Por que, mesmo cientes, muitos internautas propagam notícias falsas?
Mais de 2,3 bilhões! Esse número gigantesco equivale a quantidade de internautas que utilizam a rede social Facebook mensalmente, segundo dados divulgados pela empresa, em 2018. Além da rede social, seu império também contempla as plataformas WhatsApp, Instagram e Messenger, ultrapassando o número de 2,6 bilhões de usuários. Portanto, em questão de segundos, bilhões de pessoas postam e compartilham um número quase incontável de informações. Todavia, se é impossível controlar tamanha expansão de dados, também é impossível conter as inverdades compartilhadas.
Uma pesquisa divulgada pelo Kantar Media, em 2018, constatou que as mídias sociais são a fonte de notícias com menor confiança do público, apenas 33% de aprovação. Apesar disso, em 2016, uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) ressaltou que as informações falsas, as chamadas fake news, têm 70% mais chance de viralizar que as notícias verdadeiras. Assim, embora muitos não confiem nas redes sociais, simplesmente, eles repassam aquilo que recebem, apesar de não estar certos de sua veracidade, nem ao menos de saber seu conteúdo. É o que afirma o resultado de outra pesquisa, também de 2016, divulgada pelo Instituto Nacional da França, segundo a qual 59% dos links compartilhados no Twitter não foram sequer nem clicados.
O pesquisador e especialista em imagens há mais de 30 anos, Prof. Dr. Jack Brandão, comenta a respeito desses dados: “Embora um bom número de internautas não confie nas mídias sociais, muitos acabam compartilhando determinadas informações, não por acreditarem no que divulgam, mas pelo desejo de que aquilo seja verdade. Afinal, muitas vezes, a notícia falsa é, simplesmente, espetacularizada e manipulada de acordo com os desejos do público; explicando-se, assim, a propagação de tantas fake News pelas redes”.
Ainda de acordo com Brandão, a fotografia tem um papel fundamental nesse processo: “Pelo fato de a imagem fotográfica ser um ‘registro’ de determinado acontecimento, somos impelidos a acreditar que se trata de uma cópia fiel da realidade: fomos induzidos a acreditar nisso há mais de um século! Esquece-se, porém, de que aquilo que temos é apenas um outro acesso ao mundo real, agora via câmera. Assim, acreditar na verdade fotográfica é puro engano, afinal tais imagens podem ser editadas, descontextualizadas, recortadas, sem que nos atentemos para tais detalhes”. De acordo com o professor, desde nosso nascimento somos cercados de imagens de tal forma que se constituiu um abismo entre o mundo real e o imagético. “Com as mídias digitais, esse abismo se dilata cada vez mais; pois, com a internet, pensa-se que é possível conhecer o mundo pela tela, mas se esquece de que tudo não passa de construções imagéticas elaboradas segundo a visão de seus autores”, ressalta Jack Brandão.
A jornalista e mestra em Ciências Humanas, Mariana Mascarenhas, pesquisadora do processo de comunicação, também comenta a respeito: “Toda e qualquer notícia divulgada jamais será uma representação do fato ocorrido, pois há uma série de fatores a serem considerados, como a intenção de quem divulga a informação, o olhar de quem apurou a notícia, as estratégias de manipulação, entre outros fatores. Todavia, embora sejam constatações óbvias, muitas vezes, nos esquecemos de tudo isso diante da nossa ‘ânsia’ em acreditar naquilo que é compartilhado”.
Para a jornalista, o mesmo ocorre com as imagens fotográficas: “Da mesma forma que o escritor coloca suas impressões no texto, mesmo que implicitamente, o fotógrafo traz para a imagem registrada suas intenções e assim o público nunca terá contato com a realidade em si. Assim, é possível espetacularizar a notícia ou a imagem, torná-las mais emocionantes. Afinal, o que é mais atraente, a publicação de uma discussão entre um casal de famosos que, de fato, possa ter ocorrido, ou uma fake news que divulgue uma agressão entre os dois? Certamente a segunda opção gerará mais audiência”.
De acordo com Jack Brandão, o anseio do público em consumir espetáculos imagéticos contribui para fomentar, cada vez mais, asfake news. “Há uma espécie de relação recíproca entre mídia e receptor, pois, se ela manipula imagens para influenciar o público é, justamente, devido ao consumo voraz deste por tais imagens”. Embora todo esse processo seja muito mais abordado hoje, com as mídias digitais, ele não é um acontecimento novo, conforme argumenta Mariana: “Desde o surgimento da prensa móvel, houve uma mudança radical na relação entre informação e público, pois um número muito maior de pessoas passou a ter acesso a informações até então restritas a grupos específicos. Ao analisar os estudos comunicacionais, o papel do receptor como sujeito ativo e crítico foi sendo aprimorado ao longo das pesquisas. Cientes disso, os meios midiáticos foram desenvolvendo novas estratégias para influenciar o público”.
Ainda de acordo com a jornalista, tais estratégias, mesmo num período anterior à popularização da internet já envolviam as chamadas fake news. “É evidente que a repercussão de tais informações possuía um alcance muito menor, todavia elas ganhavam força à medida que eram reforçadas pelo chamado efeito latente. Assim, eu vou repetindo uma mentira até que ela se torne verdade”.
Para o Prof. Dr. Jack Brandão, reside aí o poder da imagem: construir verdades absolutas que fomentem aquilo que o público deseja acreditar. Mas ela não fala sozinha pois, aliada ao texto, tem o poder de direcionar interpretações, criando “verdades” absolutas: “Uma fotografia, por si só, pode gerar múltiplas interpretações, mas, a partir do momento que ela é legendada, passa a ser uma verdade quase inconteste”.
Segundo Mariana Mascarenhas, trata-se de mais uma estratégia midiática: “A mídia é plenamente consciente da capacidade crítica do público, desta forma ela adentra em seu universo para utilizar sua linguagem no momento de influenciá-lo. Assim, uma simples legenda numa foto não é uma simples legenda, afinal, se eu quero atrair o receptor para a imagem, eu preciso rotulá-la com a verdade que eu quero, utilizando a linguagem do público”.
Percebe-se, dessa maneira, que conter a propagação de fake News é uma tarefa cada vez mais difícil, pois não se trata apenas de ser enganado, mas de querer acreditar e compartilhar a informação falsa, mesmo ciente de sua inverdade.
Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:
Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.
Mais informações: condesfotosimagolab.com.br
Canal no Youtube: www.youtube.com/user/jackbran
Sobre Mariana Mascarenhas:
Jornalista. Mestra em Ciências Humanas pela UNISA. Especialista em Comunicação Organizacional. Pesquisadora da Comunicação. Desenvolveu projeto de pesquisa dedicado a estudar o papel do público midiático a partir de um novo estudo interdisciplinar das Teorias da Comunicação, pesquisadora do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS.
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