MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Estratégia para absolvição de Temer apostou no enfrentamento questionando diálogo com Joesley


Charge do Mário Tarcitano (humorpolitico.com.br)
Bruno Boghossian
Folha
Depois de uma noite sem dormir, Michel Temer chegou antes das 8h ao gabinete naquele 18 de maio de 2017. Abatido, disse a auxiliares que não sabia se teria condições de continuar no cargo. O presidente repetia que não se lembrava de detalhes da conversa que tivera com Joesley Batista em março. A  Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmava que, num encontro gravado, Temer havia autorizado a compra do silêncio de potenciais delatores.
Um ministro perguntou ao presidente se, durante a noite, ele se lembrara de ter dito algo que corroborasse a acusação. Temer respondeu que não. O auxiliar sugeriu então que, enquanto a dúvida permanecesse, a melhor estratégia seria o enfrentamento.
NEM ILÍCITO PENAL – O presidente se escorou nessa dúvida por dois anos e cinco meses. No último dia 16, Temer foi absolvido da imputação de obstrução da Justiça. O juiz Marcus Vinicius Reis Bastos afirmou que o conteúdo da gravação, de baixa qualidade, “não configura, nem mesmo em tese, ilícito penal”. O Ministério Público recorreu.
A peça mais explosiva da delação da JBS, que quase derrubou um presidente da República, é parte de um processo cercado de polêmicas. Quando a notícia da delação estourou no site do jornal O Globo, Temer juntava com dificuldade as peças do encontro com Joesley, ocorrido em 7 de março. O presidente disse a aliados que jamais dera aval a pagamentos para evitar as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) e do operador Lúcio Funaro.
ELEIÇÕES ANTECIPADAS – Temer contou, porém, que entendia, sim, que o empresário dava dinheiro à família de Cunha, preso em 2016, e que interpretava aquilo como um gesto de solidariedade. O presidente rejeitou a hipótese de renúncia, mas cogitou outra opção. Auxiliares sugeriram que ele enviasse ao Congresso uma proposta para antecipar as eleições.
Temer foi demovido pelos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil), que achavam possível vencer a batalha política. A princípio, Temer optou por fazer uma defesa genérica. Apostou na incerteza pois, quando chegou ao púlpito do Palácio, não conhecia ainda a gravação em poder da PGR. O áudio foi liberado enquanto Temer falava. Ao ouvir a conversa, logo depois, o presidente soltou palavrões.
INTERPRETAÇÃO PRÓPRIA – A sentença que absolveu o ex-presidente, em 16 de outubro deste ano, afirmou que os procuradores deram “interpretação própria” ao áudio. “Afirmações monossilábicas, desconexas, captadas em conversa com inúmeras interrupções […] não se prestam a secundar as ilações contidas na denúncia”, escreveu o juiz.
A decisão cita 76 interrupções na gravação e 76 trechos ininteligíveis. Ao denunciar o então presidente, a Procuradoria transcreveu a conversa sem a anotação dessas falhas. Temer é alvo de processos e investigações em outros oito casos. Um deles é o episódio da entrega da mala ao então deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), gravada na delação da JBS. O ex-presidente é acusado de ser o destinatário final do dinheiro, propina em troca de vantagens para a empresa. Temer nega.
DECEPÇÃO – Dois livros lançados nos últimos meses reproduzem percepções diferentes dos investigadores em relação à gravação entre Joesley e Temer. Em “Why Not”, a jornalista Raquel Landim, repórter associada da Folha, narra que o promotor Sérgio Bruno se mostrou decepcionado com o diálogo quando o áudio chegou à PGR, em 27 de março de 2017.
Janot, por outro lado, descreve a efusividade de sua equipe ao ouvir a gravação. “Ali estava o presidente da República em ação”, escreveu em “Nada Menos que Tudo”. Ele afirma que aquela conversa se seguiu “num zigue-zague medonho”. “Não por causa do sotaque carregado do ricaço da J&F, que fala como se estivesse lendo Guimarães Rosa de trás para a frente, mas pelo conteúdo do diálogo.”
MUNIÇÃO – As entrevistas de Janot para divulgar o lançamento de seu relato deram munição aos acusados. Ele disse a vários veículos que, furioso com Gilmar Mendes, chegou a ir armado ao STF (Supremo Tribunal Federal) para matar o ministro, mas desistiu.
A inclusão de Temer no rol de delatados foi considerada uma peça-chave nas negociações do acordo de Joesley e outros integrantes do grupo JBS, além de elemento fundamental para que eles recebessem imunidade —a garantia de não responder a processos. “Se vocês tiverem algo contra o presidente da República, muda o jogo”, disse Sérgio Bruno aos advogados do empresário, segundo Landim.
ACORDO – Embora admita que a delação ganhou corpo, Janot afasta interpretações políticas. O ex-procurador-geral escreveu que, na costura do acordo, jamais pensou na hipótese de Temer ser derrubado. A defesa do ex-presidente investiu em levantar especulações sobre os interesses de Janot.
Além de questões políticas, o grupo de Temer sugeria que o envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação como advogado da JBS beneficiaria o então chefe da PGR. A participação de Miller se tornou um dos pontos mais rumorosos do caso.
Investigadores que apuravam o uso de informação privilegiada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista para operar no mercado financeiro descobriram, em junho de 2017, que Miller participava, antes de deixar oficialmente a Procuradoria, de um grupo de WhatsApp com os potenciais delatores, segundo “Why Not”.
PARCERIA –  Meses depois, a PGR ouviu uma conversa gravada acidentalmente em que Ricardo Saud, lobista da JBS, falava sobre a atuação de Miller. Ele ainda dizia a Joesley que Janot se juntaria ao ex-procurador num escritório de advocacia depois de deixar o cargo.
Em seu livro, o ex-procurador-geral descreve aquele diálogo como “uma comédia pastelão protagonizada por dois bocós”. A suspeita de que Miller fazia jogo duplo, porém, foi um dos fatores que levaram a Procuradoria a pedir a rescisão do acordo de delação.
Janot afirma que não havia “uma prova inconteste de que o ex-procurador tivesse cometido um crime” e que a questão foi explorada pela defesa de Temer “para esvaziar o verdadeiro escândalo”.
AÉCIO – Os questionamentos à atuação de Miller são flancos de ataque de outros acusados, como Aécio Neves (PSDB-MG). Gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley, ele se tornou réu por corrupção e obstrução da Justiça. O tucano perdeu o status de estrela, desistiu de disputar a reeleição ao Senado e voltou à Câmara. Em agosto, o PSDB rejeitou uma tentativa de expulsá-lo.
Miller se tornou réu por corrupção, mas a ação penal foi trancada em setembro. Segundo a defesa dele, não houve crime e ele não recebeu pagamento pelo trabalho. Com a delação suspensa, Joesley e Wesley foram presos. Depois, passaram a usar tornozeleira eletrônica, até o início deste mês.
A defesa de Joesley acredita que o STF julgará o pedido de rescisão do acordo de delação em 2020 e precisará decidir se as provas entregues por eles continuarão válidas.

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