Culpar o liberalismo pelas falhas do sistema de saúde no Brasil é
absurdo. O Estado brasileiro é perdulário e nunca se concentrou no que
os liberais consideram suas funções primordiais. Artigo de do professor
Marcelo Trindade para O Globo:
Junto com o novo coronavírus, multiplicam-se declarações de morte ao
liberalismo. O colapso do sistema de saúde revelaria que os
investimentos estatais foram insuficientes no passado. A necessidade de
ação dos governos provaria que os mercados não sobrevivem sem o Estado. E
como Bolsonaro, enquanto ataca a saúde pública e a democracia, se diz
liberal na economia, reforça as críticas ao liberalismo.
Culpar o liberalismo pelas falhas do sistema de saúde no Brasil é
absurdo. O Estado brasileiro é perdulário e nunca se concentrou no que
os liberais consideram suas funções primordiais — exatamente saúde,
segurança e educação. Trata-se de acusar de fracasso uma proposta nunca
implementada.
É como se os culpados, apanhados em flagrante, apontassem para os
inocentes. Ou alguém tem dúvida de que, entre as razões para o Brasil
não estar preparado para a pandemia, está a opção, feita por governos
nada liberais, em torrar bilhões de reais em Copa do Mundo, Olimpíadas e
obras faraônicas, aqui e até fora do Brasil, ao invés de investir em
hospitais e saneamento?
Muitos dos agora revigorados críticos do liberalismo financiaram-se
pela corrupção e distribuíram incentivos fiscais, inclusive para as
aplicações financeiras dos mais ricos, enquanto negligenciavam os
instrumentos de superação da desigualdade, como a educação básica.
Também é falsa a contradição entre liberalismo e programas de renda
emergencial e de crédito para as empresas. São medidas que há muito
fazem parte dos manuais de combate às crises econômicas. Quem as recusa
não é liberal, é lunático.
O fiasco sanitário não tem partido. Atingiu governos de esquerda e de
direita mundo afora. O país precisa planejar o futuro com base nas
lições do presente, para reduzir os danos quando vier a próxima
catástrofe. Isso demanda pesquisa e gestão pública eficiente, prever
cenários de crise e preparar as ações a serem tomadas no caso de eles
ocorrerem. Este é o dever do Estado, qualquer que seja a ideologia no
poder.
Marcelo Trindade é advogado e professor da PUC-Rio
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário