navegar nas suas águas mais
turvas.
São
neocínicos porque se comportam como ex-seminaristas em seu primeiro
carnaval. Grosseiramente mentem e expõem sua mentira, porque a
consideram intrínseca à nova profissão.
O
problema se estende para além dos generais e alcança também a massa de
militares incorporada pela administração civil do governo Bolsonaro. Ela
encarna outro tipo de degradação da política, muito praticada pelos
partidos fisiológicos. A principal característica dessa prática é ocupar
cargos apenas pela proximidade política, sem nenhuma relação com o
conhecimento específico para realizar as tarefas que deles decorrem.
Um
exemplo mais radical é o próprio general Pazuello — e a equipe de
militares deslocada para combater a maior pandemia desde a Gripe
Espanhola, no princípio do século XX. Pazuello não é medico, não
conhecia o SUS nem a doença que combateria, não estava informado das
propriedades do remédio que seu ministério indicaria: a cloroquina.
As
Forças Armadas trabalham com seriedade e disciplina, embora essa
característica, a disciplina, tenha sido também detonada por Pazuello.
Mas é ilusório alimentar a partir dessas qualidades uma sensação de
onipotência salvacionista, como se os militares pudessem realizar melhor
que os civis quaisquer tarefas de governo.
O
resultado desses equívocos não será bom. Os generais tornaram-se
políticos caricatos, a eficiência militar é colocada em dúvida, a
própria preparacão do generalato é um enigma diante da performance geral
de Pazuello.
Ainda não é exatamente a Venezuela, mas estamos na fronteira.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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