O Instituto Mises
retoma um artigo do professor Juan Ramón Rallo que aborda o
comportamento hesitante de Macri, o presidente derrotado por Cristina e
seu poste, o LulaLivre Fernández:
Nota do Editor
O artigo abaixo foi originalmente publicado em setembro de 2018.
Com as recentes notícias sobre o ressurgimento do kirchnerismo, a recessão argentina, e a impressionante contração de sua produção industrial (queda de 14,7% em dezembro de 2018 em relação a dezembro de 2017 e queda total anual de 5% em todo o ano de 2018; seguida por uma nova queda de 14% em março de 2019 em relação ao mesmo mês de 2018), vale a pena rever o que foi dito, agora com dados mais atualizados.
Acima de tudo, vale absorver as lições para evitar que as trapalhadas e contemporizações sejam repetidas no Brasil.
***
Em dezembro de 2015, último mês do governo de Cristina Kirchner, a Argentina apresentava um déficit orçamentário de 5,1% do PIB.
Dado que o governo argentino havia decretado moratória no início da década de 2000, e reincidido em 2014,
o governo não conseguia se financiar facilmente via empréstimos no
mercado financeiro. Pior: os mercados internacionais estavam fechados
para o governo do país, tanto por conta desse histórico de moratórios
quanto pelo descrédito gerado pelos governos Kirchner.
Sem poder emitir
títulos para se financiar, o então governo Kirchner tinha duas
alternativas para cobrir esse rombo orçamentário: aumentar impostos ou
imprimir dinheiro.
Aumentar impostos era inviável, pois estes já estavam em níveis alarmantes. Segundo o relatório de competitividade global
do Fórum Econômico Mundial, a carga tributária da Argentina já era
simplesmente a mais alta das 138 economias analisadas. Pior: desde 2002,
a carga tributária do país — federal, províncias e municípios — já
havia aumentado mais de 10 pontos percentuais em relação ao PIB.
A trajetória dos
gastos públicos foi ainda mais espantosa: eles aumentaram 20 pontos
percentuais em relação ao PIB, com os gastos consolidados do país
chegando a 47,9% do PIB, uma cifra claramente desproporcional.
Logo, sem poder se
endividar e sem ter como aumentar impostos, o governo Kirchner fez
aquilo que os países latino-americanos tradicionalmente fazem: colocou
seu Banco Central para imprimir dinheiro e, assim, monetizar a dívida. O
Banco Central imprimia e repassava ao Tesouro. E então o governo
gastava.
Assim, de 2003 ao
final de 2015, a base monetária da Argentina — uma variável totalmente
sob controle do Banco Central argentino — aumentou 1.730% (ou seja, foi multiplicada por 18). Como consequência, a quantidade de dinheiro (pesos) na economia argentina (M1) disparou 2.415% (ou seja, foi multiplicada por 25).
E o que sucede quando
não existe uma grande demanda por um ativo (neste caso, o peso
argentino), mas este tem sua oferta substantivamente aumentada? Correto,
esse ativo perde valor. Internamente, a perda de valor do peso estava
se materializando em uma alta de preços galopante (de 30% em 2015).
Externamente, tamanha
inflação da oferta monetária deveria ter se expressado na forma de uma
forte depreciação cambial. Entretanto, o governo Kirchner havia
instaurado, desde 2011, o chamado 'cepo cambial':
o governo restringia a compra de dólares pelos cidadãos argentinos. O
objetivo do cepo era exatamente o de aprisionar os argentinos ao peso
inflacionado, impedindo-os de escapar (para o dólar) de uma moeda que o
governo estava inflacionando para financiar seus déficits.
Ou, dito de outra
maneira, em vez de financiar o excesso de gastos governamentais emitindo
títulos da dívida nos mercados globais, os Kirchner optaram por
parasitar toda a população aplicando o "revolucionário" imposto da
inflação.
Esta era a bomba que,
segundo o prometido, Maurício Macri iria desarmar ao assumir a
presidência: reestruturar as finanças públicas para não mais financiar o
déficit orçamentário por meio da impressão de pesos, e abolir o cepo
cambial.
O controle dos gastos
em conjunto com o fim da inflação monetária colocaria um freio na
carestia e permitiria que o cepo cambial pudesse ser abolido sem grandes
traumas. Adicionalmente, o fim do cepo supostamente atrairia
investimentos estrangeiros e reativaria o crescimento econômico.
Ajustes, mas sem dor
Entretanto, o novo
presidente argentino também prometeu evitar qualquer tipo de ajuste
duro. Em vez de medidas rápidas e decisivas, houve a promessa de gradualismo.
Em vez de aprovar um forte corte nos paquidérmicos gastos herdados dos Kirchner, Macri anunciou,
tão logo assumiu a presidência, aumentos para os aposentados e para os
professores. E para não comprar briga com sindicatos e com o
funcionalismo público, não fez nenhuma indicação de que privatizaria
estatais. A Aerolíneas Argentinas, por exemplo, que foi estatizada pelos
Kirchners e que dá um prejuízo ao Tesouro argentino de 2 milhões de dólares por dia, segue intacta. Igualmente, a estatal petrolífera YPF registra prejuízos trimestrais milionários, e nada de o governo se desfazer dela. Já o número de funcionários públicos continuou em níveis soviéticos (há 4 milhões de funcionários públicos na Argentina, sendo que aproximadamente 280 mil são fantasmas). Para completar, as dificuldades para empreender seguem as mesmas (o país está na 116ª posição no ranking de facilidade empreendedorial).
A intenção, portanto,
era não se indispor com ninguém e adotar apenas ajustes graduais e
suaves. Nada que pudesse ser considerado muito drástico. E nem severo.
Em termos realmente
efetivos, seu plano consistia em começar a casa pelo telhado:
reestabelecer a credibilidade internacional do governo argentino e
abolir o cepo cambial antes de corrigir o déficit.
Acreditava-se que
isso já bastaria para aumentar a confiança, trazer os tão necessitados
investimentos estrangeiros, e fazer a economia voltar a crescer, as
receitas tributárias aumentarem e o déficit cair.
Este era o plano. Nada de mudanças estruturais. Apenas uma mudança de postura.
De início, até que funcionou...
Como esperado, tão logo Macri chegou ao poder, em dezembro de 2015, ele cumpriu a promessa e aboliu o cepo cambial. A taxa de câmbio saltou de 10 pesos por dólar para 15 pesos por dólar.
Poucos meses depois, em abril de 2016, ele pagou os credores internacionais que ainda resistiam a aceitar a moratória soberana decretada em 2001. Naquele mesmo mês, o governo argentino voltou a ser aceito nos mercados internacionais
e conseguiu voltar a emitir dívida nestes mercados — 40 bilhões de
dólares a uma taxa de juros de 6,75% (em dólares) ao ano — após 15 anos
de exclusão.
O charme de Macri
parecia estar surtindo efeito e o plano parecia estar dando muito certo.
Só que havia dois problemas: um interno e outro externo.
... mas depois desandou
O problema interno é
que Macri fracassou completamente em seu intuito de corrigir o déficit:
em 2017, o desequilíbrio das contas públicas alcançou 6% do PIB — acima do registrado no último ano de Kirchner — devido ao fato de que os cortes de gastos simplesmente não ocorreram.
Consequentemente, o governo argentino manteve-se firme na tradição: continuou imprimindo dinheiro para bancar seus gastos.
Como mostra o gráfico abaixo, a expansão da base monetária sob o governo Macri foi de 130% desde janeiro de 2016 até hoje.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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